– O Desinteressado
Acham que a cozinha é o Reino da Mulher, ou quando muito da Mulher a Dias, ou de outra pessoa qualquer que não eles. Moram na mesma casa há 30 anos e ainda não sabem onde está o açucareiro. A relação de máxima proximidade que têm com a cozinha é gritarem do sofá: ‘Ó Maria Teresa, traz-me aí uma cerveja".
– O Especialista
Há o especialista em bolos, que faz imensa porcaria. Quando ele sai, há chantili desde o tecto aos imans do frigorífico, quatro tigelas por lavar, a super-centrifugadora com cascas de ananás nas sete divisórias, e a bancada coberta de farinha, pão ralado e açúcar. O especialista em salgados passa o tempo entre a cozinha e o telefone, ou tem o telemóvel no bolso do avental, porque se farta de telefonar para a prima Elvira a perguntar em que parte do refogado é que entra o colorau. Em comum, os dois especialistas têm o facto de nunca incluírem no pacote de especialista a parte de lavar a loiça, arrumar a cozinha e consertar os estragos.
– O Criado
Faz tudo, mas com um ar muito deprimido. Já percebeu que dá mais trabalho refilar do que despachar serviço, e portanto despacha serviço. Geralmente é dos que têm uma mulher paranóica que não suporta um copo em cima da mesa. Geralmente também, são daqueles que saem de casa um dia para comprar cigarros e não voltam.
– O Cozinheiro
Este é a sério. Até sabe fazer Bôla, daquelas com queijo e fiambre e uma mistura que ele começa a explicar que leva alho, pimenta, carne de porco, banha, cebolinho, e a meio já toda a gente desligou com um ar muito deprimido como se ele estivesse a ensinar uma equação de terceiro grau, isto depois de ele ter assegurado que era a coisa mais simples do mundo e que tinha aprendido com a mãezinha dele antes de fazer 4 anos. Podia montar sozinho um pronto-a-comer na Lapa, mas prefere cozinhar para os amigos e ouvir os elogios como se não fosse nada com ele.
– O Aplicado
Coitado, ele bem tenta, mas na maioria das vezes quando quer fazer Frango na Púcara sai-lhe empadão de arroz, e quando tenta as almôndegas sai-lhe uma espécie de Brigadeiros de cimento. Ninguém lhe dá tempo para aprender, ele convence-se que um Homem não nasceu para aquilo e pronto, aqui temos mais um candidato ao sofá e ao ‘Maria Teresa traz-me aí uma cerveja".
– O Esporádico
Até se esforça, mas é só às vezes. Ao Sábado acorda de madrugada particularmente decidido, vai à praça com um grande cesto, e chega com um ar tão importante como se estivesse na Pré-História e chegasse à caverna a arrastar um dinossauro. A única parte da cozinha digna de um homem é o ‘barbecue’. Durante o dia faz carne assada, porco no espeto, sardinhas e camarão frito, e depois fica três meses de rastos sem sequer lavar um copo.
– O Gourmet
São os que falam do mundo macho do touro e do vinho tinto, e ainda incluem a cozinha. Acham que a verdadeira culinária pertence aos homens, e que as mulheres só sabem fazer arroz de tomate e puré de legumes para os bebés, que coitadinhos inda não se sabem queixar. São os das ervinhas e dos enchidos, dos charutos e das garrafeiras, os que assinam a revista do azeite, os que dizem que têm uma relação ‘sensual’ com a culinária, o que quer dizer que só cozinham quando lhes apetece e sempre só para eles próprios ou para um rancho de amigos homens. Mais uma vez, escusado será dizer que quem lava a loiça e arruma a cozinha é a mulher a dias.
– O Distraído
Tem uma relação quase fetichista com o frigorífico. Ficam eternidades de pé com a porta aberta a olhar lá para dentro como uma vidente para uma bola de cristal. Ninguém sabe porquê, deixam a porta do frigorífico aberta todo o tempo que passam na cozinha, mesmo que lá fiquem duas horas à espera que o arroz coza. Para eles, nunca nada leva menos de duas horas a cozer.
– O Perfeito
Nem é que queira ser moderno, mas já percebeu que as coisas funcionam melhor se de facto houver um trabalho de equipa. Até já aprendeu a fazer açorda. Geralmente, como todos os recém-convertidos, faz muito bem açorda.