Longe de mim querer ser uma guru do autoconhecimento, mas são muitos os especialistas em psicologia humana que sublinham a importância do amor próprio para a nossa saúde física e mental. Quanto estamos bem connosco, é mais fácil o relacionamento com os outros, se somos benevolentes connosco, somos também com os outros. No seu livro ‘Art of Loving’ (a arte de amar), o psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm debruça-se sobre como é fundamental que as pessoas tenham amor-próprio, um conceito que nada tem a ver com arrogância, vaidade ou egoísmo. Amor próprio, diz ele, é cuidar de nós próprios, assumir responsabilidade por nós próprios, respeitarmo-nos e conhecermo-nos, isto é, sermos realistas e honestos sobre os nossos pontos fortes e fracos. Veja aqui as perguntas que podem a fazer a diferença .
1- O que é que eu quero realmente?
Muitas vezes evitamos pensar muito no que queremos, seja da vida, da nossa profissão, de um relacionamento, porque lá bem no fundo temos receio que seja algo que não possa ser concretizável e que nos vai angustiar, por isso preferimos agir como a avestruz e enfiar a cabeça na areia. Não pense assim, há sempre margem de manobra para mudar, para tornar a vida mais agradável… temos é de pensar nela, no que queremos e no que nos incomoda. Deixe de parte o ‘devia’ e substitua por ‘quero’. Temos de ser responsáveis pelas nossas decisões e opções.
São muitos os psicoterapeutas que aconselham o hábito de escrever um diário, não é à toa que existem tantas versões de livros em forma de diário com o propósito de nos ajudar a compreender como somos e a gostarmos de nós como tal. Escrever um diário também é catártico, liberta-nos um pouco do stresse do dia a dia, ajuda a sentirmo-nos melhor, por isso o primeiro passo que podemos dar é passar para o papel os nossos desejos, como gostaríamos de viver a nossa vida, tanto a nível pessoal como laboral. Mantenha os pés na terra, não tem de ir por planos megalómanos e irreais, como o de ganhar o Euromilhões, mas se isso permite voar um bocadinho, ou se é uma via para pensar em ‘voos mais terrenos’, por que não?
Escreva também o que a incomoda, o que está a impedir de conquistar aquilo que quer realmente.
Numa terceira fase, pense no que poderá fazer para conquistar aquilo que quer para si. Comece por pequenas mudanças, um curso de inglês/alemão… ou de marketing digital que a ajudem a ser promovida, por exemplo; se adorava artes na escola, porque não tem umas aulas de desenho em regime pós-laboral, não só está a dedicar mais tempo a si como a fazer algo criativo. Muitas mulheres, depois da maternidade, deixam de ter tempo para si e nunca mais o reivindicam, fazendo com que as frustrações se acumulem. Está na hora do seu grito do Ipiranga!
2 – Do que é que eu tenho medo?
Não são aqueles medos viscerais de perder entes queridos, de terramotos, de uma guerra, esses são incontornáveis e comuns a todos, mas, atenção, se são paralisantes, aí convém procurar a ajuda de um psicoterapeuta.
Volte a pegar no papel e na caneta e vá escrevendo do que tem medo, daqueles que surgem no dia a dia. Serão esses medos obstáculos àquilo que deseja alcançar, aos seus objetivos? Descreva, no papel, as situações em que eles poderão concretizar-se, ou seja, o pior cenário possível. Muitas vezes, quando vemos esses pensamentos catastrofistas descritos ao pormenor vemos como são irracionais e deixam de ter a importância que lhes damos. E serão esses medos fundamentados ou medo do que os outros vão pensar de si?
3 – Preocupo-me demasiado com o que os outros pensam?
Estarmos atentos aos outros é normal e até salutar, afinal vivemos em sociedade e quanto mais harmoniosa essa vivência é, mais nos sentimos seguros e felizes. Mas condicionar o nosso comportamento continuamente àquilo que os outros possam pensar já não é saudável. “Somos animais sociais, logo, muito sensíveis às críticas dos outros, porque essas críticas podem conduzir à rejeição e, no passado, essa rejeição poderia significar isolamento, e o Homem primitivo quando ficava sozinho não tinha hipóteses, morria rapidamente. Muitos de nós, com receio do afastamento dos outros, acabamos por estar condicionados a esta necessidade de lhes agradar, de tal forma que por vezes aquilo que fazemos depende do que os outros vão pensar”, afirma a psicóloga Cristina Sousa Ferreira da Oficina da Psicologia. Se isso acontecer continuamente, acaba por ter um impacto negativo na nossa autoestima e amor próprio, porque ficamos com a sensação de que precisamos sempre da validação dos outros para tudo. “Se eu só quero agradar aos outros e esqueço-me de mim, isso pode levar a uma desvalorização pessoal, a não acreditar em mim própria, o que acaba por fazer com que eu não me sinta estimada ou amada.” Tente libertar-se dessa prisão que é ‘o que será que vão pensar de mim?’, pense antes que a sua liberdade acaba quando começa a dos outros.
4 – É-me difícil dizer ‘não’?
Filhos, companheiros, pais, colegas, chefes, vizinhos, todos com solicitações e a resposta da sua parte nunca é negativa, mesmo que isso a prejudique ou a leve à exaustão? Se toda a sua energia vai na direção dos outros e não sobra nada para si, isso só significa que, às tantas, o que até pode ter começado como um ato de bondade, de companheirismo, de solidariedade, torna-se numa experiência opressiva para si ao sentir-se obrigada a acatar os pedidos dos outros. Ao não conseguir dizer ‘não posso, não quero, não vou…’ e sentir-se na obrigação de fazer algo que não quer, provoca-lhe ressentimento e frustração. E estes sentimentos negativos vão dar origem a ‘amolgadelas’ na sua autoestima e amor-próprio.
