Eram 5h da tarde quando cheguei a Alfragide, aos escritórios da Your, empresa da qual Sara é fundadora e CEO. Um dia abrasador, em que o mais pequeno gesto faz-nos suar em bica, pelo que, quando me encaminharam para uma sala de reuniões bem fresca, fiquei feliz. Uns minutos depois, já Sara me recebia no seu gabinete com um efusivo abraço. Tal como a sala de reuniões, o seu gabinete era envidraçado e com muita luz natural, mas as semelhanças acabavam aí. A contrastar com a austera e impessoal sala de reuniões, ali havia cor e objetos decorativos, uma secretária grande com livros dispostos em pequenas pilhas. Ao canto, uma pequena mesa – com livros, muitos lápis, inclusive de cor, e canetas – rodeada por duas grandes cadeiras coloridas com um ar superconfortável. Foi aqui que nos sentámos e falámos quase duas horas sobre o seu percurso profissional e vida pessoal. Sara falou com entusiasmo, vê-se que é apaixonada pelo que faz, um ‘pequeno’ furacão de ideias, de inquietude, de vontade de vencer, de saber, de melhorar o que está feito.
Origens
“Nasci em Lisboa, a 29 de novembro de 1980. Tive uma infância muito feliz, apesar de ser filha única do meu pai, tenho duas irmãs mais velhas, filhas de um primeiro casamento da minha mãe, e uma prima que é como uma irmã, porque os pais dela faleceram quando era muito novinha e foi adotada pelos meus pais. Cresci numa família onde o conceito de amor era mais abrangente que os simples laços de sangue.” Os pais, ambos empresários, tiveram um grande impacto na personalidade de Sara. “Cresci com eles sempre a trabalhar. Eu e a minha irmã passávamos muito tempo com a avó Helena e o avô Ernesto que moravam em Campo de Ourique, bairro do meu coração, onde tenho um projeto de apoio domiciliário para seniores, o Grupo Hug. No entanto, a minha mãe teve de deixar a sua carreira quando eu tinha 12 anos para se dedicar a mim e à minha irmã Titi. Se hoje sou empresária e empreendedora é graças à minha família que me ensinou duas coisas: uma enorme sensibilidade para com os outros, mas também uma grande capacidade de trabalho. O trabalho faz parte da vida, é uma vocação através da qual conseguimos realizar-nos, a nós próprios e também os outros.” Já em pequena ambicionava ser líder. Quando lhe perguntavam o que gostaria de ser quando fosse grande, a resposta era “dona da Disney… tinha de ser dona de qualquer coisa (risos) e era fascinada pelo lado encantado daquele mundo, ainda hoje sou uma pessoa a quem tudo fascina. Acho que tinha e tenho uma alegria interior imensa que me faz querer aproveitar cada momento. Em criança era superdinâmica, gostava de ajudar a resolver problemas, era sempre aquela que dava o primeiro passo, para o bom e para o mau, mas arriscava”. Quando chegou a hora de escolher o curso superior, optou pela área financeira, como o seu pai. “Sou empresária, gosto de empreender, de fazer crescer, criar valor, mas sempre com um lado emocional muito forte, os projetos, os lugares, têm de me dizer algo, se assim for tudo é mais fácil para que as coisas corram como planeamos.”
Voar sozinha
Quando termina o curso superior, vai trabalhar para a multinacional KPMG, onde permanece dois anos. Ali aprendeu a trabalhar, diz, tomou contacto com o tecido empresarial português, o que começou a despertar nela a vontade de fazer as coisas à sua maneira.Aos 24 anos despede-se de um emprego estável para criar a sua empresa, a Your. No início não foi fácil, sentiu que não era muito levada a sério devido à sua juventude. “O meu pai dizia-me ‘isto tinha tudo para correr mal, uma menina de 20 e poucos anos a falar de dinheiro, de números e a criar uma empresa com um logo cor-de-rosa’… Pior era impossível, na altura nem foi coragem, foi quase um ato de loucura (risos), mas felizmente deu certo. Tive a sorte de ter o apoio do meu pai, que ainda por cima estava na área, e de ter as pessoas certas como sócios. Ter um business angel, um amigo, um familiar que acredita em nós é muito importante, mas é também essencial ter os sócios certos, porque se há alinhamento estratégico entre os sócios é meio caminho andado para o negócio ter sucesso.”
