Andar às voltas na cama a pensar como conseguir a promoção desejada, como despachar a lista de tarefas para o dia seguinte ou a remoer no facto de se sentir miserável no seu emprego, em vez de apreciar as carícias e as palavras sensuais que o seu companheiro lhe sopra ao ouvido, pode ser sinónimo de que a sua vida sexual e afectiva já viu melhores dias. O problema é que cada vez mais difícil desligar o ‘complicómetro laboral’ à porta de casa.
“Ou ele abrandava o ritmo de trabalho, ou eu saia de casa”
Vera* tem 29 anos e, recentemente, realizou um sonho de abrir a sua própria loja. Finalmente ia ser patroa de si própria, fazer aquilo que gostava e fugir dos horários loucos. As coisas também pareciam ir de vento em popa com o namorado, Luís*, um designer gráfico que começava a consolidar a sua carteira de clientes. “A certa altura o trabalho aumentou. Ele estava muito feliz por ter tantos projectos aliciantes entre mãos e por, finalmente, conseguir ganhar dinheiro com a profissão que escolhera. Não saia do estúdio, trabalhava das 9 ou 10 horas da manhã até à meia-noite ou mais. Ao fim de semana fazia noitadas que entravam pela madrugada dentro.” O facto do estúdio ser em casa não facilitava as coisas e até chegava a esquecer-se de jantar. Vera ficava horas à espera. “Deixámos de passar tempo juntos e o sexo também deixou de resultar. Eu abria o jogo com ele, perguntava-lhe se não lhe apetecia fazer amor. Mas ele descartava-se sempre por estar muito cansado.”
A história durou alguns meses e o sexo cada vez mais escasso. “Quando acontecia, era rápido e insonso. Mais do que tudo, sentia-me sozinha. Fartei-me e confrontei-o com um ultimato: ou ele abrandava o ritmo de trabalho, ou eu saia de casa. Estar ali ou não estar, já era indiferente.” Vera não saiu de casa. Admite que a situação não é a ideal mas sabe que o namorado está a fazer um esforço maior e diz que a relação melhorou.
Se namorar com um viciado no trabalho pode acabar com qualquer relação, ter um emprego stressante também não lhe dá grande saúde à vida amorosa. Mónica*, 27 anos, trabalha por turnos num serviço de assistência ao cliente e também admite: “Às vezes venho tão cansada do trabalho, sobretudo quando faço o horário da tarde e noite, que não apetece fazer amor.” Admite que não gosta particularmente do que faz, mas fazer amor costuma funcionar como antídoto para monotonia. Mas, o cansaço e os horários estranhos podem comprometer o desejo e a performance sexual.
O fim da aventura?
Os casos em que o stresse e a rotina acabam por minar as relações não são estranhos a Marta Crawford, psicóloga e especialista em sexologia. “Há sempre um chefe ou colega chato na vida de toda a gente, com quem não podemos ser mal-educados porque não é socialmente aceitável.” Ambos os sexos se queixam de que o stresse está a influir negativamente na relação amorosa mas, por questões biológicas, as disfunções sexuais são mais visíveis nos homens. É ingrato, mas eles são mais confrontados com a questão da boa performance no sexo: ou porque a erecção não foi conseguida, ou porque a ejaculação foi precoce.
O fenómeno ultrapassa idades mas é mais visível em casais adultos, na casa dos 30 ou 40 anos, com filhos e uma rotina de trabalho, tarefas domésticas e cuidados com a família que lhes roubam muito tempo de romance e diálogo.
Pode argumentar-se que o sexo deveria funcionar como terapia para o mesmo stresse que acaba por miná-lo. E há mesmo quem defenda que, mesmo que o desejo não seja grande, é preciso insistir e dar a oportunidade do sexo acontecer. Muitas vezes o sexo acaba por acontecer, mesmo sem vontade do parceiro menos motivado, só para não frustrar o outro. A psicóloga adverte para as desvantagens desta atitude. “É um pouco a óptica do ‘deixa andar porque depois pode ser que me entusiasme’. Por um lado, significa que ainda há esperança ou que ainda se vive a experiência do entusiasmo posterior. Mas poderá significar algum tipo de perturbação: não conseguir falar abertamente de sexualidade, ter vergonha de estar com o outro ou do seu corpo, ser mais espectador em vez de assumir um papel activo no sexo.”
Portanto, se sabe que está mesmo demasiado stressada para ir em frente com a relação sexual o ideal é abrir o jogo com franqueza: “É preciso ter capacidade de dizer ao parceiro ‘Eu não quero fazer amor, mas não quer dizer que não goste de ti; há circunstâncias que estão a dificultá-lo’. Mas, se é uma situação recorrente, é preciso perceber o que se passa.”
E os workaholics? Sentem menos desejo sexual, como no caso do namorado da Vera? “Não é bom generalizar mas, quem direcciona toda a energia para o trabalho não pode estar a 100% nas outras esferas e pode falhar mesmo nas questões sexuais.” Será por isso que muitas pessoas conscientes de que são viciadas em trabalho escolhem não se envolver seriamente? “Se calhar, já perceberam que não aguentam uma relação porque, aquilo que elas querem dar profissionalmente, não é compatível com a disponibilidade para estar com outra pessoa.”