Falar em microbiota pode parecer algo confuso, mas Sari Arponen decidiu desmistificar o assunto e torná-lo mais acessível, ao escrever o livro “A Culpa é da Microbiota”, uma edição da Planeta. “Dores de cabeça, inchaço depois de comer, alergias, dermatite atópica, aqueles quilos a mais de que não se consegue livrar… Pode estar familiarizado com alguns destes problemas, mas sabia que todos eles podem estar relacionados com um desequilíbrio da microbiota?”, pode ler-se neste livro, que é uma autêntica bíblia sobre esta temática. Foi precisamente para perceber melhor o impacto gigante que a microbiota tem em nós que falámos com a autora, que nos explicou claramente como estas bactérias, vírus, fungos e outros microrganismos são responsáveis por tanto na nossa saúde.
No seu livro escreve que “ter uma pele jovem e saudável depende da nossa microbiota”. Como se processa esta relação entre uma coisa e outra e como podemos fazer para a melhorar?
Se temos um bom equilíbrio nos nossos microrganismos cutâneos, a nossa pele terá um aspeto melhor. Além disso, é muito importante cuidar da saúde da pele desde o interior, porque a pele reflete verdadeiramente o que se passa no nosso organismo. Se tivermos problemas na nossa microbiota intestinal, por exemplo, produz-se inflamação no sistema imunitário, que pode, por sua vez, gerar problemas na pele.
Neste sentido, para cuidarmos da pele, devemos ter uma exposição adequada ao sol, utilizar produtos de higiene que não comprometam a microbiota e ter mais contacto com a natureza. Também devemos ter uma boa alimentação e um estilo de vida saudável.
Há muitas coisas que impactam a nossa microbiota e muitas coisas em que a microbiota tem impacto em nós. Há doenças mal diagnosticadas que são, na realidade, causadas pela microbiota?
Sabemos que na maioria das doenças ou sintomas há um desequilíbrio da microbiota. Contudo, isto não significa que seja a única causa dessas doenças: há muitos fatores a ter em conta. Há muitas situações concretas que dependem muito da microbiota intestinal. Por exemplo, o síndrome do intestino irritável está diretamente relacionado com a microbiota e pode ser, na verdade, um SIBO, ou seja, um crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado (small intestine bacterial overgrowth). Quando uma pessoa tem acne, há um desequilíbrio da microbiota cutânea e intestinal, assim como na psoríase ou na dermatite atópica. Também o nosso estado emocional depende da microbiota. E, claro, as cáries, a gengivite e a periodontite são um problema da microbiota oral.
Escreve que a “microbiota e a saúde intestinal estão muito relacionadas com a nossa saúde global”…
E estão verdadeiramente relacionados. A microbiota influencia praticamente todos os aspetos da nossa saúde, porque modula a função do cérebro, do sistema imunitário, do sistema cardiovascular, do metabolismo, do aparelho reprodutor… Há muitas relações entre a microbiota e a saúde intestinal e o resto do organismo. E, muito provavelmente, neste momento só conhecemos algumas delas.
A microbiota até interfere com a perda de peso. Como?
Sabe-se que as pessoas que têm problemas metabólicos como excesso de peso ou obesidade têm alterações da microbiota que fazem com que haja mais inflamação crónica, o que favorece a alteração do metabolismo. Além disso, a sua microbiota é mais eficiente em retirar a energia dos alimentos, e nas pessoas com uma microbiota mais saudável isso não acontece.
Desinfetarmos tudo, até as mãos, faz-nos mais mal do que bem?
Lavarmos as mãos depois de irmos à casa de banho e antes das refeições é adequado para evitarmos levar bactérias do intestino à boca, por exemplo. Mas tomarmos um duche todos os dias, lavando o corpo com gel de banho, pode matar as bactérias boas da nossa pele e deixar as más no seu lugar. Um excesso de higiene empobrece a nossa microbiota. O que deveríamos fazer era ter mais contacto com a natureza, que tem um tipo de “sujidade limpa” que nos ajuda a ter mais variedade na microbiota. O ambiente citadino é prejudicial pela contaminação e pela acumulação de bactérias más.
O mesmo acontece com os bebés, ou seja, é importante que os deixemos explorar os ambientes sem estarmos obcecados com a desinfeção dos espaços? Se os bebés e as crianças só forem expostos a ambientes ultra limpos, que impacto é que isso tem na sua saúde?
Efetivamente não temos que ter tanto cuidado e preocupação com a desinfeção, sobretudo se a fazemos com produtos tóxicos. Isto não quer dizer, contudo, que não podemos limpar o pó de nossa casa. Mas seria muito positivo que as crianças e os bebés pudessem ter contacto com outras pessoas, com animais e que pudessem explorar ambientes naturais, como a praia, o campo e o bosque. A falta de contacto com estes ambientes naturais é o que faz com que tenham uma menor exposição a microrganismos benéficos que ajudam o seu sistema imunitário a desenvolver-se adequadamente.
E como é que o nosso estado emocional influencia a saúde da nossa boca e do nosso intestino?
Há uma relação bidirecional entre a boca e o cérebro, e entre o intestino e o cérebro. Situações de stress ou de ansiedade geram desequilíbrios, pelo excesso de ativação do sistema nervoso simpático e pela falta de ativação do nervo vago, do sistema nervoso parasimpático. Isto altera o ambiente na microbiota e modifica a sua composição e a sua função.
Defende que a maioria dos adultos deveria comer duas ou três vezes por dia e que há muitos benefícios no jejum intermitente. Fale-nos mais sobre isso.
Cada vez que comemos, provocamos uma pequena inflamação no sistema imunitário. Além disso, o intestino precisa que, entre uma refeição e a seguinte, haja pelo menos quatro horas para que os restos do que se comeu possam ser totalmente limpos e para que se mantenha uma microbiota saudável. A maioria das pessoas acaba por comer em demasia e não deixa que o intestino descanse. Outra coisa importante seria fazer um jejum, durante a noite, que durasse no mínimo 12 horas. Está provado que fazer este jejum noturno pode ajudar a ter uma melhor saúde digestiva, cerebral e do sistema imunitário. A duração depende de cada pessoa.
No seu livro diz que faz sempre uma pergunta aos seus pacientes: qual é o seu propósito de vida. Pego nessa pergunta e devolvo-lha: qual é o seu ikigai?
Diria que o meu maior propósito é ajudar as pessoas a estarem melhor e a viverem mais felizes e saudáveis. E também aprender cada vez mais sobre todas as maravilhas que há para conhecer no universo.