Já quase toda a gente ouviu sair-lhe uma destas afirmações da boca sem estragos de maior, mas convém prevenir. Se podemos dizer coisas agradáveis às nossas crianças, para que havemos de estragar-lhes o dia com os exemplos que se seguem?
1 És mesmo idiota. Esta é óbvia. Serve mais para aliviar quem a diz do que para corrigir o que quer que seja. Apontar uma falta nunca ajudou ninguém a melhorar. Acha mesmo que a criança vai cair em si e dizer: ‘A mãe tem razão, sou mesmo idiota, tenho de me emendar?’ Não. Irá pensar: ‘Ela tem razão, sou mesmo idiota, não há nada a fazer.’ Resultado: uma criança progressivamente mais. pois, mais idiota. Mesmo que ele tenha tirado o dia para lhe enfernizar o juízo, pense que não estão em pé de igualdade. Quem é o adulto? Há sempre uma razão por trás do mau comportamento, e sem perceber qual é ninguém consegue impedir que a coisa se repita. Por isso tente perceber o que se passa e aprenda a conversar civilizadamente em vez de deitar todo o ‘vapor’ cá para fora em forma de insultos.
2 O teu irmão é que se porta bem. Tal como no exemplo acima, não ajuda ninguém a tornar-se melhor, só causa ressentimentos entre irmãos. Além de ser injusto para o ‘irmão mau’, também e nisto nunca ninguém repara é injusto para o ‘irmão bom’. Irmãos são pessoas diferentes, com reacções diferentes, por muito que venham dos mesmos pais e tenham a mesma educação. Portanto, reconheça e aceite diferenças sem fazer comparações.
3 Não dói nada. Diz-se geralmente antes de a temida agulha da enfermeira avançar para o braço da ‘vítima’, para impedir que a ‘vítima’ fuja pela janela, se desfaça em gemidos ou atire a enfermeira à parede com um movimento bem aplicado. Pode resultar da primeira vez, enquanto a ‘vítima’ ainda confia em si, mas, se lhe doer, acabou-se. Nunca mais irá confiar. Não lhe diga que não dói quando é mentira. Explique que pode doer um bocadinho mas que passa depressa e que depois vão passear os dois e comer um gelado.
4 Não é preciso ter medo. Claro que é preciso ter medo. É preciso ter medo do escuro, medo do lobo mau, medo de ficar sem os pais, para aprendermos que podemos sobreviver e controlar as nossas emoções, mesmo que nos pareçam assustadoras. É mais fácil negar, mas isso não faz com que o medo desapareça, pelo contrário: só faz com que fique trancado no escuro com uma criança aterrorizada com vergonha do que sente e sem saber resolvê-lo. Claro que a nós um cortinado a balouçar ao vento ou um móvel que estala não nos fazem tremer, mas os mais pequenos ainda não têm capacidade para lidar com esses fantasmas. O importante é ter boa memória: lembra-se das sombras que a deixavam aterrorizada no corredor da avó? Pense que a sua criança pode ter medos idênticos. Dê-lhe colo e tente conversar. Se ela ainda não souber pôr tudo em palavras, fique-se pelo colo. Já não é pouco.
5 Se gostasses de mim, não te portavas dessa maneira. Já ouviu falar em chantagem emocional? Pois está mesmo em frente dela. Uma pessoa não pode portar-se de certa maneira para agradar aos outros, mas porque percebe que é a melhor maneira de se comportar. Isto não lhe ensina nada sobre o mundo, só faz com que ele se sinta culpado porque pensa que a felicidade da mãe depende dele.
6 A sopa não fica aí. Obrigar a comer não é só uma inutilidade: é um perigo. Enfiar comida na boca das crias é um instinto pré-histórico de que temos dificuldade em libertar-nos, mas raciocine: nenhuma criança saudável com comida para comer alguma vez morreu de fome. Não se ganha nada em forçá-lo a comer se não lhe apetecer: só uma cena de faca e alguidar e uma relação difícil com a comida. Não lhe apetece mais ao almoço? Come melhor ao jantar. Qual é o drama? Afinal, todos nós temos dias em que temos menos apetite, e as crianças passam por muitas fases naturais de oscilação de fome: há alturas em que comem tudo o que lhes passa pela frente e outras em que passam dias a depenicar. Se ele não tem fome, não o obrigue a comer e não faça comentários: tire-lhe o prato e pronto. Claro que, se não tem fome para o almoço, também não passa a tarde a comer bolachas.
7 Não tens idade para perceber. Toda a gente tem idade para perceber tudo, desde que se explique bem explicadinho. Claro que às vezes pode não ser preciso ir lá com todos os pormenores mais sádicos; uma explicação simples basta. Quando não têm as respostas de que precisam, as crianças podem sentir-se postas de lado e excluídas da família, ou podem imaginar coisas ainda mais terríveis do que a realidade, ou ter ainda mais medo de qualquer coisa demasiado terrível para se falar. Mas quem tem idade para fazer uma pergunta também tem idade para ouvir uma resposta. Que a gente não a saiba, ou não a queira dar, já é outra história muito diferente.
8 Já não gosto de ti. Porque é que temos de tornar tudo numa acusação pessoal? O que está errado é o comportamento, não a criança em si, e é isso que ela tem de perceber: que os pais vão sempre gostar dele, faça ele o que fizer. Mas que, enfim, como o resto do mundo não é mãe dele, ele tem de aprender a portar-se de maneira mais civilizada.
