A história de um affaire nunca é apenas a história de um affaire: é também a história de um casamento.
Desde que há casamentos que houve relações secretas. Desvantagem: quando nos acontece a nós, a antiguidade da ‘instituição’ não nos comove… Vantagem: já não estamos sozinhas e a experiência de quem passou por isso ou estudou o assunto pode ajudar-nos. Vamos lá então saber o que fazer se o mundo todo parece que desabou na nossa cabeça (ou se nos preparamos para o fazer desabar na cabeça de outra pessoa…).
Pensamos sempre num traidor como um homem. Mas a verdade é que, nos tempos que correm, as traições acontecem tanto de um lado como do outro.
Há tantos tipos de ‘casos’ como de casamentos. Os sites americanos são exaustivos na catalogação: há ‘casos’ de aborrecimento, de falta de adrenalina, de falta de comunicação, de crescimento oposto, de oportunidade, de rotina, de tudo e mais alguma coisa, com e sem açúcar, como os iogurtes. Mas tanto no caso masculino como feminino, parece haver um denominador comum: os casos acontecem quando um ou ambos os elementos do casal têm falta de atenção da parte do outro. Tão básico quanto isso.
“Tenho neste momento um relacionamento que já dura há nove meses. Sou casada há seis anos e ele há 16”, conta uma das participantes no fórum do site da ACTIVA, um dos mais concorridos e ‘sofridos’. O que começou como um flirt evoluiu para uma relação mais sólida, até que, confessa ela, “sinto que traio o meu amante quando estou com o meu marido, mas o oposto não”! A explicação já adivinharam: “O desleixo entre o casal, a falta de carinho, de respeito, de atenção…por que é que o nosso marido só repara que estamos bonitas quando um outro homem nos olha? Depois encontramos alguém que nos deixa com o ego no expoente máximo… et voilà!”
Amor ou ‘só’ sexo?
Acabaram de ler o testemunho acima? Pelo menos, é honesto. Pois não calculam a quantidade de insultos que mereceu à ‘traidora’. A nossa sociedade aceita muito mal os ‘casos’ femininos. Mas, afinal, se acontecem tanto, será porque, de facto, homens e mulheres não foram feitos para a monogamia?
“Pois não”, concorda Pedro Frazão, psicólogo de casal e psicoterapeuta. “A monogamia da espécie humana não é natural à nossa espécie, é uma construção da sociedade ocidental. Mas houve uma mudança naquilo que é esperado de um casamento: antigamente, as pessoas casavam-se para unir os interesses de determinada família. Agora a afetividade é o principal motor de uma relação.”
As relações dão para o torto porque o coração é volúvel, é isso? “Não sei se é assim. Na minha opinião, enquanto o comportamento sexual é volúvel, o amor tem caráter mais permanente.”
Ah é? Então aquela cena clássica do marido apanhado que se desculpa com ‘ai amor, não significou nada, era SÓ SEXO!’, é mesmo legítima?
“Quer por modelos culturais que interiorizámos ou por outra coisa, a sexualidade masculina é muito diferente da feminina”, nota Pedro Frazão. “É mais frequente os homens conseguirem separar bem o sexo de uma relação afetiva. As mulheres, em geral, têm de ter amor para terem sexo.” Pois pois…
Quando o casamento abre ‘brechas’
Quer seja sexual quer seja emocional quer seja as duas coisas, uma traição é uma traição. E acontece, segundo Pedro, pelas mesmas razões apontadas atrás pelo testemunho da ‘traidora’: “Nos casais que me chegam, a infidelidade surge quando a relação foi deixando cair várias coisas pelo caminho. Quando existe a infidelidade, é porque já existe uma brecha naquele casamento.”
Por vezes, um caso começa de forma ‘inocente: porque se conhece alguém na mesma situação de ‘brecha’, porque se conhece alguém no trabalho com a mesma carência, dos cafezinhos a uma relação mais profunda é um passo, e é como o outro: antes de uma mulher conseguir dizer que não é dessas, já era.
Trair dá tanto trabalho!
Pronto: sou uma traidora. E agora? Conto ou não conto ao meu marido? “Depende – afirma Pedro -, se a pessoa se sente preparada para guardar esse segredo ou se isso gera demasiada angústia. Quer mesmo partir para outra relação ou não? Foi uma coisa pontual ou mais sólida?”
