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oneinchpunch

*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA de abril de 2018

Imagina a sua filha a levar uma bofetada do namorado, a ser proibida de usar uma camisola, a ser chamada de burra ou p*** porque olhou na direção de um homem, a ser pressionada para ter relações sexuais ou tirar fotos nua? Ou o seu filho a ser insultado pela namorada, obrigado a revelar as mensagens privadas, a ser agredido porque olhou para outra rapariga? Tudo isto parece impensável para nós, pais, mas de acordo com os estudos nacionais – feitos pela UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) e pela Associação Plano i –, mais de 50% dos jovens portugueses já passou por um episódio de violência durante o namoro. E estamos a falar de jovens de várias faixas etárias: o estudo realizado pela UMAR teve como universo mais de 3000 jovens com uma média de idades de 15 anos, e o conduzido pela Associação Plano i contou com a participação de 1800 jovens universitários com idade média de 23 anos.


Violência ou prova de amor?


Vários dados desconcertantes ficaram patentes nestes estudos, um deles é que para muitos destes adolescentes – 68,5% segundo a UMAR – alguns atos de violência não são vistos como tal, um facto também patente no estudo da Associação Plano i: “Há uma tendência para desvalorizar algumas manifestações de violência física, como o empurrão ou a bofetada, ou outras formas de agressão, como obrigar a dar as credenciais das redes sociais, o querer mexer no telemóvel do outro e ver as mensagens. Tudo isto não é visto como violência, é percebido como prova de amor”, conta-nos Sofia Neves, psicóloga, investigadora e presidente da Associação Plano i.
Inês*, hoje a estudar no 3.º ano da faculdade, teve de lutar muito para se libertar de um namoro tóxico de dois anos. No início tudo corria às mil maravilhas, mas aos poucos foi percebendo alguns comportamentos que a incomodavam: ele começou a querer controlar as mensagens de telemóvel, fazia comentários às roupas que ela usava (e não queria que ela usasse algumas), além de lhe ter pedido a palavra-passe das redes sociais. Depois passou a proibi-la de estar com os amigos e colegas, de participar nos seus hobbies, e Inês sentia-se cada vez mais uma marioneta nas mãos dele. Mas manteve-se em silêncio e não contava a ninguém, por vergonha. Seguiu-se então a violência física, os puxões de cabelo, os apertões nos braços e os insultos e críticas ao corpo. Escarnecia, ao vê-la chorar com os seus comentários maldosos e agressões. Quando finalmente teve forças para acabar o namoro, as promessas de mudança não se fizeram esperar, mas Inês sentia-se vazia e esgotada emocionalmente, e tudo o que ele dizia caiu em saco roto. Tinha chegado ao seu limite.

Lobo com pele de cordeiro


“Há sinais a que os jovens devem estar atentos, o problema é que no início são subtis: começam pelo controlo, pela tentativa de impedir que a sua parceira/o tenha o seu quotidiano comum e depois as situações vão escalando para situações cada vez mais graves. Ou seja, a violência começa muitas vezes por ser psicológica [culpar, insultar, criticar], depois evolui para a violência social [controlar a forma de vestir, aparecer de forma inesperada em locais públicos onde a/o parceira/o possa estar, controlar as mensagens e redes sociais], violência física [ameaças de morte, atentar contra a vida, causar ferimentos que precisam de tratamento médico] e em algumas situações, sexual também. As raparigas sofrem mais com a violência no namoro mas também a praticam sobre os rapazes. Só há um tipo, a sexual, em que há nitidamente uma grande diferença, sendo mais elas as vítimas e eles os agressores. Por exemplo, os nossos dados revelam que 7% das raparigas admitem ter comportamentos sexuais não desejados e 6% confessam ter sido forçadas a ter relações sexuais”, esclarece a investigadora. Soraia* namorava com Miguel desde o 11.º ano e, tal como Inês, em poucos meses o namoro idílico deu lugar a amuos sempre que ela ia às aulas de dança. Depois vieram as críticas e os insultos. O ambiente deteriorou-se quando ela entrou na universidade e ele não. Desdenhava o curso, criticava a roupa que vestia, enviava dezenas de mensagens por dia e se ela não respondia a uma delas insultava-a. Foi num jantar com amigos dele que Soraia percebeu que aquela relação não poderia continuar. Depois de passar a noite a criticá-la, já no carro, Miguel, embriagado, quis que ela fizesse sexo oral e quando ela se negou, agarrou-lhe nos cabelos e ela bateu com a cabeça no tablier. Soraia gritou com quantas forças tinha, não foi um grito de dor mas de raiva, um rugido, e num tom ameaçador disse-lhe que não o queria ver mais.

