O poder no feminino é um assunto que apaixona as mulheres. À minha volta sucedem-se as encomendas para o artigo: ‘Investiga lá quais são as qualidades de quem orienta uma equipa. Há um poder masculino e feminino? Se eu quiser ser chefe, posso? Qualquer pessoa pode?’
Ora bem: imaginemos uma grande empresa. Imaginemos que sou chefe do, digamos, departamento financeiro.
Humm… Desculpem lá. Deixem-me parar de rir. Podemos recomeçar? Take 2: lembro-me de uma amiga minha, diretora de uma empresa onde trabalha apenas com homens, que admitiu recentemente um novo diretor financeiro. Escolheu uma mulher. E explicou, com um suspiro, ‘para ver se quebramos este ambiente de caserna…’
Até há pouco tempo, o ‘ambiente de caserna’ era, por assim dizer, universal. As mulheres sempre trabalharam duramente, mas a sua ascensão a posições de poder e influência tem pouco mais de dez anos, e ainda há muito a fazer. Na Europa, revelou o European Professional Network, apenas 11% dos cargos mais elevados são ocupados por mulheres, e apenas 3% nas 500 maiores empresas eleitas pela revista Fortune. E a média europeia continua acima da portuguesa. No nosso país, apenas 4% das mulheres ocupa cargos empresariais de topo, e a União Europeia já frisou que as mulheres vão ter de entrar nas grandes empresas: a bem ou à força…
Um estudo da Mercer revela que a maioria das organizações não tem qualquer preocupação em assegurar o acesso de mulheres a cargos de liderança. E à falta de confiança feminina junta-se a falta de vontade masculina. Segundo Marta Sacramento, Principal da Mercer em Portugal, “os homens simplesmente reproduzem a sua própria experiência formando mais líderes como eles próprios para cargos de gestão”.
Mas a presença das mulheres não é necessária apenas porque é politicamente correto, ou porque tornam o mundo mais colorido e levam as coisas a bem e acabam as reuniões mais cedo e, como diria a minha amiga, quebram o ambiente de caserna. É porque, posso apostar, é mesmo mais eficaz. Mas como a minha aposta só por si não convencerá a minha audiência, vou à procura de um guru.
Com virtudes e defeitos
Exponho os meus dilemas ao ‘coach’ Daniel Sá Nogueira, que trabalha com as empresas a forma como podem melhorar o seu ambiente. Voltemos ao Take 1. Imaginemos que eu, digamos, numa próxima vida, estou aos comandos do departamento financeiro de uma grande empresa. Como boa líder, quais são as características que devo ter? “Acima de tudo, tem de ser líder de si mesma”, afirma Daniel. Ok. Parece-me bem. Mas significa o quê, ao certo? “Um líder é uma pessoa que se conhece bem, que se aceita, e que põe, quer a suas qualidades quer os seus defeitos, ao seu serviço e ao serviço dos outros.”
Humm… Também pomos os nossos defeitos ao serviço dos outros? “Claro que sim. O primeiro mandamento é ser humilde para com as nossas falhas, aceitar que as temos e assumi-lo perante os outros. Há muito, num chefe, a tendência para ser arrogante, para achar que não pode mostrar pontos fracos. Um verdadeiro líder sabe que tem limitações, reconhece-as, e elogia quem tem qualidades que ele não tem.”
Isto é extraordinariamente difícil de fazer… “Um bom líder faz isto naturalmente. Tem de saber pedir desculpa quando é agressivo, tem de reconhecer defeitos para que os outros o respeitem. Autoridade já não implica agressividade.” Mas ainda há um tabu em relação a uma mulher agressiva. Se um homem dá um murro na mesa, ninguém se espanta, se é uma mulher, está pré-menstrual… “Depende da mulher. Há as que dão um murro na mesa e aquilo é genuíno…”
Ora bem, eis-me líder carismática e pouco dada a murros na mesa. Que outras virtudes devo desenvolver? Que qualidades nascem connosco e quais se podem melhorar? “Não há uma lista. Mas é importante aprender a distinguir as duas. Só porque eu não nasci com determinada qualidade, não quer dizer que não possa desenvolvê-la. Mas as qualidades que em nós são inatas são as que mais importa cultivar.” Para descobrir as minhas qualidades inatas, afirma Daniel, só saindo da minha zona de conforto.
Tão poucas mulheres… Porquê?
