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Um dos grandes problemas que temos hoje em dia é que muitas pessoas confundem a definição de felicidade com a emoção da alegria. Pensam que ser feliz é estar alegre ou a fazer coisas divertidas e que nos dão prazer, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ou procurar a felicidade no poder comprar ‘coisas’… O problema é que com essa definição de felicidade ninguém vai ser feliz. Ser feliz é um estado em que cabem todas as emoções, tanto as agradáveis como as desagradáveis. É um estado que tem muito mais a ver com estar em paz, estar satisfeito com a nossa vida, aceitando-a tal como ela é, entendendo que há momentos bons e momentos maus. Não tem nada a ver com o ter de se contentar com pouco, nada disso, mas também é não medir a sua felicidade por aquilo que tem ou que os outros acham que devia ter, porque o consumismo hoje em dia deixa-nos inquietos, insatisfeitos e a querer não sair da rodinha, como os ratinhos numa gaiola, num rame-rame que nos tolda a consciência.

Quando é que começa a ser um problema?
Quando nos custa ser feliz, quando não sabemos desfrutar desses pequenos momentos. Quando não conseguimos entender que todos vamos ter dias maus e ficamos presos num mau dia atrás de outro e não somos capazes de ver a saída. Chegados a esse momento, é altura de pedir ajuda.

E podemos procurar a felicidade?
Este é um dos grandes mitos que nos venderam, de que é preciso buscar a felicidade como se fosse algo que estivesse algures e tivéssemos de ir à sua procura. Não, não temos de a procurar, nem de a encontrar. A felicidade está dentro de nós e tem a ver com viver com calma, em paz e saber apreciar esses momentos do dia a dia, em que vivemos alinhados com os nossos princípios e valores, e sabemos que estamos onde devemos estar. Gosto de lembrar a frase de Santo Agostinho: “A felicidade é continuar a desejar aquilo que possuímos.”

Por que é que algumas pessoas têm vidas muito difíceis e conseguem manter algum nível de felicidade e outras, que têm tudo para serem felizes, não o são?
É uma pergunta muito interessante porque o que nos diz é que as circunstâncias externas, aquilo que nos está a acontecer não é algo que influencie muito a nossa felicidade. Segundo os estudos da autora Sonja Lyobomirsky, influencia apenas uns 10%. A felicidade tem muito mais a ver com como interpretamos a nossa vida, como é o diálogo interno que temos com nós próprios; isso faz com que pessoas que aparentemente têm tudo para ser felizes não o sejam, tem a ver com a forma como estão a interpretar as suas vidas; enquanto há outras pessoas com vidas muito mais difíceis e que têm um bem-estar emocional mais alto. Muitas vezes, para ser feliz não é necessário fazer grandes mudanças na nossa vida, o que é preciso é mudar a forma que temos de entender a vida.


A máxima ‘o dinheiro não traz felicidade’ não será um pouco enganadora?
Bem, o dinheiro e a felicidade é uma relação. Muitas pessoas pensam que vão ser mais felizes quando tiverem dinheiro. O que é que nos diz a ciência? É certo que é preciso ter um mínimo de dinheiro para atender às nossas necessidades básicas e também um pouquinho mais para saber que temos ali uma almofada caso aconteça qualquer coisa. No entanto, quando se fazem estudos com pessoas que, por exemplo, ganharam a lotaria, o que se concluiu é que 2 anos após terem ganho a lotaria o seu nível de felicidade voltou ao mesmo ponto que tinham antes; inclusivamente relatavam que agora desfrutavam muito menos de coisas da vida quotidiana, como dar um passeio, estar com amigos, do que antes de ganharem a lotaria.

Há muita gente infeliz no seu trabalho mas não podem demitir-se. O que fazer para se sentirem minimamente satisfeitas?
Vamos ser sinceros, é muito mais fácil estar feliz num trabalho de que gostamos e no qual sintamos que estamos a contribuir para a sociedade e que nos valoriza de forma positiva. Mas isto nem sempre acontece. O que podemos fazer? Há duas coisas: antes de mais, procurar algo positivo no nosso trabalho, que pode ser ‘ajuda-me a pagar a renda, a comprar comida, a cobrir todas as minhas necessidades’. Mas se aquilo que faço durante a minha jornada laboral não me satisfaz, terei de contrariar isso e procurar, fora do trabalho, coisas de que gosto: ter hobbies, atividades, e pode ser apenas ler um bom livro, estar com os amigos… Cada pessoa tem de avaliar aquilo que a satisfaz, que compensa um pouco e ajude a que o trabalho possa custar menos. Mesmo que a única coisa positiva no trabalho seja o salário no final do mês, como necessitamos dele vamos agradecer.

