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Armandina Fernandes tem 43 anos e há mais de meia década que ajuda as marcas e empresas a repensar, agilizar e simplificar os seus processos. A essa função chama-se “desmaterialização”. Uma palavra com peso, que define uma etapa fundamental na melhoria do trabalho e dos serviços das empresas e, por inerência, da qualidade dos serviços prestados ao público. Motivos mais do que suficientes para tentarmos saber melhor sobre esta área e sobre uma profissional que lidera processos de desmaterialização em grandes empresas, trabalhando como consultora. Nunca como agora, em plena pandemia, faz sentido repensar a forma como as empresas se organizam e no tipo de serviços que prestam aos consumidores. Será este um novo paradigma que veio para ficar? Armandina dá-nos as respostas
Em que consiste exatamente a desmaterialização de processos?
O termo desmaterialização de processos tem sido muito utilizado nas últimas décadas para apelar à simplificação de processos transformando papel em digital. Mas mais do que isso, a desmaterialização presenteia-nos com quatro pilares: otimização, uniformização, eficiência e competitividade. E cada um destes pilares requer que sejam bem trabalhados e pensados antes de se investir numa desmaterialização ou automação de processos.
E qual o seu papel neste processo?
O meu papel aqui é trabalhar em conjunto com os clientes nos quatro pilares que acima mencionei. Ou seja, antes de desmaterializar e automatizar, o cliente tem que conhecer bem os circuitos de informação, a tipologia de documentos e quais os objetivos do processo, para depois em conjunto identificar os pain points para que se possa, numa segunda fase, eliminar o desperdício e otimizar o processo. A terceira fase é pensar naquela que poderá ser a melhor solução para a transformação digital do processo e o que se pode ou não automatizar. Muitos clientes dizem que querem ser mais digitais e acham que é só digitalizar a documentação, mas temos que saber o que é que vamos fazer com essa digitalização, que dados queremos e para que queremos.
Em que área começou o seu percurso profissional? Como se viu envolvida nesta área em particular?
Eu sempre estive ligada à implementação de novos projetos e às tecnologias de informação. Comecei o meu percurso profissional num projeto pioneiro em Portugal, comércio eletrónico para pequenas e médias empresas. Em 2000/2001 estávamos na era das dot com com grande especulação em torno de empresas da internet, pelo que desafios era imensos. Foi muito gratificante ver nascer um projeto de conceito inovador em Portugal e acompanhar todo o processo desde o momento zero. . Ainda me lembro de ir a clientes e ter que procurar a linha do fax (única na altura ainda analógica que podíamos usar para ligar a internet no computador). Foi de fato muito interessante os desafios que fui tendo nesta área. E em 2015 o Tiago Borges, CEO da TBFiles, desafiou-me a abraçar o projeto da TBFiles como Head Of Sales e liderar a equipa comercial. Ele tinha acabado de adquirir um concorrente e queria ter uma equipa comercial mais forte, coesa, mais dinâmica e já com o objetivo de apostar fortemente neste segmento da transformação digital. No fundo era ter uma equipa robusta a nível comercial e técnico para dar respostas ao que o mercado pedia.
De 0 a 10 (sendo 10 o grau ideal) como classifica o nosso país a nível de desmaterialização?
Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer na desmaterialização de processos. Se pensarmos que 22% da população portuguesa não tem acesso à internet, e que somos o décimo país da Europa com pior performance em termos digitais daria uma classificação de 3. A pandemia veio impulsionar este setor havendo uma maior consciencialização, mas temos ainda problemas estruturais de base, como a infraestrutura e banda larga para o interior, como ferramentas e mudanças comportamentais para que consigamos escalar ao nível de uma Suécia ou Finlândia por exemplo. Temos primeiro que entender que o digital vem trazer eficiência e não conveniência, trás qualidade e não distanciamento. E ainda há um caminho muito longo a percorrer na descontinuação dos arquivos físicos. Ainda gostamos de imprimir, anotar e deixar em cima da secretária.
A desmaterialização tem claramente vantagens para as empresas. Pode-nos indicar algumas?
A desmaterialização traz imensas vantagens, a começar pela eficiência e acesso rápido à informação para a tomada de decisão porque a informação está muito mais estruturada. Sem falar que a desmaterialização vem promover a sustentabilidade, menos papel e empresas mais amigas do ambiente. Hoje em dia as empresas têm uma maior consciência relativamente ao ambiente e há empresas que procuram ser mais sustentáveis. O aumento da motivação dos recursos humanos é outra vantagem. Deixam de ter trabalhos repetitivos que não trazem valor acrescentado ao dia a dia deles e podem dedicar-se aquilo que é o core da empresa e aportar valor para o crescimento da mesma.
