Fotos: João Lima. Styling: Patrícia Pinto

Descobri a arte de Laura através de um ‘olha lá esta conta de Instagram’ e foi paixão à primeira vista. O tema ambientalista de @_bolbo, os tons, o traço imperfeito, as frases inspiradoras, conquistaram-me. Estávamos a meio do confinamento, se calhar estava a precisar de ver coisas bonitas e inspiradoras, se calhar estávamos todos, porque foi durante este período que Laura viu aumentar os seguidores. Quisemos conhecer a mulher e a artista por detrás dos pincéis, tintas e tesouras da @_bolbo.


Opção B
Laura tem 43 anos, 3 filhos e mora perto de Torres Vedras, numa aldeia perdida no campo que a inspira todos os dias e lhe dá a calma que precisa para criar. Hoje está como quer, rodeada pelos que ama, com tempo para os ouvir e para se dedicar à sua arte, algo que durante anos ficou em lume brando. Assume-se como artista a 100%, mas nem sempre foi assim. Laura nasceu em Lisboa, em 1979, filha de pai moçambicano e mãe com raízes na zona Oeste, curiosamente na zona onde hoje reside. “Cresci numa casa feliz, a minha mãe trabalhava em casa, a tomar conta dos filhos, o meu pai é pintor e escultor de formação e foi professor de História da Arte. Lembro-me de ir ao ateliê do meu pai roubar-lhe materiais para experimentar, íamos muito a exposições e quando viajámos os museus eram paragem obrigatória.” Mas apesar de crescer rodeada de arte e de aos 18 anos ter feito a sua primeira exposição de pintura a aguarela, chegou a altura de escolher um curso e foi para… Psicologia. “Os meus pais não queriam que eu fosse para Artes. Naquela altura, os artistas eram vistos como bon vivants, fantasiosos, e embora esta descrição não correspondesse à realidade que eu conhecia, porque o meu pai não era nada assim, senti-me obrigada a seguir outro caminho. No segundo ano do curso estive quase a desistir, porque tanto colegas como professores viam que o que me movia era a Arte, mas concluí o curso porque escolhi a área de desporto, algo de que também gostava muito até porque cheguei a ser atleta do Sporting.”


Período de viragem
Apesar de ter tentado trabalhar em Psicologia do Desporto, havia pouca oferta e Laura resolveu fazer algo diferente, mais ligado ao marketing e comunicação de empresas. Como tinha jeito para desenhar, era sempre a ela que pediam para fazer o design dos projetos, e voltou a criar. “Eu bem tentava fugir à arte, mas ela veio sempre ter comigo.”
Tinha 23 anos quando conheceu o marido e 26 quando teve a primeira filha, Inês, hoje com 16. Como o marido e ela tinham o sonho de viver no campo, foram para uma casa perto do sítio onde moram hoje, mas as viagens longas e constantes para Lisboa tornavam o seu quotidiano numa correria muito cansativa. A casa era pequena e fria e no ano em que Inês nasceu até nevou em Torres Vedras, “cheguei a enfiá-la dentro da minha camisola por causa do frio e da humidade. Foi terrível! Entretanto, o trabalho continuava em Lisboa e cheguei a pedir à minha mãe para ficar com a bebé enquanto eu ia trabalhar, mas senti-me muito mal porque não estava a conseguir um equilíbrio entre o meu lado profissional e o ser mãe. Decidimos voltar à cidade. Agora morávamos mais perto do trabalho e eu ia de comboio para Lisboa, só que tinha de levar também a minha filha à creche. Apesar das distâncias serem mais curtas, a correria continuava, era o desespero para sair às 18h, apanhar o comboio e chegar à escola antes de fechar. Era de partir o coração vê-la triste, porque muitas vezes era a última e já estava muito escuro. É o que acontece a tanta gente, não mata mas mói”. Entretanto Laura volta a engravidar e tem a segunda filha, a Rita, hoje com 11 anos. Era feliz, tinha um trabalho, ou melhor, às vezes tinha 2 ou 3 ao mesmo tempo, duas filhas lindas, só que o cansaço começou a acumular-se e “comecei a ter sinais de burn out. O meu estilo de vida estava a pôr-me doente. Fui parar ao Santa Maria com sinais de exaustão física e mental, mas melhorei depois, só que entretanto fiquei com mononucleose, o que me debilitou mais. Começou com uma dor de garganta que não passava, mesmo depois de vários antibióticos, e só quando já não conseguia falar e estava com dificuldades respiratórias é que decidiram fazer mais análises e descobriram o que eu tinha”. Este período, em que foi obrigada a parar, fê-la tomar uma decisão. “Aos 30 anos dei o meu grito do Ipiranga e deixei de fugir de mim. Literalmente parei e pensei ‘quem é a Laura? O que fazia a Laura feliz em criança e agora?’ E via-me sempre a desenhar, pintar… Estava na altura de assumir esse lado a 100% para ser feliz.”

