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Jameela Jamil é a voz que todos querem ouvir e que todos querem calar. Não é difícil chegar a esta conclusão depois de uma pesquisa na internet, e isso só dá força à sua tese: a sociedade patriarcal tem medo das mulheres que têm uma voz. “Já não podemos matar mulheres ameaçadoras, então simplesmente matamos a sua reputação e credibilidade.” E são muitas as vezes em que a sua credibilidade é posta em causa. Tudo o que diz é escrutinado e explorado até à exaustão, quer sejam os problemas de saúde ou as suas lutas – pelas pessoas com deficiência, pelo ambiente e pelo feminismo –, entre as quais se destacam o movimento de positivismo corporal e de amor próprio que acredita poder libertar as mulheres da narrativa de um patriarcado capitalista que, com a ajuda das indústrias da moda e beleza, insiste em distrair as mulheres do que é realmente importante. “É uma tática deliberada para nos distrair e nos fazer sentir que nunca temos o suficiente.”

Um olhar superficial sobre a vida de Jameela Jamil, 37 anos, pode levar-nos a fazer justamente o que a atriz condena veemente: a incapacidade de olharmos para além da imagem de uma mulher.  E, mais uma vez, a sua credibilidade é questionada: como é que uma atriz bem-sucedida de Hollywood, bonita, alta e magra, pode assumir as rédeas na luta contra a ditadura da perfeição e da celebridade? “Se somos gordas e defendemos o positivismo corporal, dizem que somos invejosas e amargas, se somos magras e falamos sobre isso, dizem que somos demasiado bonitas e demasiado magras para falar do assunto. Então, quem é que pode falar? Que forma genial de nos calarem a todas!”

Não foi assim há tanto tempo que ela própria foi publicamente humilhada pela sua aparência. Depois de alguns anos como apresentadora de televisão no Channel 4 – era professora de inglês quando foi descoberta num bar e convidada para um casting –, tornou-se a primeira mulher a apresentar um dos mais famosos programas na rádio BBC 1, The Official Chart, mas “durante seis meses a imprensa preferiu noticiar um alegado aumento de peso” em vez do feito histórico.

Até que a voz lhe doa

Jameela não só se recusa a ficar calada como chama a si o direito de não ter filtro, o que justifica em muito a atitude destemida nas redes sociais. “Tenho tendência a não ter filtro, porque é algo que sinto que está só reservado às mulheres.” No Twitter, tem travado discussões acesas – com Piers Morgan, por exemplo – e tecido julgamentos controversos, como quando chamou “gordofóbico e misógino” a Karl Lagerfeld, pouco tempo depois da morte do criador. Diz já não estar aprisionada às opiniões dos outros sobre si. “A minha vida é agora uma luz ao fundo do mais longo e escuro túnel e é por isso que sou hoje tão barulhenta e implacável, eu sei o quão escuro tudo pode ficar.” Uma clara referência ao esgotamento nervoso que sofreu com pouco mais de vinte anos e consequente tentativa de suicídio – a saúde mental (e a terapia) é uma das bandeiras que levanta tão alto como a sua voz. 

Jameela tem sido igualmente implacável com a irresponsabilidade de algumas celebridades e da indústria da beleza, a quem exige transparência. Transparência, que diz faltar, por exemplo, às Kardashian. “Podem fazer as cirurgias estéticas que quiserem, mas devem falar disso abertamente e não dizer que têm os corpos que têm porque bebem um qualquer chá ‘barriga lisa’.” E foi a favor dessa transparência que criou a plataforma digital e podcast I Weigh, onde demonstra que o verdadeiro peso da mulher na sociedade nada tem a ver com quilos e balanças.

Jameela sabe do que fala. Sofreu de anorexia na adolescência e cresceu (na sua Londres natal) numa altura em que se promovia a magreza extrema. “Cresci nos anos 90, no tempo do heroína-chique.” Estava rodeada de maus exemplos, mas outras alturas houve em que nem exemplos tinha. A falta de representatividade racial – Jameela é filha de mãe paquistanesa e pai indiano – foi do que mais contribuiu para a sua falta de autoestima. “Era a única criança sul-asiática na minha escola primária.” Foi várias vezes agredida, o que a levou a rejeitar, durante muito tempo, uma herança cultural pela qual entretanto se apaixonou. Hoje quer ser essa referência que não teve para outras mulheres e a sua voz também se faz ouvir em questões relacionadas com a inclusão racial. Em relação a Meghan Markle, escreveu no Twitter: “Caros ingleses e imprensa britânica, digam logo que a odeiam por ser negra e ao duque por ele ter casado com uma mulher negra e deem por encerrado o assunto.”