5 – Com que frequência eu digo sim?
A um relacionamento, a uma promoção, a uma simples saída a dois, a um caminho diferente. Quantas vezes nos recusamos a arriscar com medo da perda, do fracasso?
“A perda é sempre uma coisa dolorosa e muitas vezes isso tem a ver com experiências anteriores. Se eu já sofri tanto com perdas, não me vou sujeitar a aproximar-me quando posso voltar a perder. Porque quando ganhamos a sensação é maravilhosa, mas a dor da perda é avassaladora e a reação é ‘não me meto noutra’. Mas o que as pessoas têm de pensar é que quando se recusa a voltar a perder também recusa voltar a ganhar. É uma defesa, mas temos de interiorizar que a vida é feita de ganhos e de perdas. No fundo, temos de aprender que quando há uma perda, há que lamber as feridas, chorar e fazer o luto, isso é muito importante, porque às vezes fugimos do luto, da dor… mas a dor cura. Quando temos uma ferida e insistimos em pôr um anestésico, coisas que aliviem a ferida, isso pode tirar a dor mas essa ferida não desaparece, pelo contrário, estamos a prolongar a ‘vida’ da ferida”, diz a psicóloga.
6 – Como posso ser melhor?
O sucesso, seja pessoal ou laboral, é geralmente conquistado com pequenos passos, ter confiança que o caminho que fez hoje vai ajudá-la a chegar mais perto do seu objetivo. Como é que isso se consegue? “O pensamento positivo ajuda muito, cria-me esperança, mobiliza-me para a ação, abre possibilidades. O pensamento negativo foca-me no ‘isto vai tudo correr mal’, para-me, limita-me, não me impulsiona para a frente. Eu sei que tenho qualidades e defeitos, mas se eu me concentro só nos defeitos, o olhar sobre mim não é simpático, fico triste, tira-me energia, ao contrário do que acontece quando me foco nas minhas qualidades, isso provoca a libertação de endorfinas na procura do prazer, das soluções, fico com uma visão mais alargada e com mais possibilidades”, reforça Cristina Sousa Ferreira.
7 – Estou preparada para falhar?
Podemos aprender com a sabedoria oriental: os japoneses têm um provérbio que diz ‘Cai 7 vezes, levanta-te 8’, já uma das frases célebres atribuída ao filósofo chinês Confúcio é ‘A nossa maior glória não reside no facto de nunca cairmos, mas sim em nos levantar sempre depois de cada queda’. Há culturas em que as pessoas são ensinadas a ‘atirar-se para a frente’, como nos Estados Unidos, por cá há mais cautela. “Por vezes, falhar pode significar não voltar a ter oportunidades. Em Portugal, não temos muitos anos de abundância, há sempre constrangimentos, crises cíclicas, momentos em que falhar pode ter um impacto profundo naquilo que é o nosso sucesso. O medo de falhar pode ter a ver com os nossos recursos limitados, não com uma característica cultural até porque sabemos que os portugueses lá fora são reconhecidos pela grande capacidade de resiliência”, lembra a psicóloga. Porque não preparar-se para o pior, esperando o melhor?
8 – Tenho dificuldade em esquecer os meus erros?
A falta de compaixão por nós próprios é sinal também de falta de autoestima. “O que fazemos é pôr a pessoa em perspetiva, no lugar de uma amiga, porque às vezes não somos nossos amigos, somos mais carinhosos e atenciosos com os outros do que connosco. É fundamental termos consideração, compaixão, uma palavra de alento, de apoio, quando essa pessoa somos nós. Se não me consigo perdoar, ou estar ao meu lado na tristeza, não serei feliz”, aconselha Cristina Sousa Ferreira.
9 – Sinto que sou uma fraude?
O que sente quando lhe elogiam a sua competência? Quando nos sentimos desconfortáveis com elogios pode ter a ver com o facto de sermos tímidos, não gostarmos de estar no centro das atenções. “Por outro lado, há quem seja perfeccionista e nunca está satisfeito, por isso não aceitam bem os elogios porque acham que podiam fazer melhor, e por último há ainda quem sofra daquilo que se chama ‘síndroma de impostor’, alguém que acha que nunca faz o suficiente para ser reconhecido, que não são merecedoras de elogios… estas pessoas são o somatório de muitas não validações, não reconhecimentos, de ‘não fizeste mais nada que a tua obrigação’. As pessoas que deviam valorizar-me não o fizeram, por isso crio a sensação de que não mereço, que sou um impostor”. Não se boicote.
10 – Será que celebro as minhas conquistas o suficiente?
Tente olhar para trás com uma lente benevolente, mais positiva porque o nosso cérebro está programado para identificar as desgraças, os perigos, as coisas negativas. “O exercício diário de mobilizar o olhar para as coisas boas é positivo, porque na esmagadora maioria das vezes elas passam-nos ao lado. Em terapia, pedimos muito às pessoas para escrever, diariamente, duas coisas boas que lhes aconteceram. E é engraçado como acabam por encontrá-las em pormenores que não valorizaram. Isso permite que reflictam sobre elas próprias, e o dia que poderia acabar com alguma tristeza ganha uma nova dimensão, porque um vizinho lhe disse bom dia ou uma colega lhe ofereceu um café. É parar de olhar para o chão e começar a levantar a cabeça e ver o céu e os pássaros…” O poder de uma caneta, um papel e a reflexão sobre nós próprias na construção de um eu mais forte e estimado.