“Tive de parar e pensar ‘quem é a Laura? O que me fazia feliz em criança e agora?’ E via-me sempre a pintar. Estava na altura de me dedicar 100% à arte!”

Regresso ao campo II
Há 9 anos, Laura e o marido decidiram voltar ao campo. Disseram adeus a Sintra e olá de novo a Torres Vedras. Para dar às filhas alguma estabilidade neste processo de transição, Laura continuou a levá-las para a escola em Lisboa, mas começou a ver o cansaço a acumular-se também na filha Inês, “levantava-se muito cedo e não tinha tempo para os tpc. Andava exausta”. Por esta altura, já tentava arranjar emprego na zona onde vivia ou trabalhar mais a partir de casa, mas sem sucesso. “Algum tempo depois, engravidei e perdi o bebé. Comecei então a negociar com a minha empresa para ficar mais tempo em teletrabalho mas não foi possível e decidi que me vinha embora. Foi a única empresa de onde não saí a bem. Já não aguentava mais e ainda por cima estava grávida novamente. Estar desempregada foi assustador, era menos um ordenado ao fim do mês, dois filhos e um terceiro a caminho, mas tinha o apoio total do meu marido.”
Quando se preparava para ter uma gravidez mais calma, começou a ter dores fortes no cotovelo. Foi a cinco médicos e um ainda chegou a dizer-lhe que era melhor abortar porque de outro modo não poderia tomar os medicamentos para tratar a bursite. Laura recusou e procurou outra forma de aliviar a dor. Optou pela osteopatia e começou a sentir-se melhor, só que após uma das sessões teve um descolamento parcial da placenta que a obrigou a repouso total até ao dia do parto.

O bebé milagre
O dia em que o seu terceiro filho nasceu foi ao mesmo tempo muito feliz e traumático. Laura emociona-se ao relembrar o que se passou. “Comecei a ter contrações muito fortes que foram piorando à medida que o tempo passava. Como a equipa médica que me acompanhava estava no Hospital Amadora-Sintra, quase voámos na autoestrada até lá chegar. Sabia o que eram dores de parto mas aquelas eram muito piores. Cheguei ao hospital às 2h da manhã, estava tudo em silêncio, só se ouviam os meus gritos de dor. O pessoal médico pensou que estava a exagerar, mas no momento da expulsão perceberam que tinha um descolamento total da placenta. O Pedro quando nasce estava… morto, não respirava. Só percebi que qualquer coisa estava mal quando o meu marido, com um ar muito sério, e com a equipa médica ao seu lado, diz ‘o que interessa é que estás bem’. Tentei ver o meu bebé, e o que vi ainda hoje não consigo tirar da cabeça. Eu simplesmente recusei aquela realidade, tinha perdido um bebé antes, o emprego, tinha aguentado as dores horríveis da bursite, não podia agora perder o meu bebé. Lembro-me de ter dado um grito de raiva e revolta, e de repente o bebé fez um grunhido… hoje, é um bebé saudável. Quando fez 18 meses, fui à consulta de neonatologia e o meu pai, que é uma pessoa crente, quis ir comigo. O médico vira-se para nós e pergunta: ‘Acreditam em milagres? O seu filho é um milagre, a medicina não sabe o que aconteceu!’”