A introspeção parece-me uma virtude feminina, o que me leva àquilo que afinal me trouxe aqui: por que é que, se as mulheres são tão importantes para o futuro da nação, a nação emprega tão poucas? É falta de sonhos? Falta de oportunidade? Falta de confiança? “Falta de confiança mas também falta de vontade”, afirma Daniel. “Ainda não é habitual que uma mulher tenha como ambição chegar mais alto.” Isso é um impedimento cultural? “É cultural, mas também é energético.” Ai Deus! Estamos a entrar na zona zen, é favor colocarem os capacetes! “A energia masculina é diferente da energia masculina, mesmo no local de trabalho. A energia masculina é competitiva, a feminina é cooperante. A energia feminina não precisa de liderar de cima para baixo, é uma liderança empática, pelas emoções.” Isso não é um mito? “Não, é mesmo assim. Repare numa mesa com um grupo de mulheres, e numa mesa com igual número de homens. Na mesa dos homens estão todos a discutir qualquer coisa, a falar de política ou futebol. Na mesa das mulheres estão todas a elogiar-se umas às outras.”
Bem… Enfim… Depende das mulheres, mas não lhe vou tirar as ilusões. “A liderança feminina não é melhor nem pior que a masculina, é diferente. O que acontece é que o tipo de liderança feminina muitas vezes não é reconhecido como liderança, porque estamos habituados ao padrão masculino.” É evidente que as mulheres e os homens não são todos iguais. “Há homens com grande capacidade empática e mulheres que são buldózeres e levam tudo à frente. Mas em termos energéticos, são diferentes. E é tão importante uma como a outra.”
As três barreiras
Liderança não reconhecida como liderança: a mesma coisa mostra um estudo da John F. Kennedy School of Government na Universidade de Harvard, segundo o qual a chefia feminina enfrenta três barreiras principais: tradicional (ainda se acredita que uma mulher é feita para estar em casa), a barreira da responsabilidade familiar (quando ligam da escola a dizer que a criança partiu a cabeça, nunca é o pai que vai com ela ao hospital…) e a barreira da inclinação pessoal (muitas mulheres resolveriam os problemas à sua maneira – evitando conflitos, procurando a solução mais compassiva, ouvindo os outros). Mas este não é o estilo de liderança masculino e muitas vezes são vistas como frágeis.
Liderança pela empatia e pelas relações humanas: essa não é a liderança do futuro? Daniel Sá Nogueira tira-me as ilusões: “Não. Não é. A liderança do futuro é um equilíbrio entre as qualidades femininas e masculinas. É importante manter a energia masculina focada em resultados, em faturação e eficácia e disciplina. Mas é igualmente importante manter a liderança virada para as relações humanas tipicamente feminina. Temos de encontrar um equilíbrio. Não creio que a liderança feminina seja a liderança do futuro, mas que o futuro vai ter muito mais liderança feminina.”
Cooperação feminina versus competição masculina
Humm… Comunicativas? Conciliadoras? Seremos mesmo assim? Descubro um estudo da Universidade de Wellesley afirmando que as mulheres eram tendencialmente evitadoras de conflitos não por natureza mas por tática, para desativar a agressividade que os seus colegas masculinos pudessem ter contra elas… “Os colegas podem ver as mulheres com qualidades de liderança como insuficientemente femininas. Por isso, uma mulher pode ser rejeitada porque não tem as qualidades masculinas vistas como inerentes à chefia mas também porque as tem em demasia” (Alice Easly e Linda Carli, ‘The Female Leadership Advance’, O Avanço da Liderança Feminina). Ou seja, presa por ter cão e presa por não ter…
O verdadeiro problema? Já adivinharam: as mulheres conquistaram a área profissional, mas não largaram a familiar. “Conciliar as duas é um enorme desafio cultural, um absurdo e uma injustiça”, nota Daniel. “Mas é a própria família que cria essa cultura onde a mulher tem de fazer tudo…”
E por último, se pudesse dar um conselho às mulheres, qual seria? “Fomentar a cooperação. Aconselharia uma mulher a manter-se fiel a si própria em vez de cair na corda bamba de ser competitiva e dura, e usar as suas energias femininas para ajudar os outros a trabalhar melhor.” Isso não é uma missão demasiado difícil de cumprir num mundo liderado pela energia masculina? “Se a competência estiver lá, ela terá espaço para recriar o seu mundo da maneira que achar melhor.”
Lembro-me de uma frase da Maria de Lurdes Pintassilgo: homens e mulheres só serão verdadeiramente iguais quando uma mulher incompetente for escolhida para um cargo de chefia…