Geralmente, dizem os psicólogos, se não gera demasiada angústia e se foi uma coisa pontual, não vale a pena contar. Mas nem sempre as coisas são assim tão simples.
Assim por alto, tenho quatro hipóteses: 1- mantenho-me no modo ‘traição’ em segredo; 2- acabo com o caso, mas não conto nada; 3- acabo com o caso e confesso tudo; 4- abro o jogo e saio do casamento.
Primeira hipótese: pouco prática. Já pensou na estafa que é hoje em dia manter o que quer que seja em segredo? Tudo se sabe! Aliás, um estudo da Universidade da Geórgia prova que, ao contrário da ideia tradicional de um affaire como uma aventura emocionante cheia de escapadinhas românticas e fantásticas cenas de cama, pode em vez disso ser um desgastante gerador de stresse e angústia aos envolvidos. “Se no início o segredo pode aumentar a excitação, todos os estudos provam que, se se prolongar, a própria necessidade de segredo vai degradar a qualidade da relação.”
Em resumo: dá uma trabalheira manter uma relação secreta, ou pelo menos mantê-la por muito tempo, pela simples razão de que manter segredos de qualquer espécie é sempre complicado.
Separar ou não?
Muitas pessoas se confrontam com a pergunta: ponho fim ao casamento ou fim à relação? “Um casamento não tem de ser para sempre”, afirma Pedro Frazão. “Deve assentar na igualdade e na liberdade, e as pessoas devem estar juntas enquanto existir afeto e vontade. Tal como formaram um projeto familiar, também podem desfazê-lo.”
Mas antes de partir logo para outra, medite bem se é mesmo aquilo que quer. “Achando perfeitamente legítima a ideia de separação, também acho que não existe muito hoje em dia a ideia de que manter uma relação exige cedência mútua, flexibilidade e muito trabalho.”
Confrontar um traidor
Então, e se não for eu a traidora, mas ele? Como é que se desmascara um traidor? Não se arme em detetive, aconselha o site www.infidelity.com. “Se suspeita fortemente que o seu marido anda a ter um affaire, geralmente o seu instinto está correto.” O tratamento de choque exige coragem: pergunte-lhe diretamente. Mas antes de o fazer, pergunte duas coisas a si própria: quer mesmo saber a verdade, ou vai só na esperança de ouvir uma negação? Está preparada para abandonar a relação se for preciso?
Depois, pergunte-lhe calmamente, numa ocasião em que ele não possa fugir. Ele pode sempre negar? Pois pode. Mas um casamento em que há uma suspeita de infidelidade é um casamento que, mesmo que ele não ande de facto com a Sãozinha do marketing, já não está saudável.
Pode apetecer, mas não interessa apanhar-lhe a lista das autoestradas por onde ele andou ou o extrato do multibanco ou mensagens de telemóvel: dedique-se a salvar o casamento, se é isso que quer.
E depois? Perdoamos ou não? Mais uma vez, depende: querem mesmo continuar juntos, ou não? Claro que, por muito que custe ao outro, basta que um não queira para já não haver tango nenhum para dançar…
Tudo pode ficar melhor
Casa (quase) roubada, trancas à porta? A ideia é que o casamento, se sobreviver, se torne ainda mais forte. Tem de estar preparado para reagir às adversidades da vida em vez de quebrar ao primeiro embate. E tem de ser alimentado. “Não é preciso fazer coisas muito especiais”, nota Pedro Frazão. “É, por exemplo, lembrar-se de que a pessoa gosta de chocolate e passar pelo supermercado antes de chegar a casa.”
Valorize a intimidade que se constrói com os anos de relação: “O que se ganha numa relação duradoura e estável é uma grande cumplicidade emocional.” E, acima de tudo, dar espaço ao outro para ter o seu mundo. “Há casais que acham que têm de fazer tudo em conjunto. Isto estoira com qualquer relação, porque as pessoas têm interesses diferentes e precisam de outros interlocutores. Senão, corre–se o risco de deixar de ser um casal e passar a ser uma irmandade…”
Conclusão: “As pessoas têm de saber que são responsáveis pelas escolhas que fazem, e têm de as assumir.” E não se esqueça: leve-lhe um chocolatinho de vez em quando.
** Este artigo foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico **
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