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“A primeira vez que tive um ataque de ansiedade tinha o meu filho poucas semanas de vida. Estava sozinha em casa e ele só chorava. Lembro-me de tremer muito mas sem conseguir mexer-me e estar a transpirar imenso. O meu coração batia desalmadamente e o choro era um som muito abafado ao longe. Só pensava em como era a pior mãe do mundo, um zero à esquerda. Isto aconteceu 3 ou 4 vezes e só depois é que contei ao meu marido, que me aconselhou a consultar um psiquiatra. Fiquei muito ofendida, foi como se ele me tivesse chamado maluca, mas procurei ajuda”, recorda Anabela Oliveira, 42 anos.
Quinze anos antes, Anabela teve um episódio muito semelhante, na viagem de finalistas da faculdade. A seguir a uma época intensa de exames, Anabela e mais 5 amigas foram de avião para Itália, para aquilo que esperava ser uma viagem memorável, cheia de diversão. Memorável foi, mas a diversão ficou no avião.
Logo no dia em que chegaram, as amigas quiseram ir explorar a zona à volta do alojamento, mas Anabela desculpou-se e ficou no quarto. Quando as colegas regressaram, encontraram-na a um canto, a transpirar imenso e a queixar-se do coração. Levaram-na logo ao hospital e vieram de lá com um diagnóstico de cansaço extremo e com uma recomendação para dormir. Anabela assim o fez mas o resto das férias não tiveram o mesmo sabor, só pensava que poderia acontecer outra vez.
Depois desse episódio em terras transalpinas nada mais aconteceu, mas quando Anabela olha ainda mais para trás, recorda alguns sinais de ansiedade ainda durante a adolescência, como “a mania de ficar à espera dos meus pais à janela até muito depois da meia noite porque eles trabalhavam por turnos. Quando se atrasavam, pensava que podiam ter tido um acidente, que estavam no hospital ou que se tinham fartado da gritaria entre o meu irmão e eu e nos tinham abandonado. A minha imaginação era pior que uma telenovela mexicana e não conseguia controlar esta espiral de pensamentos catastróficos”. Só depois de ter o bebé é que voltou novamente àquela sensação de perigo iminente, de pânico, o medo de o deixar cair, de não o alimentar como deve ser, de ele se engasgar, de deixar de respirar a qualquer momento. “Cheguei a acordar várias vezes durante a noite para ver se estava a respirar. Achava que todos os males do mundo podiam acontecer.
Não saía com o bebé de carro com medo de ter um acidente, não ia passear de carrinho porque podia começar a chover e depois ele ia ficar doente. Pouco ou nada dormia e isso aumentava exponencialmente as minhas preocupações. e lá vinham os ataques de pânico.” Foi ao médico e pediu para não ser medicada. Saiu de lá com um diagnóstico de distúrbio de ansiedade e quatro anos depois a vozinha interior ainda persiste só que num tom que Anabela põe na ordem.
CELEBRIDADES QUE SOFREM DE ANSIEDADE
O QUE É A ANSIEDADE
“É uma emoção caracterizada por um estado psíquico de apreensão e desconforto interior, muitas vezes acompanhado por comportamentos físicos, tais como aperto no tórax, taquicardia, sudorese, entre outros. É importante distinguir ansiedade de medo, pois enquanto medo é a resposta a uma ameaça real e imediata, a ansiedade tem mais a ver com a expetativa de uma ameaça futura”, diz-nos Tiago Reis Marques, médico psiquiatra e professor universitário na Faculdade de Medicina no Imperial College em Londres. Esta só nos deve começar a preocupar quando começa a interferir no nosso funcionamento social, pessoal e profissional ou quando os sintomas são tão frequentes ou intensos que causam um desconforto difícil de tolerar.
A EPIDEMIA DOS TEMPOS MODERNOS
Basta estar 10-15 minutos numa farmácia para nos apercebermos que os medicamentos ditos calmantes têm muita saída. No final de 2021, a Ordem dos Psicólogos portugueses, alertava para o facto de Portugal ser o 5.º país da OCDE com o consumo mais elevado de ansiolíticos e antidepressivos. Uma pandemia, crises económicas sucessivas, os salários baixos e o aumento do custo de vida vieram agravar uma situação que já era preocupante.
