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Com 35 casos confirmados de contágio pelo novo coronavírus e duas mortes, Angola ainda não regista números dramáticos. Contudo, o governo começou a apostar na prevenção cedo, para que o pesadelo não se torne a realidade de um país marcado pelas grandes desigualdades sociais e económicas.
Lúcia Palma, 32, é portuguesa e vive em Luanda. Neste momento delicado, confessa-nos que tem dificuldades em reconhecer a capital frenética e cheia de vida, que se tornou a sua segunda casa há cinco anos “A cidade tornou-se vazia e fantasma, sem o habitual trânsito caótico. Foi visível o reforço de policiamento, que atualmente tem um papel ativo no sentido de supervisionar as deslocações das pessoas.
A diretora de aquisição de talentos e coach de uma empresa do setor dos recursos humanos explica ainda que, dadas as circunstâncias e os recursos disponíveis, tem sido feito um esforço hercúleo para combater a transmissão comunitária. Uma lição aprendida com a evolução da pandemia noutras nações. “Os supermercados, repartições públicas e outras entidades com atendimento ao público têm limites no número de utentes a atender e restrições no horário de trabalho. As escolas e creches estão fechadas, bem como os restaurantes, bares, ginásios e espaços recreativos”.
Segundo Lúcia, ainda no que à medidas diz respeito, uma das grandes apostas passa pela consciencialização da população. “São sucessivos os apelos para evitar aglomerados. A partir de 27 de abril, passou a ser obrigatório o uso da máscara em espaços públicos”.
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Que medidas de distanciamento social estão em vigor em Angola?
Desde 27 de março, vigora em Angola o estado de emergência, que foi já prorrogado por duas vezes, tendo sido estendido na sua última prorrogação até 10 de maio. A declaração de estado de emergência ocorreu em Angola quando ainda não existia havia registo de nenhum caso de COVID- 19. Nesse mesmo dia foram encerradas escolas, repartições públicas, as lojas e espaços comerciais começaram a limitar o número de utentes dentro dos espaços, e começaram os sucessivos apelos para que fosse privilegiado o teletrabalho e que as pessoas se mantivessem em casa. Antes mesmo, da declaração do estado de emergência foram fechadas todas as fronteiras terrestres e aéreas, só sendo permitidos voos de repatriamento ou causas humanitárias.
Considera que tem sido feito um bom trabalho no combate ao surto pandémico?
As medidas de prevenção em Angola começaram a ser tomadas com grande antecipação, tendo em conta os desafios que imperam no sistema de saúde, com escassos recursos técnicos e humanos. As medidas governamentais foram bastante rigorosas e houve, efetivamente, um esforço de consciencialização feito junto das pessoas para terem cuidados com a higienização, evitarem aglomerados de pessoas, através dos meios de comunicação social e outros organismos públicos. Foram ainda criados vários centros de quarentena institucional, e no aeroporto as medidas de entrada e saída de pessoas eram bastante restritivas e rigorosas.
“Em Angola, a pandemia veio acentuar as desigualdades sociais. Estamos longe de ter um cenário em que todos têm as mesmas oportunidades e, aqui, as diferenças são bem vincadas”.
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Angola e o sistema nacional de saúde estão preparados para lidar com uma situação deste calibre?
Infelizmente, apesar do reforço na compra de ventiladores, importação de medicamentos e vinda de médicos de países estrangeiros para cá, acredito que o sistema de saúde não terá meios de sobreviver a esta pandemia. A palavra-chave para a sobrevivência em Angola é a prevenção, uma vez que só em Luanda vivem 10 milhões de pessoas e a maioria não tem acesso a meios de saneamento básico, pelo que a propagação seria muito fácil e rápida.
Como é que os angolanos estão a encarar a situação?
É importante contextualizar a realidade da sociedade angolana, marcada pelas grandes desigualdades. Neste sentido, a taxa de analfabetismo é alta e muitas pessoas não têm verdadeira noção do que este vírus significa e das consequências da pandemia. Relativamente àquelas que têm acesso a mais meios e maior instrução, verifica-se uma grande preocupação com o confinamento em casa, aderir ao teletrabalho e manter o distanciamento social obrigatório.
“Em Luanda, existem vários cortes de energia. Em algumas áreas residenciais que têm geradores, é mais fácil trabalhar à distância. Para outras pessoas que não têm a sorte de viver nestas zonas, o trabalho remoto é um verdadeiro desafio”.
Como é ter de sair de casa, em Luanda, em tempos de isolamento?
Saímos de casa com enorme apreensão para um cenário completamente novo e desconhecido, sem a habitual agitação. Às vezes parece que estamos num filme de ficção científica, no qual toda a gente circula na rua com máscaras, mas com o otimismo tão característico dos povos dos países africanos – habituados a viver com tantas contradições sem perder, por um minuto, a alegria.
Numa altura como esta, as saudades de Portugal apertam ainda mais?
As saudades são um status permanente. No início da pandemia, assistimos ao desenrolar dos acontecimentos como se nada nos fosse acontecer por aqui, rezando para que todos os nossos amigos e familiares não fossem afetados. Rapidamente, percebemos que este não ia ser um problema ‘só dos outros’ e, inevitavelmente, questionamos se devemos ficar ou partir.
Que lição está a aprender com o isolamento?
A humildade de percebermos que temos tanto sem dar valor a isso. Num país como Angola, em que as desigualdades sociais e económicas ficaram ainda mais acentuadas em situações como esta, é importante ter presente que devemos valorizar todas as oportunidades, todas as metas alcançadas, e todas as pessoas de quem gostamos, pois a realidade pode mudar muito rápido.