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Conhecer a história da imagem fetal permite-nos compreender como um “mistério” invisível se tornou visível, ultrapassando a medicina para a esfera cultural e emocional. Das tradições mais antigas de xilogravuras renascentistas, gravuras, litografias e fotografias, o século XX acrescentou técnicas de imagem como o raio-X e a ecografia, culminando nas contemporâneas ecografias 3D/4D.
A imagem fetal foi sendo divulgada de três formas distintas: inicialmente, durante o período renascentista, o feto passou de objeto de mistério divino a objeto de investigação racional nas mãos de anatomistas. Posteriormente, passou para os livros didáticos de obstetrícia, permitindo melhorar os cuidados e condutas no parto, de forma a reduzir a mortalidade materna e fetal. Nesta fase, a descoberta do raio-x marcou o início de uma nova era, tornando visível um feto anteriormente invisível. Pela primeira vez, foi possível ver um feto no interior da mãe e, do ponto de vista obstétrico, confirmar a gravidez, avaliar a posição fetal, a pélvis materna e sua adequação ao parto. Finalmente, o feto tornou-se uma imagem pública, na fotografia de uma figura flutuante de 18 semanas na capa da revista Life em 1965, e a partir do século XXI com a entrada no ciberespaço.
O desenvolvimento da ecografia e seu subsequente uso em obstetrícia marca um período crucial na cultura visual do feto. Ao longo da sua evolução tecnológica, a ecografia foi atingindo uma capacidade cada vez maior e melhor de o visualizar com detalhe e complexidade, tornando-se num procedimento clínico recomendado durante a gravidez. Comparado a outras modalidades de imagem, é um método não invasivo, mais seguro e fácil de usar, menos dispendioso e que produz imagens em movimento que podem ser visualizadas em tempo real.
Do ponto de vista clínico, a ecografia obstétrica faz parte da vigilância pré-natal recomendada das grávidas e fornece informações relevantes sobre o feto e grávida. É realizada com o objetivo de confirmar a gravidez e o número de fetos, verificar a vitalidade e dinâmica fetal, efetuar medições fetais (para avaliar o correto ou incorreto crescimento fetal), verificar a anatomia fetal (para deteção de anomalias ou malformações fetais, avaliação de marcadores ecográficos relacionados com alterações cromossómicas). Permite, também, localizar a placenta, verificar a quantidade de líquido amniótico e, quando necessário, avaliar o comprimento do colo do útero e o compartimento vascular fetal e materno. Todos estes indicadores permitem a avaliação do bem-estar fetal, identificação de fatores de risco e correta vigilância pré-natal e preparação do parto.
Estes exames de rotina são realizados em intervalos de semanas específicos da gravidez, pois é aqui que se obtêm os resultados mais importantes ou precisos. Contudo, isso não significa que todos os problemas serão detetados ou que não surgirão outros durante a gravidez que não tenham ou não possam ser detetados nestes exames.
Existem inúmeras condicionantes para o resultado e qualidade da ecografia relacionadas quer com a qualidade do ecógrafo, experiência e competência do operador, quer com a grávida (índice de massa corporal) e o feto (posição, idade gestacional). Estes condicionantes podem influenciar não só o tempo de realização do exame como a qualidade da imagem e do resultado – daí advém as diferenças nos tempos de duração e qualidade das imagens relatados por diferentes grávidas.
A tecnologia da imagem ecográfica evoluiu de tal forma, até à estética presente, que a tornou facilmente interpretada, socialmente legível e deu início a uma nova era de exames direcionados ao feto. A experiência da ecografia estendeu-se além de um procedimento médico e assumiu um significado afetivo mais amplo. Para tal, foi fundamental a criação de equipamentos com écrans giratórios que facilitam a visualização, programas que aprimoram a imagem e impressoras integradas. O desenvolvimento subsequente da tecnologia 3D forneceu clareza crescente e imagens realistas que aumentaram, ainda mais, a iconografia da ecografia fetal, tendo a tecnologia 4D adicionado movimento à imagem.
Uma questão persistente das grávidas incide sobre a maior precisão das avaliações 3D/4D em relação às 2D, o que na avaliação da normalidade não acontece. As ecografias 2D convencionais são o padrão e fornecem a informação fundamental e imprescindível sobre a anatomia e crescimento fetal. Os exames 3D/4D não são obrigatórios nem melhores para o diagnóstico do que os 2D, exceto em situações de malformações ou mau posicionamento fetal, onde modernos softwares, incluídos em alguns aparelhos de alta qualidade, permitem trabalhar a imagem e melhor avaliar a malformação suspeita ou a estrutura mal visualizada. No geral, a ecografia 3D/4D, apesar do interesse diagnóstico relativamente baixo, tem interesse para os pais ao permitir obter uma imagem externa do bebé, especialmente do seu rosto.
A ecografia obstétrica e a imagem fetal, tornaram-se assim, não só um exame de diagnóstico, crucial e imprescindível na vigilância da gravidez, como também, uma forma de vínculo parental, especialmente no caso dos exames 3D/4D. Hoje são amplamente divulgadas na esfera pública quando, por exemplo, a imagem fetal é utilizada pelos felizes futuros pais para espalhar a notícia da sua gravidez ou revelar o género do feto em festas ou nas suas redes sociais.
Apesar do desenvolvimento e evolução da imagem do feto ser uma viagem fascinante pela cultura, ciência e medicina, tecnologia de impressão e imagem, é preciso não esquecer a necessidade de cumprir o agendamento dos exames ecográficos requisitados pelo médico e nunca descurar a vigilância e acompanhamento pré-natal.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.