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Como é que uma estudante de medicina conquista a plateia de uma conferência de ciência para jovens (a prestigiada Science Slam de Berlim) com uma palestra de 12 minutos sobre… intestinos e a forma como fazemos cocó – que, entretanto, já leva mais de 770 mil visualizações no Youtube? Bem… com factos científicos bizarramente fascinantes e contados com muito humor. Dois anos e meio depois, eis-nos em Lisboa a falar com a autora da proeza, a alemã Giulia Enders.

Aos 25 (que parecem mais 16 ou 17, na verdade) a simpática e sorridente Giulia já se formou em Gastroenterologia pela prestigiada Universidade Goethe, onde agora conclui o doutoramento em Microbiologia Médica. Pelo meio, desafiada pelo sucesso na Science Slam, escreveu um livro sobre os intestinos que chegou ao primeiro lugar do top de vendas na Alemanha, Holanda e Dinamarca. Em Portugal, está editado pela Lua de Papel sob o título ‘A vida secreta dos Intestinos’. “Acho que o tema teve o mesmo efeito nas outras pessoas que teve em mim e essa foi a razão para o escrever”, conta Giulia.

Mas confessa que não estava preparada para tanta popularidade. “O meu maior choque foi quando o vídeo chegou às 2 mil visualizações ao fim de uma semana. Pensei ‘Oh, meu Deus! O que é que eu fiz?!’ Depois ultrapassei isso e pensei ‘OK, eu consigo lidar com isto.’ Percebi que fazia sentido dar uma nova perspetiva sobre o tema às pessoas, para que pudessem usá-la todos os dias e ficarem mais saudáveis e felizes. O feedback que recebi ainda me deu mais energia: diziam-me que o livro as tinha ajudado muito e que agora se sentiam melhor.”

Um órgão muito subestimado
O interesse pelo tema veio de uma experiência pessoal. Aos 17 anos apareceu-lhe uma ferida na perna que teimava em não sarar. “Duas semanas depois alastrou às pernas, costas, barriga”, lembra. Fez uma bateria de testes e nenhum médico lhe soube dizer, a princípio, o que se passava com ela. Então, começou a ler mais sobre medicina e percebeu que, afinal,os intestinos desempenham no organismo um papel muito mais importante e diversificado do que julgava. Descobriu uma vocação na mesma altura em que lhe diagnosticaram doença celíaca – uma elevada intolerância ao glúten que inflama as vilosidades intestinais, causando outros problemas sistémicos.

“É um órgão muito subestimado. Quando pensamos nas características que damos aos outros órgãos, dizemos que o coração é o que nos faz seguir em frente e o cérebro o que nos torna inteligentes. Mas o intestino está longe de ser só ‘aquele com que fazemos cocó’. Na verdade, tem muitas responsabilidades e puxa uns cordelinhos poderosos no que respeita ao metabolismo, ao sistema imunitário, ao nosso peso e humor. Ele faz tanto e é tão sensível ao stresse.”

Meia dúzia de factos fascinantes
Se saber é poder, Giulia está apostada em empoderar-nos desde as entranhas (literalmente).

O glúten e a lactose não são os únicos vilões. | A intolerância ao glúten está a aumentar e começamos a perceber por que é que, sobretudo a partir de uma certa idade, temos mais problemas a digerir os lacticínios. “A lactose pode ser um problema porque, à medida que envelhecemos, perdemos a capacidade de a digerir. Mas os problemas com a frutose ainda são mais comuns – se comermos demasiada podemos sentir-nos mal. E o problema não está apenas na fruta, mas sobretudo nos produtos processados a que ela é acrescentada. Acho é que não podemos banir um alimento só por medo; temos que testar se ele nos faz sentir mal. É sempre bom termos o poder de decidirmos por nós próprios, se tivermos mais conhecimento sobre os ‘comos’ e ‘porquês’.”

O problema não é tanto o que comemos de errado; é aquilo que não comemos. | “Depois de ler mais sobre flora intestinal, percebi que estamos a focar-nos nas coisas erradas”, diz Giulia. “Deixámos de comer bactérias probióticas, apesar de antigamente todas as regiões terem alimentos probióticos produzidos localmente, como os queijos ou comidas fermentadas e conservas em vinagre, como os pickles. Quando a industrialização da alimentação apareceu, isso parou.” Quando escolhemos iogurtes com probióticos no supermercado, esquecemos que alimentos com eles não faltaram aos nossos avós. “Foquem-se mais em comer alimentos prebióticos, alguns probióticos de vez em quando, ter um bom ritmo de alimentação, gostar do que comem. Se tivermos isso em conta, até podemos comer doces de vez em quando.”
Os probióticos ajudam a defender- -nos de doenças e mantêm os nossos intestinos em forma, ao cuidarem das suas vilosidades. Para além dos que encontra nos alimentos, os médicos e nutricionistas também podem recomendar-lhe alguns, mas, como cada espécie serve para uma função específica, deve informar-se primeiro se são adequados ao problema que quer resolver, aconselha Giulia. Devem ser consumidos regularmente durante cerca de 4 semanas, dentro do prazo de validade (ou os micro-organismos não sobrevivem). Assim que deixamos de os tomar, desaparecem porque não sobrevivem muito tempo nos nossos intestinos. “Por isso, o mais prático e importante no dia a dia é nutrir os probióticos que já temos com alimentos prebióticos. Bons exemplos são o alho, cebola, espargos, alho-francês, chicória, batata cozida fria ou arroz frio (podem ser incluídos numa salada)pois quando o amido arrefece, cristaliza, já não é tão bem absorvido e alimenta as bactérias probióticas.”