9 Tu cais! Frase pronunciada pelo menos 10 vezes por dia por 90% dos pais portugueses. Já é quase uma imagem de marca, como as sardinhas e o galo de Barcelos; sai-nos da boca à velocidade da luz, mesmo quando jurámos nunca mais a pronunciar. Admira como este povo, a ouvir ‘tu cais!’ desde os dois dias, chegou ao Brasil, mas se calhar as mãezinhas dos descobridores não lhes diziam isto. Ainda por cima, geralmente não funciona como um aviso, funciona como uma profecia. ‘Ó João! Tu cais!’ e trás! Se a coisa é mesmo perigosa, não o deixe fazê-la e está o assunto arrumado. Se o risco é só de cair e arranhar um joelho, deixe-o correr. É a arranhar os joelhos que se descobre o mundo. E que se descobre que às vezes temos mesmo de cair. Ah, e claro que os igualmente clássicos ‘eu bem te disse!’ ou ‘eu avisei-te’ depois do caldo entornado também não são grande ajuda. Quer dizer, se o desgraçado já está no chão, fisica ou metaforicamente falando, já não adianta bater mais, pois não?
10 Vai lá fazer a cama do teu irmão. É tão machista que nem tem explicação. E porque é que não há-de ser o irmão a fazer a cama da irmã? Se queremos contribuir para a igualdade dos sexos, temos de começar na nossa própria casa, e com coisas aparentemente tão insignificantes como esta.
11 Isso é coisa de menina. Ou: ‘Os rapazes não brincam com bonecas.’ É mais comum que os rapazes tenham brincadeiras ‘de rapaz’, mas cada vez mais se vêem rapazes a empurrar carrinhos de bonecas, por exemplo. Os rapazes têm muito a aprender com brincadeiras ‘de rapariga’, e vice-versa. Aliás, não é ilógico que lhes ralhemos quando brincam com bonecas e depois lhes exijamos que sejam excelentes pais e saibam mudar fraldas?
12 Que é que fizeste hoje? Não parece ofensiva por aí além. Pelo contrário, até soa a pai ou mãe a tentar simpaticamente fazer conversa com a sua criança depois da escola. Problema: 99% dos miúdos não respondem. Ou a pergunta é, simplesmente, demasiado vaga (por onde começar a responder?) ou então acham que os pais se estão a meter onde não são chamados e que o que eles fizeram hoje só a eles diz respeito. O que se percebe: a vida das crianças já é tão ordenada, regulada, posta e disposta por outros que não é de admirar que queiram preservar só para eles aquele bocadinho do dia que os pais não conhecem. Veja-o como um sinal de maturidade da sua criança: ela está a aprender que é uma pessoa separada de si, e isso implica perceber que lhe pode esconder coisas. Isso também implica que exerça esse direito, pelo menos até se habituar a ele. Solução: substitua a invasão por troca. Espere por uma ocasião mais descontraída e conte-lhe um bocadinho do seu dia. Vai ver como ele devolve e conta um bocadinho do dia dele.
OLHE O TOM!
Às vezes, mais do que o que se diz, é o tom com que se diz. Muitas vezes o humor pode ajudar a resolver uma situação, mas, cuidado, não confunda humor com sarcasmo. Humor é dizer qualquer coisa como: ‘Olha, parece que os teus sapatos têm corda e andam sozinhos’ e não ofende a criança. Sarcasmo é: ‘Isso, meu filho. Continua a correr assim, continua, que vais bem!’ Humor é feito com a criança, sarcasmo à custa dela, e os mais pequenos percebem isso muito bem. Escusado será dizer que não se critica uma criança em público. Geralmente, quando estamos mais cansados, as nossas frustrações vêm todas ao de cima, entre as quais as que têm a ver com as crianças. Gostávamos que elas fossem mais altas, mais giras, mais desembaraçadas, menos patetas, e tudo isso nos sai em momentos de neura. Mas é possível aprender a conhecer-se e a prever esses momentos. É possível construir um ‘sismógrafo’ particular, um detector de neuras, e accionar, quando preciso, os mecanismos de defesa: vá apanhar ar à rua, coma um bombom (só um, olhe os quilos!), tome um banho quente, telefone a uma amiga.
TRÊS COISAS QUE DEVEMOS DIZER-LHES
És tão giro, tão esperto e tão boa pessoa. aquilo a que certos psiclogoschamam ‘hipnotizarda maneira certa’: se o disser,a criança vai comeara acreditar que verdade.Ao contrrio do que se pensa,elogiar não ‘estraga’ as crianças. O que estraga elogiar sem razo (dizer-lhe que lindssima quando,enfim, no a cara da CludiaSchiffer) e não impor limites é quando preciso. Além disso, as pessoas sobrevalorizam certas coisas, como as boas notas e o visual, e ligam pouco a dotes importantes,como um bom coração ou a vontade de ajudar os outros.
Gosto muito de ti. Pode parecer lamechas e além disso pensamos que é óbvio que ele sabe que os pais gostam dele. Até pode ser,mas sempre bom ouvir.Dizemos muitas vezes que os homens não mostram os seus sentimentos e nunca dizem ‘amo-te’, mas nós também pouco o dizemos aos nossos filhos…Mesmo quando eles reviram os olhos,no fundo gostam de ouvir.
Vamos passear? De vezem quando, deixe a louça por lavar e a casa desarrumada e vá apanhar ar com a sua criança. Claro que não podemos viver no caos,mas quando morrermos não é a casa arrumada que vamos recordar com mais ternura…