Quando fundou a Your, esta começou por ser uma empresa de contabilidade pura e dura, de processamento salarial e obrigações fiscais. Hoje em dia é um grupo que faz outsourcing de apoio à gestão, “somos uma PME [Pequena e Média Empresa] onde se consegue encontrar, num só lugar, um conjunto integrado de serviços obrigatórios, de contabilidade mas também de medicina do trabalho, de seguros e formação (Your Finance, Your Care, Your Insurance e Your People). O nosso foco é ir além do que é obrigatório. Queremos, com as nossas metodologias e ferramentas, potenciar ao máximo as capacidades dos nossos clientes e fazê-los crescer. Por isso perguntamos sempre, ‘onde precisa de ajuda?’.” Como tem uma “mente inquieta”, foi investindo noutras áreas de conhecimento, como tax advisory e incentivos, tecnologia, empreendedorismo, “tudo quanto seja para acrescentar valor e impactar, é por aí que quero avançar”. Para se ter uma ideia de como a empresa cresceu, Sara revela-nos que começou com 10 clientes e tem agora 3100. Mas para além de empresária é também empreendedora, e um dos projetos mais recentes que tem em mãos é a empresa Not Digital, onde tirou as fotografias para esta entrevista. “Na altura da pandemia, a minha irmã, que é arquiteta, pediu-me conselhos para aumentar os clientes da sua pequena gráfica. Olhei para os processos todos, percorri o processo de criação de valor, quis saber tudo, e depois fomos reunir com outras empresas. Acabámos por fazer um processo de consolidação de três empresas, que estavam com algumas dificuldades e em processos de reestruturação, a que chamámos Not Digital. Esta é uma empresa em contraciclo, e por isso é muito entusiasmante, acredito mesmo que ‘physical is the new cool’, o papel não vai acabar nunca. Sou uma otimista incurável, se ainda não deu é porque vai dar! É isto que me apaixona, este processo de criar valor, concentrar PME’s para que juntas sejam maiores, tenham mais capacidade de captar clientes não só de cá mas também a nível global, porque o nosso mindset é global. Acho mesmo que esse é o caminho, cooperação e concentração de empresas.”
Entre o caos e a calmaria
Quando lhe pergunto se a pandemia foi o período mais desafiante da sua carreira, a resposta não se fez esperar, e foi, curiosamente, negativa. Para Sara, esse momento, altamente exigente, aconteceu há cinco anos com a entrada da Your no capital da DFK Portugal, da qual é hoje membro não executivo do board. “Foi o maior desafio pois decidimos comprar uma empresa maior que a nossa. Um passo de gigante, com imenso risco mas bem sucedido. Foi a altura em que tive mais medo na vida, porque já não estava sozinha, como aos 25, já tínhamos muitas famílias a cargo. Essa foi a nossa prova de fogo, a pandemia foi mais a prova de fogo dos nossos clientes. Para mim, foi um período muito difícil na medida em que via a dor e o desespero de muitos dos nossos clientes, mas trabalhámos loucamente para termos os balancetes prontos para os incentivos que surgissem, tínhamos também de descodificar tudo o que eram novas portarias para podermos dar o melhor aconselhamento. Tivemos algumas dificuldades na gestão de tesouraria porque não estávamos elegíveis para os apoios disponíveis, já que havia alguma faturação, mas houve muito trabalho feito sem saber se receberíamos alguma coisa por isso. No final, para nós, a pandemia até significou crescimento porque houve colegas de empresas de contabilidade mais pequenas que não conseguiram reagir tão rápido, por isso acabámos por ganhar alguma cota de mercado.” Como workaholic que é, Sara confessa que trabalha tanto agora como na altura pior da pandemia. “Para mim, não há muita diferença entre dias de trabalho e dias de férias. Tenho a graça e a sorte de poder parar para pensar no caminho e estratégia, mas isso acontece porque tenho sócios que me dão espaço para o fazer. Curiosamente é quando estou fora do ambiente corporativo que mais evoluo na estratégia da empresa. Mesmo quando viajo de férias para o estrangeiro, procuro saber quais são as empresas do meu ramo que mais sucesso têm, como elas operam, e depois leio muito, é algo em que sou viciada, adoro livros de business e biografias.” Quando faço o reparo que tem muitos livros no seu gabinete, Sara ri-se, “mudámo-nos há 2 meses, ainda não está muito Sara, devia ver a minha casa, tenho paredes forradas a livros. Na minha mesa de cabeceira tenho pilhas de livros, bloco-notas, canetas e lápis para sublinhar, escrevinhar… É o que eu faço antes de dormir e logo ao acordar. Isso e rezar, sou uma pessoa crente. A minha fé é uma parte importante de mim, acredito que um bom líder tem de ter sempre em atenção o bem-estar daqueles com quem trabalha e da comunidade”. É por isso, diz, que a brasileira Luísa Trajano é a empresária que mais admira, “ela diz, por exemplo, que ao pôr a comissão de trabalhadores no board de gestão das suas empresas, isso fez com que aprendesse muito. Nós por cá ainda vivemos um pouco na soberba do líder, mas acredito numa liderança servidora, que descobre e procura o brilho de cada um”.