“A existência de alterações rápidas na sociedade, com o surgimento de problemas até há pouco tempo quase inexistentes, assim como o receio do futuro, quer seja quanto à segurança financeira ou à segurança física, veio trazer stresse crónico que tem vindo a contribuir para um aumento destes distúrbios de ansiedade”, reforça o médico psiquiatra Tiago Reis Marques.
QUEM É MAIS AFETADO
Em questão de género, as mulheres são muito mais afetadas por distúrbios de ansiedade, numa proporção de 2 mulheres para um homem. Apesar das primeiras manifestações de ansiedade poderem surgir ainda durante a adolescência ou início da vida adulta, o pico é mesmo na meia-idade, com tendência a decrescer com o envelhecimento (haja alguma vantagem em ficarmos mais velhos!). Há também casos de crianças que sofrem de ansiedade, será que podemos pensar que elas se vão tornar adultos ansiosos? “As crianças são ansiosas por natureza e procuram tranquilização constante, mas não se pode extrapolar que uma criança ansiosa se vai tornar um adulto ansioso.” No entanto, fique atenta à existência de tiques, alterações de sono e hipervigilância.
O QUE SE HÁ DE FAZER?
Primeiro que tudo, não encolher os ombros e resignar-se pois há forma de controlar esta doença mental. Atualmente, sabe-se que “quem tem um distúrbio de ansiedade, como uma perturbação de pânico ou um episódio de ansiedade generalizada corre maior risco de vir a ter outros episódios futuros, mas embora tenha muito a ver com a personalidade do doente, a sua forma de ver e reagir ao mundo, isso não quer dizer que vá acontecer. O que é preciso é cuidar da saúde mental como se cuida da saúde física”, recomenda o psiquiatra, que assegura que o primeiro passo para o tratamento não deve passar por medicamentos e sim por coisas tão simples como a regularização do sono (a privação do sono aumenta a ansiedade) e a prática de exercício físico, “que tem resultados concretos e com alguma rapidez desde que a sua prática seja regular e feita de forma apropriada”.
A meditação é outra medida que tem tido ótimos resultados, “com o acompanhamento de um profissional, pois a utilização de apps, embora tenha trazido a meditação para o nosso dia a dia, pode não ser bem feita sem supervisão”. Se a ansiedade diagnosticada tiver já alguma gravidade, aconselha-se a “psicoterapia cognitivo-comportamental, embora hoje em dia o mindfulness esteja em grande expansão e com ótimos resultados”. Só depois de todos estes métodos falharem é que se recorre à medicação e, segundo Tiago Reis Marques, existem hoje em dia várias terapias farmacológicas eficazes para cada um dos diferentes distúrbios de ansiedade. Enquanto há vida, há esperança!
IDENTIFIQUE OS SINAIS
Os sintomas da ansiedade variam muito, e não ocorrem todos ao mesmo tempo, mas podem resumir-se a estes:
FÍSICOS
. taquicardia e palpitações
. tremores (mãos, pés)
. transpiração excessiva
. boca seca
. tensão abdominal
. vontade de urinar com frequência
. diarreia
. vómitos
. caminhadas sem rumo
. tiques localizados
DE CONDUTA
. comportamento de alerta
. dificuldade para a ação
. dificuldade em levar a cabo tarefas simples
. movimentos descoordenados das mãos e dos pés
. voz instável e com tons altos e baixos
COGNITIVOS
. expetativas negativas generalizadas
. ‘faço tudo mal’, ‘que pouca sorte eu tenho’, ‘as minhas coisas são sempre muito difíceis’
. pensamentos preocupantes
. dificuldade de concentração
. predomínio de emoções negativas
ASSERTIVOS
. não saber o que dizer diante de certas pessoas
. não saber iniciar uma conversa
. impossibilidade ou dificuldade em discordar ou dizer não
. ficar bloqueado se tiver de fazer perguntas
. dificuldade em apresentar-se