
Falar-vos de inverno profundo em plena primavera pode parecer um bocado anacrónico mas garanto-vos que vai valer a pena.
Talvez vocês já tenham ouvido falar de Tarjei Vesaas. Eu nunca tinha sequer ouvido este nome. Foi um romancista e poeta norueguês que morreu em 1970 e publicou aos 67 anos, ‘O palácio do gelo’ um desafio aos meus preconceitos. Fui ver quem ele era, olhei para a cara de um norueguês dos anos 50 com cara de norueguês dos anos 50, e perguntei a mim mesma e aos meus preconceitos, ‘Para que é que vou ler isto’.
Bem. O livro é discreto, a capa é bonita mas não ajuda, e olhem, não sei, pus-me a ler. Não vos digo que chorei muitas estalactites porque, lá está, sou um coração de gelo. Ainda não tinha lido 10 páginas e já sabia que tinha à minha frente um dos livros mais poéticos que li na vida (e olhem que li muitos).
História: não há. Pronto, vou contar a que há: nos confins do inverno norueguês, numa escola de aldeia, duas meninas de 11 anos tornam-se amigas – ou mais do que isso, mas aos 11 anos às vezes é difícil dizer e também nunca saberemos.
Siss visita Unn, a atração mantém-se, e no dia seguinte Unn vai passear para junto de um ‘palácio de gelo’, uma enorme cascata congelada, que segundo me contam é um fenómeno frequente na Noruega.
(Cuidado que a partir daqui vai haver spoilers, mas sendo que nada se passa, isto também não é dizer muito). Bem, Unn adormece dentro do ‘palácio’ e nunca mais é vista na aldeia. Siss assiste em choque às buscas pela amiga, até ao dia em que todos baixam os braços e o dia a dia tem de continuar com uma menina a menos.
E uma criança de 11 anos carrega a partir daí o peso de um luto que não sabe como fazer, e onde ninguém a ajuda. O luto é em si mesmo um longo caminho gelado e até que Siss consiga libertar-se, o peso da tristeza mina-lhe os dias.
O que se passa no livro: descrições de paisagens geladas, de pontes cobertas de neve, de uma águia, de uma criança encostada à parede de olhos fechados, de outras crianças que querem ajudá-la mas não conseguem, de um professor com boa vontade e uma tia eremita que carrega a chave da libertação.
Se depreenderam que era um livro chato, não podem estar mais enaganados. É um livro diferente de tudo o que leram até agora, e um livro que pede para ser relido, porque uma primeira leitura não é o suficiente para percebermos todas as camadas que, tal como a neve, este livro nos traz.
Dizem-me que é um ‘clássico intemporal da literatura escandinava’ e acredito que seja. Gostava de saber mais dobre Tarjei Vesaas, como é que sabia tanto sobre o sofrimento humano, o coração das raparigas, ou aquilo que o inverno faz à alma. Essa parte ainda não sei mas pode ser que algum dia alguém se lembre de fazer um documentário sobre ele. Até então, fiquem-se com este palácio de gelo.
‘O palácio de gelo’ – Tarjei Vesaas, D. Quixote, E17,70