“Muita coisa correu mal nesta casa”, lê-se na primeira cena de ‘O Pelicano’, uma das obras-primas de August Strindberg. Isso é, como vamos descobrir logo a seguir, um eufemismo. Um enorme eufemismo. Dizer que muita coisa coreu mal naquela casa é quase como um dos dinossauros a descrever o meteorito.
É quase impossível enumerar tudo o que correu mal, porque essas descobertas chegam em catadupa à medida que a peça avança. Resumidamente, temos uma viúva que durante anos fez a vida negra aos dois filhos: uma jovem empurrada para um casamento que cedo se percebeu não ter nada de amor, e um filho empurrado para o alcoolismo sem o saber. Entretanto o pai morre, e os filhos descobrem uma carta que incrimina a mãe. A mãe apaixona-se pelo genro, que acaba por confessar que só casou por interesse.
Pronto, não vos vou aqui contar a história toda, só estou a avisar que, enfim, não vão a achar que vai ser uma animação. Como o próprio Strindberg alertava, ““Começamos, esta noite, com uma tragédia/ E as tragédias não são muito divertidas”.
Considerado um dos fundadores do teatro moderno, August Strindberg nasceu na Suécia em 1849, filho de um comerciante e de uma empregada e o terceiro de sete irmãos. Teve várias profissões, foi casado três vezes, teve vários filhos e escreveu muito, quase uma centena de peças, quase todas marcadas por temas autobiográficos, como os casamentos falhados ou os filhos traidos pelos pais.
Escreveu ‘O Pelicano’ aos 58 anos, para inaugurar a sua própria sala de teatro em Estocolmo, e a peça tornou-se desde então um clássico do teatro moderno.
O nome ‘O Pelicano’ refere-se a um mito antigo que dizia que a mãe pelicano dilacerava o peito com o bico para alimentar as crias com o seu próprio sangue (o que acontece de facto é que as mães pelicano enchem o bico com o máximo de peixe que conseguem, e depois pressionam o peito para melhor alimentar as crias, mas não há nenhum sacrifício de sangue). O mito é uma indireta amarga à mãe, Elise, que ao contrário da mãe pelicano se alimenta das próprias crias em vez de as alimentar.
Em boa hora o Teatro São João vai recordar-nos porque é que Strindberg é considerado um dos mestres. ‘O Pelicano’ estreia a 21 de Novembro e está em cena até dia 8 de Dezembro, com encenação de Nuno Cardoso e interpretações de Joana Carvalho, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho, Pedro Frias e Jorge Mota.
O quê – Peça ‘O Pelicano’, de August Strindberg
Onde – Teatro São João, Porto
Quando – 21 de Novembro a 8 de Dezembro