Jameela Jamil olha agora de fora para o Reino Unido, do qual é bastante crítica, quer seja para denunciar o “racismo insidioso” ou o que chama de “cultura da vergonha”. “A vergonha é quase uma medalha de honra na Grã-Bretanha. Só se respeitam os problemas e não as vitórias.” Vive na Califórnia desde 2016. A mudança estava na sua bucket list, escrita enquanto aguardava o resultado de uma biópsia a um nódulo mamário descoberto em 2015. “Disse que se fosse benigno, iria para a Califórnia.” E foi. A ideia era tornar-se guionista, mas acabou por ser selecionada num casting para a sitcom da NBC ‘The Good Place’ (disponível na Netflix), onde faz da britânico-paquistanesa Tahani Al-Jamil. Jameela não tinha qualquer experiência de representação, mas atribui o feito a todos os programas de televisão que viu durante o “longo e solitário” ano em que ficou sem andar, quando aos 17 foi gravemente atropelada.

A mulher que descobriu a sua força não hesita em mostrar a sua vulnerabilidade. Revelou ter tido pensamentos suicidas quando a acusaram de sofrer de Síndrome de Münchausen, o mesmo que dizer que tem vindo a mentir em relação a todos os problemas de saúde assumidos publicamente – tem uma perda de audição congénita, sofre da Síndrome de Ehlers Danlos, doença hereditária rara do tecido conjuntivo causada por um defeito num dos genes que controlam a produção de colagénio, e já lhe foram diagnosticados dois cancros, o último cervical, em 2019. O caso tomou tamanhas proporções, que James Blake, cantor britânico e seu namorado, saiu em defesa da atriz: “Ser atraente, alta e bem-sucedida não significa que ela não esteja doente.” A verdade é que com apenas 37 anos, a história de Jameela parece ser demasiado dura para ser verdade. “Tinha 6 a primeira vez que um homem demonstrou desejo sexual por mim, 11 a primeira vez que fui apalpada, tinha 12 e o meu uniforme escolar vestido quando, na Oxford Street, às 3H30 da tarde, um homem de quarenta anos me agarrou na vagina com tanta força que sangrou, de tal maneira que tive de nos atirar contra uma parede para ele me largar.”

Amor-próprio e educação

Ainda assim, tem uma visão otimista do mundo, o futuro passa pelo amor-próprio – “a base da humanidade”. Se gostarmos mais de nós, gostaremos mais dos outros e tomaremos melhores decisões. Não é por acaso que Jameela Jamil foi embaixadora da campanha Self Love Uprising, da The Body Shop, umas das poucas marcas com que se identifica, por fazer com que as mulheres se sintam bem na sua pele, e das poucas campanhas de beleza em que aceitou participar nos últimos anos, já que exige, como condição, que a sua imagem não seja retocada. Mas o futuro passa também por uma educação diferente, pelo fim da “masculinidade tóxica”, que tão bem descreve num ensaio chamado ‘Tell Him’, dirigido a todas a mulheres responsáveis por criar rapazes. O tom é sério mas espirituoso. “Tudo o que têm de fazer é dizer-lhe a verdade. Dizer-lhe o que nos aconteceu. Contem-lhe toda a nossa história. Como só muito recentemente pudemos lutar, protestar, implorar e passar fome por direitos humanos básicos. Digam-lhe que há muito tempo, num passado tão distante quanto se pode imaginar, os homens ficaram com medo das mulheres. As mulheres podiam criar pessoas dentro delas e podiam alimentá-las usando apenas os seus corpos. Tinham uma tolerância extrema e assustadora à dor, e eram um fator de distração e sedução para os homens. E além de tudo isto, tínhamos capacidade para aprender, caçar, manter-nos vivas, a nós e aos nossos. E temos mamas. Quem não gosta de mamas? De todos os tamanhos. São simplesmente fantásticas!” 

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