Silvia Álava psicóloga e autora do livro ‘Porque É Que Não Sou Feliz’. (Foto: Pablo Blazquez Dominguez)

Se aquilo que faz na jornada laboral não satisfaz, procure fora do trabalho, coisas de que goste: ter hobbies, atividades, ler um bom livro, estar com os amigos…

E na vida pessoal, quais são os grandes inimigos da felicidade?
São precisamente aquilo de que falo na segunda parte do livro. Refletir sobre as coisas que estão na nossa mão e que nos afastam da felicidade. Como, por exemplo, nós mesmos. Em muitas ocasiões, estamos conscientes de que estamos a criar filmes na nossa cabeça – há um capítulo a que chamei ‘O realizador de cinema interior’. Há pessoas que, num determinado momento das suas vidas, não só criam um filme daquilo que vai acontecer como fazem umas séries autobiográficas com várias temporadas… e às vezes nem chegam a estrear o primeiro episódio. Muitas vezes metemo-nos num labirinto de pensamentos, em que pensamos que as coisas vão correr mal, quando aquilo que acontece na realidade está muito distante dos nossos pensamentos, e sofremos inutilmente. Vamos manter os pés na terra e ser muito mais realistas. Outro inimigo da felicidade é a comparação social, que hoje em dia, com as redes sociais, é uma armadilha muito fácil. Sabemos que se queremos cumprir todos os requisitos para ser infelizes, o que temos que fazer é espiar o nosso vizinho. Entrar nessa comparação social – eu sou menos, eu tenho menos – é outra das fontes de infelicidade. Há que ter em conta que determinadas emoções nos afastam da felicidade, como a inveja e o ciúme não são boas conselheiras para conseguir ser feliz.

E os ‘amigos da felicidade’?
Na terceira parte do livro falo dos aliados da felicidade, as coisas que estão cientificamente provadas que ajudam a aumentar o nosso bem-estar emocional, como praticar a gratidão, agradecer as pequenas coisas do dia a dia; a amabilidade, fazer coisas pelos outros; ter uma boa rede de apoio, sentir que somos importantes para alguém e que, se nos acontece alguma coisa, pode estar lá para nós. Conhecer determinadas estratégias de regulação emocional, como o mindfulness, o viver aqui e agora, e deixar de antecipar tanto o que vai acontecer depois; aprender a controlar a nossa atenção e a fixar-nos nos pontos positivos da vida, praticar o autocuidado…

“Coisas que estão cientificamente provadas que ajudam a aumentar o nosso bem-estar emocional: praticar a gratidão, agradecer as pequenas coisas do dia a dia; a amabilidade, fazer coisas pelos outros; ter uma boa rede de apoio, sentir que somos importantes para alguém e que, se nos acontece alguma coisa, pode estar lá para nós.

Fala-se muito na felicidade dos adultos. Então e as crianças e adolescentes?S
abemos que os transtornos de saúde mental aumentaram muito na população infantil e adolescente. Nos adolescentes aumentou 250% em relação ao período anterior à pandemia… há que ter muito cuidado porque são uma população em risco. No entanto, há muitas coisas que podemos fazer para que se sintam melhor, por exemplo, ensinar-lhes pequenas técnicas para treinar a inteligência emocional, como “reconheço o que estou a sentir”. Essa primeira habilidade é a percepção emocional, estou consciente das minhas emoções, sei nomeá-las de forma precisa e expressá-las, e também estou consciente das emoções que o meu interlocutor está a sentir. Outra ferramenta é compreender a informação que me está a dar essa emoção – todas as emoções são boas porque me dizem que está a acontecer alguma coisa, e sei ler a informação das emoções. Outra ainda é perceber a causa e a consequência da minha emoção e também nas outras pessoas. Por último, a última habilidade da inteligência emocional será a capacidade de regulação ou gestão emocional: uma vez que entendo a emoção que estou a sentir, compreendo a informação que me está a passar e então decido o que faço com ela, ou seja, atuo de forma consciente em vez de reagir automaticamente. Tudo isto são coisas que se podem ensinar às crianças desde pequenas e por isso é tão importante dotá-las destas ferramentas e recursos para que possam ser felizes.

