A Devoradora de Pecados é um livro de Megan Campisi, publicado pelas Edições Saída de Emergência, que parte de uma premissa que desconhecia. Segundo explicação da própria autora, existiram mulheres na Bretanha que, durante cerimónias fúnebres, comiam pedaços de pão ao lado do caixão dos defuntos. Um rito que deveria absolver quem partia dos pecados terrenos. Estas mulheres eram chamadas pela salvação dos outros, mas viviam á margem da sociedade. Pouco mais se sabe sobre elas, mas Campisi pegou neste conceito para criar este livro de estreia.
A autora inspirou-se claramente na época do reinado de Isabel I de inglaterra. Trocou os nomes às personalidades históricas, os nomes das crenças, mas manteve todo o ambiente, intriga e contexto. É neste cenário fantasioso mas não desconhecido que nos é apresentada May, uma jovem que é condenada em tribunal a tornar-se Devoradora de Pecados. May narra a história na primeira pessoa, o que nos permite conhecê-la intimamente. E como a nova função não lhe permite comunicar com outras pessoas, o leitor quase que se sente como seu confidente.
A empatia por esta protagonista é imediata. Tal como ela, o leitor também se revolta pela injustiça da pena, sofre ao tornar-se pária de uma sociedade à qual pertenceu há pouco tempo, tenta adaptar-se á nova realidade, intriga-se com as descobertas que vai fazendo. Tudo isto enquanto entra numa jornada de autoconhecimento e sobrevivência. As funções de May também a tornam numa figura marcante. É quase hipnotizante ler sobre os rituais criados nesta obra e sobre as fortes crenças a eles ligados.
A ação decorre com fluidez e tem como base uma irregularidade durante uma cerimónia com Devoradoras de Pecados. Um alimento associado a um pecado não confessado surge no caixão de um defunto, lançando a dúvida sobre o porquê de tal ter acontecido, sobre que crime está a ser escondido e quem está por trás de toda esta orquestração. Tal como May, também o leitor fica agarrado a este mistério, agarrando-se ao livro e passando páginas com avidez.
A conclusão até pode ter alguns aspetos que não surgem com surpresa, mas a grande força desta obra vai para a história original e imaginativa, para a protagonista marcante e para algumas reflexões que podem passar à nossa realidade. A forma como a História sempre tirou poder às mulheres, a crueldade como somos capazes de tratar os outros, os pequenos gestos que definem carateres, a importância de pequenos gestos de cuidado e ternura e as dimensões inesperadas que uma mentira pode alcançar são apenas alguns exemplos. Numa altura em que procurava algo diferente para ler, A Devoradora de Pecados revelou-se o livro certo.
Sinopse:
Pelo crime de roubar pão, a jovem May recebe uma sentença para a vida: deve tornar-se numa Devoradora de Pecados – uma mulher proscrita, brutalmente marcada, cujo destino é ouvir a confissão final dos moribundos, ingerir alimentos que simbolizam os seus pecados como rito funerário e assim acolher as suas transgressões para conceder às suas almas acesso ao céu.
Órfã e sem amigos, aprendiza de uma Devoradora de Pecados com quem não pode falar, May tem de trilhar o seu caminho num mundo cruel e perigoso que não compreende. Quando um coração de veado aparece na urna de um moribundo que não confessou o pecado mortal que o alimento representa, a Devoradora de Pecados recusa-se a ingeri-lo. É levada para a prisão, torturada e morta. Para vingar a sua morte, May terá de descobrir os responsáveis por uma ameaça que nas sombras põe em perigo o futuro de uma nação.