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Mentalidade conservadora que perdura


Apesar de estarmos em pleno século XXI, há ideias retrógradas que se mantêm na cabeça dos mais jovens. No estudo realizado pela Plano i, 11% dos estudantes universitários masculinos acreditam que a família deve ser a prioridade das mulheres e “quase 30% acham que algumas situações de violência doméstica são provocadas pelas mulheres. Um número muito elevado, o que quer dizer que há um trabalho a fazer para desconstruir as crenças que legitimam a violência”, refere Sofia Neves. Para esta investigadora, não basta a educação dos pais, tem de haver uma ação concertada com a escola, a sociedade e a comunicação social. “Os professores têm de intencionalizar uma discussão sobre estas matérias e isto a um nível precoce. Têm de falar de justiça, de igualdade de género, de cidadania, nas várias disciplinas escolares, e trabalhar as questões de autoestima, fazer com que as crianças não permitam que alguém invada a sua zona de conforto ou atente contra a sua dignidade. Se gostarmos mais de nós próprios, protegemo-nos mais e somos mais capazes de sinalizar situações de violência.”

A moda do sexting


Sexting são mensagens de texto ou imagem (foto e vídeo) com conteúdo íntimo. Consideradas muitas vezes como prova de amor, para apimentar uma relação ou somente para provocar, estas mensagens tornaram-se muito populares entre os mais jovens. O que tem isto a ver com violência no namoro? Bem, os números revelam que são as raparigas que enviam mais, mas muitas vezes não é porque querem mas porque são mais pressionadas a fazê-lo, logo ficam mais vulneráveis a serem humilhadas quando as relações dão para o torto. “É um fenómeno comum, infelizmente, e como pais temos de os alertar para as verdadeiras consequências dessas mensagens. Elas e eles têm de ter noção do que lhes pode vir a acontecer, e isso só acontece se lhes falarmos abertamente, contando histórias reais de outros jovens que viram as suas vidas devassadas e suspensas, quando se tornaram virais. Porque isto não acontece só aos outros. Os pais e professores devem dar exemplos concretos das implicações que uma foto, um vídeo pode ter. E não se pode ter medo de falar, porque entre eles falam de tudo, mesmo os mais pequenos. E temos de os deixar à vontade para virem ter com um adulto e esclarecer as suas dúvidas.”



Serão vítimas ou agressores?

Se está à espera que sejam os seus filhos a vir ter consigo para falar, é melhor sentar-se. Muito dificilmente vão tomar a iniciativa, mesmo quando não há assuntos tabu entre pais e filhos.
• Aborde o assunto só quando estiverem sozinhos e num dia em que não haja stresse.
• Não entre a matar, prefira uma abordagem subtil, ‘Então como vai o namoro com…?’ Não perca a paciência mesmo se o tom não for o mais simpático. É normal os pais preocuparem-se…
• Seja mais ouvinte que comentadora, mesmo se o que está a ouvir não lhe agradar.
• Pergunte se já presenciaram alguma relação abusiva e diga-lhes que há vários tipos de violência (psicológica, social, física e sexual).
• Dê exemplos de casos de violência que tenha lido ou visto num filme e falem abertamente sobre sexting, ciúme…
• Falem também do que é uma relação afetiva saudável, sobre respeito, direito à privacidade.
No fundo, o que queremos é que se abra uma via de comunicação entre nós e os nossos filhos ou sobrinhos, sem pruridos, vergonhas, porque é a integridade deles que pode estar em causa.

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Sinais de perigo


Estes são alguns dos sinais a que os pais (e educadores) devem estar alerta:
• Ele/ela pede desculpa pelo comportamento do namorado/a.
• Perdem o interesse pelas atividades que anteriormente tanto gostavam.
• Deixam de sair com outros amigos/familiares com quem tinham uma relação próxima.
• O namorado/a goza e critica a sua filha/o à frente de outras pessoas.
• O/A namorado/a reage bruscamente quando a sua filha/o está a falar com outra pessoa do sexo oposto.
• Quando ela/ele recebe constantemente mensagens
a querer saber onde está
e com quem está.
• Ela/ele confessa que o namorado/a tem umas atitudes agressivas por vezes.
• Ela/ele aparece com nódoas negras em qualquer parte do corpo, ou se ela/ele tenta esconder.

Onde pedir ajuda


• Através do número da APAV – 707 200 077 (10h00-13h00/14h00-17h00 – dias úteis).
• O Instituto Superior da Maia e a Faculdade de Medicina do Porto têm consultas gratuitas com profissionais especializadas que poderão ajudar tanto vítimas de violência no namoro, como testemunhas. Basta ir ao site dessas instituições e preencher o formulário próprio, escolhendo o dia e o horário mais conveniente.

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