O consumidor é também afetado positivamente por este tipo de mudança? Em que sentido?
O consumidor tem também bastantes vantagens a começar pela comodidade não precisando por exemplo ir para filas de espera de bancos ou organismos públicos para tratar do seus assuntos. Quanto maior for a digitalização mais vantajoso será para a sua economia de tempo, pois pode faze-lo em qualquer hora e lugar sem necessidade de se deslocar.
Como é que a partir da desmaterialização se parte para a definição de novos produtos e serviços?
Conhecendo bem os circuitos documentais temos a informação mais estruturada e isso permite identificar também novas oportunidades de negócio. Por exemplo, nós começamos por digitalizar a documentação para os clientes que pretendiam apenas guardar os documentos digitais. Com o tempo a pergunta que se coloca é: já tenho os documentos digitalizados, mas bom era ter acesso aos dados estruturados. O que fazemos? Criamos uma ferramenta que extrai automaticamente os dados, e os robots que fazem grande parte do trabalho de extração de informação. E o que e que estamos a pensar a seguir? Ter um Business Intelligence que além de extrair, interpreta, aprenda através de orientações que são dadas. Tudo isto começa pela necessidade de ter dados.
Podemos agir também a nível de mudanças comportamentais? De que forma?
As mudanças comportamentais são as mais difíceis de mudar. A resposta que mais ouvimos é: eu sempre fiz assim, aqui na empresa sempre se fez assim, o meu negócio é diferente e esse processo não se aplica a nós… Claro que a pandemia empurrou os mais céticos para a desmaterialização porque em teletrabalho a necessidade de se ter acesso à informação tornou-se premente. Por isso é importante que haja um objetivo comum a toda a organização. Que o empresário acompanhe o mercado da transformação digital para que tome as decisões certas para o seu negócio e que os colaboradores, tomem consciência que teletrabalho exige responsabilidade e entregáveis.
Em termos de desafio, ao trabalhar com vários clientes, qual classificaria como sendo o maior desafio com que se deparou nesta área?
O maior desafio é sem dúvida a mudança. O ser humano gosta de rotinas, gosta de ter tudo controlado e visível aos olhos. O que não vejo não controlo. E o desafio é precisamente esta mudança de pensamento, é definir a desmaterialização como um pilar estratégico de toda a organização.
Sentiu-se descriminada em algum momento da sua carreira por ser mulher?
Não. Sempre trabalhei em empresas que reconheciam o meu valor. A meritocracia sempre foi o denominador comum.
Considera que os homens e as mulheres lideram da mesma forma, ou podemos falar de um estilo de liderança masculino?
Por natureza as mulheres têm características diferente dos homens o que por si só faz com que tenham uma liderança diferente porque aporta essas características consigo para o seu dia a dia. Genericamente as mulheres são mais sensíveis, ouvem mais, questionam mais, interessam-se mais pelo outro, o que faz com que seja uma liderança mais relacional, próxima e atenta. O homem é mais propenso ao risco, à autoridade, à competitividade e talvez por isso tenhamos uma preponderância masculina na liderança. Somos um país paternal, onde a figura masculina prevalece.
Como descreveria o seu dia ‘comum’ de trabalho?
Não tenho 2 dias iguais. Esta é a grande motivação. Todos os dias surgem questões, desafios de clientes que necessitam da minha intervenção, reuniões com as equipas comerciais, operacionais ou de IT. Mas começa sempre pelo mais prioritário que é envolvendo a equipa de forma a darmos uma resposta célere a propostas, assuntos em aberto, questões, dúvidas que tenham surgido.
Que conselho teria para dar a outras mulheres que se sentem pouco confiantes na hora de aceitar papéis de responsabilidade nas empresas?
O conselho que posso dar é que se alguém as escolheu para o lugar é porque acreditam na capacidade que elas têm. Por isso não sejam vocês a não acreditar. Sejam vocês próprias porque a Atitude na vida é o que nos trás a Altitude.
A pandemia mudou a forma como as empresas olham para os seus processos? E as expetativas dos consumidores?
Sem dúvida. A pandemia veio acelerar a reflexão sobre os processos e a sua transição para o Digital. Tivemos durante esta pandemia solicitações de clientes para tratar da correspondência, quando antes não queriam sequer pensar em tirar os documentos das suas empresas. E agora abrimos as cartas, digitalizamos e trabalhamos a informação para ser entregue.
Acredita que estas mudanças serão para ficar?
Não tenho a menor dúvida. Todos percebemos as mais valias do teletrabalho, do acesso à informação em qualquer lugar, da eficiência de um processo digital, da redução de custos e por isso vemos cada vez mais empresas e entidades na busca por uma transformação digital nos seus processos.