A que sinais de alerta devemos estar atentos?
Há que observar bem como se está a comportar o seu filho. O que diz, como o verbaliza, deixou de fazer coisas de que antes gostava? Custa-lhe muito levantar-se da cama de manhã? Ou à noite, quando se deita, custa-lhe conciliar o sono e tem muita sonolência durante o dia? O apetite sofreu grandes alterações? É muito importante ouvi-los e decidir se é o momento de pedir ajuda.


Crianças e adolescentes com fraca autoestima são infelizes?
Temos de ter cuidado porque demos muita importância à autoestima, que é importante, sem dúvida, mas é preciso trabalhar o autoconceito. A autoestima é a percepção que tenho de mim mesma, sobre as minhas capacidades. O autoconceito é ter muito claro quem sou eu, quais são os meus pontos fortes e fracos. É fundamental trabalhar isto nas crianças. Entender que há coisas em que são muito boas e outras menos boas, e que isso ajuda a ter uma autoestima mais forte e saudável. Ser muito bom na matemática e mais fraco em línguas, por exemplo. Quando dizemos que é preciso trabalhar a autoestima, o que queremos é mitigar os defeitos e potenciar as virtudes. E aqui é fundamental o trabalho dos pais porque a autoestima constrói-se através do que lhes vamos dizendo. Se for “és um desastre”, é certo que vão ter uma autoestima muito baixa. Temos de ser objetivos, o que não significa “uau, campeão maravilhoso, tudo o que fazes é estupendo”. Objetivo seria “olha que bem fizeste isto, gosto da forma como resolveste o problema”, são coisas muito concretas. Esta é a forma de conseguir que se aumente a autoestima.

Existe o ‘gene da felicidade’?
Isso não existe, pelo menos a ciência ainda não o descobriu. Há um capítulo em que escrevo sobre a genética da felicidade. Os estudos de Sonja Lyobomirsky dizem-nos que o nosso bem-estar emocional, a nossa felicidade, depende em média 50% da nossa genética, 10% das circunstâncias em que estamos e os restantes 40% daquilo que fazemos para alcançar a felicidade. Isto significa que todos temos uma grande capacidade de melhoria sobre a nossa felicidade.

Quem é religioso é mais feliz que quem é ateu ou agnóstico?
A espiritualidade está relacionada com o bem-estar emocional e a felicidade. Isso não significa que uma pessoa tenha de ser crente de uma religião, mas sim ser uma pessoa espiritual que, por exemplo, sente que a natureza pode fazer parte de si. Um dos pontos que podemos trabalhar para aumentar a felicidade é potenciar a nossa espiritualidade.

Ter esperança dá felicidade?
A esperança entendida como a ideia de que as coisas vão correr bem, que a qualquer momento podemos fazer algo para melhorar, creio que ajuda a aumentar o nosso bem-estar emocional. Podemos ligar isso ao chamado o otimismo inteligente, que não significa pensar que tudo vai ficar bem só porque sim. Mas sim, pensar que há coisas que eu posso fazer para que a situação melhore e ter um plano de execução muito claro e pô-lo em prática. Mas é necessário que ajamos nesse sentido.

O que na vida moderna nos impede de ser felizes?
Não podemos generalizar, mas antes para ter êxito na vida era necessário ter um bom trabalho, um carro e uma casa grande. Agora parece que a medida do êxito é ser feliz e colocá-lo nas redes sociais. É preciso ter cuidado com essa sensação de que temos de estar sempre a fazer coisas divertidas e mostrá-las aos outros porque está precisamente a trazer-nos uma maior infelicidade e frustração. A felicidade não deriva disso, de fazer coisas divertidas todos os dias, porque é impossível. Para alcançar o bem-estar emocional o que necessitamos é entender que na vida há tanto emoções agradáveis como desagradáveis. E que não existem emoções más, mesmo as que não gostamos de sentir (tristeza, raiva, frustração) são boas porque dão-nos informação. Evitá-las e negá-las vai fazer com que regressem na forma de um problema muito maior.

O livro da psicóloga Silvia Álava que questiona as razões de não nos sentirmos mais felizes


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