As bactérias mandam no nosso apetite. | “Há uma hipótese interessante – não está provada ainda –, a de que as bactérias da flora intestinal possam influenciar o apetite porque os prebióticos ‘alimentam’ diferentes bactérias da flora intestinal”, explica Giulia. “As pessoas têm quase sempre um alimento prebiótico que lhes apetece mais. É só encontrarmos o nosso prebiótico preferido e comermos quando nos apetecer. Por exemplo, no verão, consigo comer espargos todos os dias.”

Sabia que fazemos cocó da maneira errada? | A sanita é uma das maiores maravilhas da civilização, mas na verdade não é lá muito ergonómica para os nossos intestinos. Isso quer dizer que os nossos avós camponeses é que faziam da forma certa, afinal? A gastroenterologista confirma. “Temos de pensar que a sanita só foi inventada no século XIX; só desde essa altura é que nos sentamos para fazer cocó. Temos um músculo que faz uma curva dentro do nosso corpo, por isso, a posição normal e fisiológica de agachamento torna-o mais fácil. Estar de pé ou sentado são as posições naturais de trabalho. Fazer sentado favorece o aparecimento de hemorroidas porque nos obriga a fazer mais força.” Quem sofre de prisão de ventre também pode ver a tarefa dificultada. Mas calma: “Podemos continuar a usar a sanita à vontade. É só colocar um banquinho à frente para nos elevar os pés, se for mais fácil assim.” Mas se não tem dificuldades, não precisa de nada disto.

Há doenças que nunca suspeitaríamos que poderiam ter origem nos intestinos. | “Pessoas com síndrome de cólon irritável ou inflamação crónica do intestino têm um risco maior de sofrerem de depressão e ansiedade – pode ser um fator a juntar a outros, mas nunca é o único. Também verificámos, num estudo de 2013, que há uma bactéria intestinal muito prevalente em pessoas que sofrem de artrite reumatoide (cerca de 80%), bactéria essa que não encontramos tanto no resto da população. O funcionamento da tiroide também está ligado às bactérias intestinais, que por sua vez influenciam o nosso peso ou o humor – pessoas com função da tiroide diminuída têm mais probabilidade de ter depressão. E muitas doenças autoimunes, como o eczema e a asma, também são influenciadas pelos intestinos. Já encontrámos uma ligação entre um tipo de bactérias intestinais e a hipertensão – melhorar os níveis dessa bactéria na nossa flora intestinal pode ajudar a tratá-la.” Os desequilíbrios da flora intestinal também podem favorecer o aparecimento de diabetes e problemas de colesterol, segundo Enders. “Todas estas doenças têm um largo espetro de outros fatores (ambientais, genéticos, etc…) que os provocam, mas aqueles que estão ligados aos intestinos são mais fáceis de modificar que os genes.”

Porque temos náuseas ou ficamos com diarreia quando temos um exame ou uma apresentação em público? | Se isto também lhe acontece, saiba que não há nada de errado com a sua coragem. É só o seu intestino a tentar ajudá-la. “Não somos nós que somos uns fracos nem as nossas tripas a serem mariquinhas. Na verdade, estão a poupar-nos a energia que seria necessária para a digestão para empregá-la na resolução de um problema mais importante, de forma mais eficaz e simples. Essa energia pode ser precisa para corrermos mais depressa ou para estar disponível no cérebro. Por isso, uns vomitam, outros têm diarreia e outros não conseguem comer. Este é um órgão que nos é muito dedicado; faz o que for preciso para nos ajudar a resolver problemas. E olhem que vomitar não é uma coisa nada agradável para o intestino delgado! Ele costuma gostar de levar as coisas para a frente.” Afinal, Giulia tem razão: bem podemos venerar os nossos intestinos, se pensarmos em tudo o que fazem por nós.

SABIA QUE…
– Os intestinos representam mais de 2/3 do sistema imunitário
– Lá se produzem mais de 20 hormonas diferentes.
– 100 trilhões de bactérias: o número médio de habitantes da nossa flora intestinal. E os cientistas ainda não conhecem 60% das espécies, porque não sobrevivem em laboratório.
– Temos dois esfíncteres no ânus, um interior e outro exterior (o único que controlamos). Entre os dois há uma ‘câmara’ onde as fezes são testadas por células sensoriais que dizem ao cérebro se o ‘produto’ que lá chegou é sólido ou gasoso. Consoante o ambiente e situação, o cérebro decide se é uma boa altura para ir à casa de banho. Inteligente…
– O intestino grosso das mulheres trabalha mais devagar que o dos homens – ou seja, ‘vamos’ menos do que eles. “Não sabemos porquê, mas não é um factor hormonal”, diz Giulia. “Em geral, os homens comem mais, por isso os intestinos deles também são mais rápidos.”

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