‘A arte de driblar destinos’ ganhou o Prémio Leya de 2022 e percebe-se porquê: é uma narrativa bastante tradicional, bastante bem escrita e bastante sólida. Não nos põe aos pulos de entusiasmo nem inaugura uma nova forma de contar mas tem uma escrita muito própria e muito saborosa. O seu autor, Celso Costa, é um matemático de 73 anos professor da Universidade Federal Fluminense, e a maior interrogação disto tudo é onde é que este homem andou estes anos todos sem publicar nada além de matemática.
O resumo não é fácil porque, mais do que uma história corrida, é um conjunto de histórias. Todas juntas constroem o retrato da infância do seu autor, numa pequena povoação do Paraná, no interior do Brasil. Podíamos dizer que é sobre o poder da educação, mas não é só isso, até porque a escola e a sua capacidade para ‘driblar destinos’ aparecem bastante tarde na narrativa.
Acima de tudo, o livro relata o crescimento de uma criança com uma infância marcada por memórias duras – um pai permanentemente na corda bamba, lutando entre negócios catastróficos para se sustentar a si e à família, uma mãe presa entre crianças, casa e costura, dias passados a ajudar na lavoura, na serração, na olaria, em biscates vários onde quer que fosse preciso – mas também por personagens como o coveiro, o Faquir sertanejo, a avó bipolar ou o fantasma Rodolfo casado com a solar Cleonice.
Celso Costa traz-nos um relato da vida no interior do Brasil rural nos anos 50, quando se andava a cavalo, um camião era um bem precioso, as tempestades eram míticas e pôr comida na mesa era duro.
Tudo isto é contado como se o estivessemos a ouvir da boca do autor, em vez de o ler, e aí está a maior qualidade do livro. Depois, claro, há o inescapável elogio à escola e aos professores, especialmente a propósito em Portugal onde nos últimos tempos os professores têm intensificado esforços para que o seu valor seja reconhecido. Numa cidade pequena sem escola secundária, continuar a estudar é um sonho de poucos, mas Celso não desiste: “Não conheciam a que altura imponderável eu elevava meus planos, seria difícil estudar e trabalhar em outra cidade, meus pais não tinham recursos e na verdade, desde sempre, era eu quem ajudava na casa com meus poucos ganhos. Planejava um castelo de cartas suspenso nos ares. Mas naquele momento de paz, as emoções um pouco maiscontroladas, tomando chá, eu voltava com coragem às minhas utopias.”
O final não é um ‘spoiler’ porque o título já nos avisou que vai haver destino driblado. Mas é comovente na mesma.
E o fim acaba com um princípio: o início de uma nova vida quando o seu autor vai estudar para Curitiba, com a ajuda dos seus professores – Tanko, o diretor da escola, Vardin, o professor de matemática, Loide, a professora que o inscreve na escola nova e organiza uma coleta para lhe oferecerem dinheiro que vai ajudar a pagar as despesas.
Chegamos ao fim como que reconciliados com o nosso próprio destino e com a sensação de que vivemos outra vida. Afinal, não é para isso que servem os livros?
‘A arte de driblar destinos’, Celso Costa, Prémio Leya 2022, E16,60