“Uma regra básica para crescer é continuar a aprender, a ler,
senão somos ultrapassados.”
Ajudar a comunidade
Foi também essa preocupação social que fez com que Sara decidisse criar um projeto que tivesse impacto na sociedade, a associação sem fins lucrativos Ilha da Misericórdia, que tem como propósito ajudar mulheres a reintegrarem-se no mercado de trabalho, grávidas, mães solteiras, ex-reclusas, ex-toxicodependentes, desempregadas de longa duração. “A ideia surgiu-me depois de ouvir a homilia do Papa Francisco na Páscoa de 2015, ele disse: ‘Se todos olharmos para as pessoas à nossa volta e criarmos uma ilha de misericórdia, estamos a mudar o mundo.’ É um projeto muito querido, ajudar mulheres a serem independentes, autossuficientes. O que lhes falta é essencialmente amor, um abraço, um conselho, uma direção, porque elas estão completamente perdidas, só precisam que alguém as ajude a encontrar um caminho. E o poder de sentir que podemos recomeçar é algo inacreditável, dá-nos muita força.”
Derrubar obstáculos
Olhando para trás, Sara diz que faria tudo de novo, “com todas as dores que isso me causou, porque um processo de empreendedorismo é doloroso. Mas ainda bem que o fiz aos 25 anos, quando não tinha filhos e era solteira. Tens de te dedicar a ele 24h por dia, sete dias por semana, investir numa base forte, pensada ao pormenor, num ‘strong start’, algo que acredito que tem de ser feito para qualquer projeto, porque o diabo está nos detalhes, não é o que dizem? E depois é nunca parar de aprender, fundamental, não chega fazer x anos de escola e depois entrar numa função e já está. Eu comecei cedo, e como mulher jovem, com um palmo de cara e nada convencional, tive de trabalhar muito mais para ser levada a sério. Penso muito nas jovens que começam hoje os seus negócios, nos obstáculos que por serem mulheres e jovens lhes vão colocar no caminho. É duro, mas não podemos desistir. Mesmo aquela ideia de que as mulheres são mais sensíveis, como se isso fosse uma fragilidade no mundo dos negócios, pelo contrário, é uma vantagem na liderança e no caminho do sucesso”.
O maior desafio pessoal
Mas Sara não é só trabalho, trabalho, trabalho. Além de ler, viajar muito, os seus tempos livres têm de incluir sempre retiros espirituais e peregrinações. “Estou sempre em luta com duas Saras, a Sara dinâmica e a Sara que ama o silêncio. Preciso mesmo desse silêncio, equilibra-me, porque no silêncio Deus reza em mim.” No entanto, quando se refere à sua vida pessoal, o maior desafio da sua vida, e o que mais a enche de orgulho, é a sua filha Isabel, com 11 anos, fruto de um casamento que infelizmente não foi ‘feliz para sempre’, como nas histórias de encantar. “A minha filha é a pessoa mais importante da minha vida e o meu maior desafio, é como viver com uma eu mini em casa. (risos) Não é só fisicamente igual a mim como é uma criança altamente desafiadora, muito determinada. Aquilo que mais me preocupa é a sua educação e que tenha um bom coração.”
Tenho uma pergunta engatilhada que me irrita, confesso a Sara – como conjuga a vida profissional com a familiar – e tento justificar-me dizendo que, apesar de ser uma questão machista, pois não se faz aos homens (Sara diz que se devia passar a fazer também), é algo que as mães que trabalham gostam de saber. “Eu não me sinto culpada por estar muitas horas a trabalhar, não passo as horas que queria com a Isabelinha, mas o tempo que passamos juntas é de grande qualidade e sei que ela respeita muito o que eu faço, aliás, ela diz que quando for grande quer ser como eu, por isso alguma coisa estou a fazer bem. (risos) É claro que eu tenho a sorte de poder ter várias pessoas que olham por ela quando eu não posso, é esta logística que me permite ser boa mãe e boa profissional. Sei que muitas mães não têm essa sorte, mas não se devem culpar, as crianças sabem que os pais estão a fazer o seu melhor.”
Projetos para o futuro
Para rematar uma conversa que, sem darmos por isso, já vai longa, procuro saber como se vê Sara no futuro, como se imagina, com o que sonha, que empresas liderar, que projetos empreendedores irão ocupar os seus dias. Senta-se mais direita na cadeira e olha-me nos olhos, focada mas com um sorriso, “tenho um sonho, gostava de acabar a minha vida só focada em projetos de responsabilidade social, em projetos de combate à pobreza, não deixar talentos perdidos por falta de disponibilidade financeira para estudar ou implementar uma ideia. Gostava de estar focada naqueles que mais precisam de uma mão para seguirem o seu caminho”. Alguém duvida que não será assim?