“A natureza é muito inspiradora, as pequenas vitórias, a sustentabilidade. Temos de pensar que planeta deixamos aos nossos filhos.”

Nascimento da Bolbo
Com os filhos na escola perto de casa, Laura ficou com tempo para dar asas à imaginação e assim nasceu a marca de ilustração, Bolbo. “Inspirei-me no que via à minha volta, na alegria das pequenas coisas, na Natureza. A Bolbo representa isso mesmo, é um órgão vegetal, redondinho, não pica, e dele nascem coisas boas, positivas.” A marca registada nasceu há cerca de  4 anos, mas publicou a primeira ilustração no Instagram há pouco mais de 3 anos e teve um sucesso inesperado, diz. Seguiram-se outros, e em novembro de 2019 resolve oficializar a página. Desde aí tem sido em crescendo, com os pedidos para projetos que não param de cair na sua mesa. Pedidos para ilustrar com o seu traço, o que a enche de orgulho. “Faço art prints, ilustrações originais em recorte e colagem e a receptividade tem sido muito boa.” Quando começou o confinamento, como não podia enviar trabalhos pelos CTT, procurou uma outra forma de criar e inspirar as pessoas, ajudando-as a ter alguma esperança neste período conturbado. Criou o hashtag #rootforgood, para o qual Laura pega em frases, histórias, testemunhos de pessoas de influência e amigos e cria uma ilustração. Os seguidores multiplicaram-se e a ACTIVA foi ao seu encontro, inspirando-se na sua alegria. “Sou uma otimista pragmática, quando há um problema mantenho uma atitude positiva e procuro sempre uma solução. Já passei por algumas fases menos boas na vida, não sei o que o futuro me reserva, mas se houver uma luz ao fundo do túnel há que lutar sempre com o coração. E é isso que eu também quero que as pessoas sintam quando olham para a minha arte: esperança.”

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

O IRS trocado por miúdas

O IRS trocado por miúdas

Ratos velhos, sistema imunológico novinho em folha. Investigadores descobrem como usar anticorpos para rejuvenescer resposta imunitária

Ratos velhos, sistema imunológico novinho em folha. Investigadores descobrem como usar anticorpos para rejuvenescer resposta imunitária

João Rôlo: “Gosto de fantasiar com a  minha roupa, mas não com a minha vida”

João Rôlo: “Gosto de fantasiar com a  minha roupa, mas não com a minha vida”

EDP Renováveis conclui venda de projeto eólico no Canadá

EDP Renováveis conclui venda de projeto eólico no Canadá

IRS, o que todos querem saber: vou receber menos ou mais?

IRS, o que todos querem saber: vou receber menos ou mais?

Frederico Pedreira:

Frederico Pedreira: "Há certas coisas ditas de maneira especial que só poderão ser compreendidas através de uma surdez (ou cegueira) igualmente especial"

Energia para Mudar: Açores a caminho da independência energética

Energia para Mudar: Açores a caminho da independência energética

Tesla continua a dominar vendas de elétricos em Portugal

Tesla continua a dominar vendas de elétricos em Portugal

Exame 480 - Maio de 2024

Exame 480 - Maio de 2024

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Milan Design Week: conheça 12 das principais novidades

Milan Design Week: conheça 12 das principais novidades

Formula E mostra Gen3 Evo: 0 aos 100 km/h em menos de dois segundos

Formula E mostra Gen3 Evo: 0 aos 100 km/h em menos de dois segundos

Vencedores do passatempo ‘A Grande Viagem 2: Entrega Especial’

Vencedores do passatempo ‘A Grande Viagem 2: Entrega Especial’

