
Em casa não prega olho e depois passa o dia no emprego a lutar para manter os olhos abertos e a cabeça longe do teclado enquanto bebe café atrás de café. Chega aos fins-de-semana e já se está mesmo a ver: passa o dia inteiro na cama a recuperar o sono perdido. Este padrão de sono tem custos elevados para a saúde e já foi apelidado de somnorexia, uma síndrome cada vez mais habitual em pessoas jovens, sobretudo mulheres, com empregos stressantes.
Num estudo realizado pela DECO em 2004, 90% dos inquiridos assumiam dormir menos do que precisavam para recarregar baterias. Metade confessou que dormia mal habitualmente. O resultado das noites mal dormidas? Manhãs ‘submersas’ e falta de energia para enfrentar o dia de trabalho, claro. Três em cada quatro inquiridos referia ainda ter dores de cabeça e problemas de concentração, bem como irritabilidade e reflexos diminuídos. A sensação de poder adormecer a qualquer momento, a ver televisão, no cinema ou em reuniões de trabalho, para além de inconveniente, pode mesmo afectar a segurança quando associada à condução, por exemplo. Nos Estados Unidos estima-se que a sonolência esteja relacionada com mais de 1500 mortes por ano nas estradas. A neurologista Teresa Paiva corrobora estes números. Segundo a presidente do Instituto do Sono, ‘a maioria dos acidentes mortais na estrada devido ao sono ocorrem porque a pessoa não tem comportamentos defensivos’.
O estilo de vida é a principal causa apontada para a falta de tempo para dormir, nomeadamente o stresse associado ao trabalho. ‘São razões comportamentais, não distúrbios físicos’, diz a neurologista. Por causa dele, mesmo que tencionem ter uma noite descansada, muitas pessoas acabam a olhar para o tecto ou a contar carneiros sem conseguir entrar no reino de Morfeu. Isto acontece porque os níveis de cortisol, hormona associada ao stresse, que se elevam naturalmente durante o dia, permanecem elevados à noite, altura em que deveriam baixar para permitir um sono tranquilo. As insónias acabam por causar ainda mais stresse, e o resultado é um ciclo vicioso de onde é difícil sair.
MENOS SONO, MENOS SAÚDE
Dormir sistematicamente menos horas do que o necessário têm efeitos nefastos na saúde: ‘Baixa produtividade, falta de concentração, memória enfraquecida, mau humor, menos capacidade para tomar decisões’, assegura Teresa Paiva. Isto acontece porque uma das principais funções do sono é permitir a recuperação do córtex cerebral, que tem um papel vital na consciência.
Altos níveis de cortisol e poucas horas de sono também estão associados às doenças cardiovasculares, hipertensão, depressão e insónias. E os estudos também comprovaram uma ligação com a diabetes e a obesidade, o que parece justificar-se devido à produção nocturna de hormonas relacionadas com os níveis de açúcar no sangue e da aleptina, substância ligada à redução do apetite.
‘As pessoas têm de perceber que dormir é mais essencial do que comer. Podemos passar mais dias sem nos alimentarmos do que sem dormir. Todas as espécies dormem; há milhões de anos que é assim e perturbar esse ciclo é interferir com um mecanismo essencial ao nosso equilíbrio’, diz Teresa Paiva. Apesar disso, os danos decorrentes da falta de sono ainda são bastante subestimados, alerta a neurologista. ‘Basta ir aos centros comerciais à noite para ver crianças a pé a horas em que já deviam estar a dormir. Os pais ficam a brincar com os filhos até à uma da manhã e acham normal que elas tenham os horários dos adultos.’ Já sabe, dormir está longe de ser uma perda de tempo, ‘é essencial ao corpo, ao cérebro e ao espírito’, e mesmo que não o faça com o empenho do Zé Carioca, faça-o pela sua saúde. Sonhos cor-de-rosa!
OS MAUS HÁBITOS PORTUGUESES
Os estudos efectuados no nosso país revelam que nesta matéria há muito para mudar.
47% dos portugueses dormem mal e apenas
19% têm consciência disso.
56% sofrem de sonolência no dia-a-dia, o que afecta a sua qualidade de vida.
21% dizem que seria possível adormecerem ao volante.
75% deitam-se depois da meia-noite.