Na região da Comporta, um refúgio sedutor e feliz

Na região da Comporta, um refúgio sedutor e feliz

Amiga de William e Kate diz que casal vive período

Amiga de William e Kate diz que casal vive período "infernal"

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

O que muda nas transferências bancárias já a partir de dia 20 e ao longo dos próximos meses

O que muda nas transferências bancárias já a partir de dia 20 e ao longo dos próximos meses

Filho de Idevor Mendonça tem dois nomes

Filho de Idevor Mendonça tem dois nomes

Regantes de Campilhas querem reforçar abastecimento de água e modernizar bloco de rega

Regantes de Campilhas querem reforçar abastecimento de água e modernizar bloco de rega

A FeLiCidade faz-se ao som de música, cinema e literatura no CCB

A FeLiCidade faz-se ao som de música, cinema e literatura no CCB

Portugal na Feira do Livros de Buenos Aires

Portugal na Feira do Livros de Buenos Aires

Porque é que o exercício físico faz tão bem à saúde? Cientistas estão a encontrar respostas nas nossas células

Porque é que o exercício físico faz tão bem à saúde? Cientistas estão a encontrar respostas nas nossas células

Google proíbe anúncios de serviços que permitem criar deepfakes pornográficas

Google proíbe anúncios de serviços que permitem criar deepfakes pornográficas

O Porto já tem um Time Out Market. Saiba o que lá vai encontrar

O Porto já tem um Time Out Market. Saiba o que lá vai encontrar

Serenella Andrade: “Brincava na rua com os netos do Marcello Caetano”

Serenella Andrade: “Brincava na rua com os netos do Marcello Caetano”

Ténis retro: 21 modelos revivalistas para usar já

Ténis retro: 21 modelos revivalistas para usar já

A meio caminho entre o brioche e o folhado, assim são os protagonistas da Chez Croissant

A meio caminho entre o brioche e o folhado, assim são os protagonistas da Chez Croissant

Passatempo: ganha convites duplos para 'IF - Amigos Imaginários'

Passatempo: ganha convites duplos para 'IF - Amigos Imaginários'

Interface cerebral não invasiva ajuda a controlar objetos virtuais com a mente

Interface cerebral não invasiva ajuda a controlar objetos virtuais com a mente

25 exposições para ver em maio, em Lisboa e no Porto

25 exposições para ver em maio, em Lisboa e no Porto

Em “Senhora do Mar”: Abel quase apanha Maria e Pedro a fazerem amor

Em “Senhora do Mar”: Abel quase apanha Maria e Pedro a fazerem amor

XB-1: Avião supersónico já tem 'luz verde' para quebrar a barreira do som

XB-1: Avião supersónico já tem 'luz verde' para quebrar a barreira do som

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Zendaya surpreende com visual ousado

Zendaya surpreende com visual ousado

“Big Brother”: Catarina Miranda consola Daniela Ventura e recebe nomeação direta

“Big Brother”: Catarina Miranda consola Daniela Ventura e recebe nomeação direta

MAI apela à limpeza dos terrenos rurais

MAI apela à limpeza dos terrenos rurais

Exame Informática TV nº 859: Veja dois portáteis 'loucos' e dois carros elétricos em ação

Exame Informática TV nº 859: Veja dois portáteis 'loucos' e dois carros elétricos em ação

Lisboa é a convidada de honra da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires

Lisboa é a convidada de honra da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Caras conhecidas atentas a tendências

Caras conhecidas atentas a tendências

Júlia Pinheiro defende: “Sustenta-te a ti própria e terás liberdade de escolha”

Júlia Pinheiro defende: “Sustenta-te a ti própria e terás liberdade de escolha”

Cor de laranja na sala, vitalidade e energia em casa

Cor de laranja na sala, vitalidade e energia em casa

Clausura de luxo no novo Lince Santa Clara Historic Hotel

Clausura de luxo no novo Lince Santa Clara Historic Hotel

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites