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Neuroplasticidade. Eis um termo de que se tem ouvido falar muito ultimamente. Pode ser meio enigmático, mas tem a ver com a fantástica “capacidade que o nosso cérebro e sistema nervoso têm de mudar em função da experiência. É um dos aspetos mais importantes da nossa biologia, é o que nos permite pensar de forma diferente, aprender coisas novas, esquecer experiências dolorosas e, essencialmente, adaptarmo-nos a qualquer coisa que a vida nos dá para nos tornarmos melhores.

Há diversas razões para o nosso sistema nervoso efetuar mudanças”, diz Andrew Huberman, investigador e professor de neurobiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e autor do podcast ‘Huberman Lab’, “podem ser resposta a um evento stressante, traumático, como um acidente de automóvel, por exemplo, passando a ter uma reação negativa em relação aos automóveis e não querer mais conduzir.” Neste caso, se não souber andar de bicicleta, a motivação para aprender é elevada, o que leva a que se concretize. “É importante entender e interiorizar que a frustração faz parte do processo de aprendizagem, que não deve deixar-se levar por ela, e persistir entre 7 e 30 minutos.”

Uma espantosa recuperação
É o mínimo que se pode dizer do que aconteceu a Richard Gray, militar (reformado em 1999) que fez parte das forças de manutenção de paz da ONU na Bósnia. Um dia, em 2013, a sua mulher, a realizadora britânica Fiona Lloyd-Davies, chegou a casa e deu com o marido no chão agarrado à cabeça e aos gritos com dores. Chamou a ambulância e o diagnóstico foi rápido: Richard tinha sofrido um AVC hemorrágico brutal. Tão brutal que tiveram de retirar parte do crânio, entrou em coma na mesa de operações e o médico disse que era melhor chamarem os filhos, que viviam na Nova Zelândia, para poderem despedir-se do pai pois talvez não conseguisse sobreviver. Mas Richard sobreviveu, só que três semanas depois da operação não conseguia falar, mal conseguia mexer-se, e o lado direito do corpo estava paralisado. Apesar deste cenário tão pessimista, Fiona estava com esperança, já tinha ouvido falar sobre a neuroplasticidade do cérebro e teve esperança na recuperação do marido. Filmou todo o processo de recuperação do marido durante os 4 anos seguintes, os avanços e recuos, a sua perseverança, os momentos em que parecia querer desistir, e o resultado podemos vê-lo no impressionante documentário da BBC Horizon, ‘My Amazing Brain: Richard’s War’ (‘O meu espantoso cérebro: a guerra de Richard’). Em 4 anos, Richard conseguiu recuperar as funções da linguagem e motora, e vemo-lo a falar e a praticar jardinagem, uma das suas paixões.
Este exemplo extremo reflete bem a importância da neuroplasticidade do nosso cérebro já que ela permite que haja casos de lesões ou alterações cerebrais decorrentes de doenças que podem não ser definitivos. Há cientistas que defendem também que em alguns casos de ansiedade e depressão há possibilidade de melhoria, criando ‘novos circuitos neuronais’, com a ajuda, por exemplo, de atividades como o ioga, meditação, mas sempre acompanhado pelo médico especialista e tendo o cuidado de não deixar a medicação.

A neuroplasticidade resulta de eventos traumáticos, stresse, interações sociais, mas também de meditação, novas aprendizagens e experiências, foco e exercício.

Querer é poder
O nosso cérebro e sistema nervoso mudam também a partir de eventos positivos – com o nascimento de um filho, com o afeto do seu animal de estimação, com a vitória no campeonato da nossa equipa ou de um atleta preferido nos Jogos Olímpicos – ou quando precisamos MESMO de mudar completamente a nossa vida, como aconteceu com Barbara Oakley, uma proeminente engenheira americana que odiava matemática e ciência desde a escola primária ao secundário e adorava literatura (dessem-lhe um livro de Dostoyevsky para as mãos e ela ficava feliz). Barbara não podia pagar um curso universitário e decidiu inscrever-se no Exército americano e frequentar o curso superior de Russo e Literatura Eslava numa das suas instituições de ensino. Aprendeu fluentemente a escrever e falar russo, conseguiu alguns empregos à custa do seu conhecimento daquela língua, mas o fim da Guerra Fria pôs também fim a grandes perspetivas de empregos bem remunerados. O que ela decidiu? Pois bem, aos 26 anos, e depois de trabalhar com equipamento de telecomunicações (e ter bastante curiosidade em saber como funcionam), Barbara decide que quer seguir engenharia. Problema: a sua matemática era quase ao nível da 4.ª classe. “Há uns anos, um dos meus alunos perguntou-me como é que eu consegui fazer o curso, no fundo, como é que eu mudei o meu cérebro. E eu disse-lhe, ‘com muita dificuldade’, mas também com muita vontade, garra e persistência! Se houvesse um exemplo clássico do potencial para a plasticidade neuronal na idade adulta, eu seria a Prova A”, conta Barbara numa crónica no site Nautilus.

Aprendizagens na infância e juventude
Segundo Andrew Huberman, “todos nós nascemos com um cérebro e sistema nervoso que não só é capaz como foi programado para mudar e aprender.” Estas são as boas notícias, as menos boas é que a nossa capacidade para aprender e mudar ao longo da vida tem duas (grandes) fases: a aprendizagem da nascença até aos 25 anos, sensivelmente, e a aprendizagem que fazemos a partir dos 26 anos (mas lembre-se sempre do exemplo de Barbara Oakley). Duas velocidades diferentes, duas formas muito diversas de aprender e mudar.
“Quando nascemos, cérebro e sistema nervoso estão interligados de forma imperfeita, as ligações – axónios e dendritos – não são precisas. Imaginem uma série de estradas todas interligadas sem que haja, digamos assim, autoestradas diretas, só pequenas vias muito emaranhadas. À medida que crescemos, começamos a andar e a falar, e vamos aprendendo com os nossos pais, as nossas interações sociais, os nossos pensamentos, viagens, leituras e através dos nossos sentidos. Há ligações neuronais que são reforçadas e outras que são perdidas, há acontecimentos negativos e positivos que marcam o nosso sistema nervoso ficando assim modelado de acordo com a nossa vida.”
Convém saber que, além destas ligações cerebrais formadas através da nossa experiência e vivências (e que poderão ser alteradas), há outros ‘circuitos’ que foram ‘projetados’ para nunca se alterarem ao longo da vida, os que controlam, por exemplo, a respiração, o batimento cardíaco, a digestão…
“A grande vantagem das aprendizagens desde o momento do nascimento até cerca dos 25 anos é que o cérebro é uma espécie de máquina de mudança, adaptabilidade e aprendizagem. Partimos de uma situação em que não sabemos falar, depois aprendemos a dizer algumas palavras, frases simples e a expressar pensamentos mais complexos. Nessa fase da vida aprendemos quase de forma passiva, sem ser preciso grande foco e concentração, daí ser muito importante expormos as crianças, adolescentes e jovens a muita informação variada, até para perceberem do que mais gostam, se é tocar piano, ler, pintar, tratar das pessoas ou saber como funciona o universo ou um aparelho elétrico, e por aí fora.” Sabia que depois dos 15-16 anos o nosso sistema nervoso já não produz grande número de neurónios? Não há problema, porque continua em grande forma a aprender até cerca dos 25 anos, mas… e a partir daí?

Hoje em dia é mais difícil ficarmos concentrados no estudo ou trabalho. São as notificações nos telemóveis, os emails a cairem na caixa de correio, os open spaces com conversas cruzadas. Sabia que, cada vez que somos interrompidos, precisamos de 23 minutos para recuperar o foco?

Aprender depois dos 25
Bem, gradualmente, a partir dos 25 anos, apesar do número de neurónios novos a serem produzidos não ser elevado, o que nos vale – e muito – é a neuroplasticidade do cérebro, a sua capacidade em regenerar, fazer novas ligações e reforçá-las. Já não é, lamentavelmente, uma aprendizagem que pode ser feita de forma passiva, temos de estar ativamente interessados, em estado de alerta, focados em mudar, aprender… e persistir. Recorda-se do ditado ‘Burro velho não aprende línguas’? Esqueça. É verdade que não somos as ‘esponjas’ da infância e adolescência, mas com força de vontade, afinco e garra, podemos aprender coisas novas sempre e até sermos bem velhinhos, ainda que, quanto mais a idade avança, maior vai ter de ser a dedicação à mudança. Um dos obstáculos maiores à neuroplasticidade do cérebro, sobretudo nas pessoas mais velhas, deve-se ao aumento do número de um tipo de células (glia), “que são uma espécie de cimento que começa a preencher a matriz extracelular, dificultando as sinapses (ligações entre neurónios)”. É, por isso, muito importante que queiramos estar sempre a aprender coisas novas e estimulantes para o cérebro a vida inteira.

Superfocada em 2 minutos
Se o meio de aprendizagem for um livro ou um computador, uma das formas de chegar a um patamar superior de concentração e foco é tentar criar aquilo que se chama ‘visão em túnel’. Como? Olhe fixamente para uma pequena área do ecrã/livro, fazendo com que os olhos afunilem ligeiramente(mas sem os entortar).

Alerta concentração
Então se tivermos 30, 40, 50 ou mais anos e “se quisermos efetivamente aprender uma língua, a tocar um instrumento, ou mudar um comportamento, uma emoção, temos de dar uma atenção significativa a essa tarefa. Num primeiro passo, e para haver novas aprendizagens, sabe-se que precisamos que o cérebro liberte dois tipos de neurotransmissores: epinefrina e acetilcolina. Em relação ao primeiro, conseguimos obtê-lo com cafeína, o segundo com nicotina, mas enquanto cafeína q.b. é saudável, a nicotina põe em risco a saúde. Outra forma de as obter saudavelmente é… estar em estado de alerta, focados e concentrados no objetivo. Quanto tempo deve dedicar às novas aprendizagens? Cerca de 90 minutos. É normal levar 10-15min. a concentrar-se e nos 10-15min. finais a sua atenção e foco ficarem intermitentes. Para consolidar estas aprendizagens, deve fazer duas coisas fundamentais: uma sesta ou caminhada introspetiva (proibido ir para as redes sociais) e dormir bem nas noites seguintes (bem, na verdade, fazer uma boa higiene do sono é o segredo de boas aprendizagens ao longo da vida).”

Resumindo e concluindo
Para haver neuroplasticidade precisa de mudar as sinapses e criar novos ‘trajetos neuronais’. Para tal acontecer, as novas aprendizagens precisam de obedecer a estas 4 condições prévias:
Serem um desafio e novidade. Se for, por exemplo, aprender uma língua estrangeira, ao escolher espanhol não é um grande desafio, demasiado parecido com o português, que tal alemão ou inglês? Tem de haver algum esforço. Mas nada de tentar subir ao Everest, apenas exige que seja algo completamente novo na sua vida. Se sempre sonhou tocar uma sonata de Chopin e não sabe nem solfejo, que tal dar-lhe uma oportunidade?
Ter muita vontade de o fazer. Esta nova disciplina, arte, capacidade que pretende iniciar, tem de ter alguma relevância para si, tem de ser importante, tem de desejar muito atingir o objetivo. Para quê? Não só para perseverar mas para que os pequenos passos em frente sejam compensadores, lhe deem alegria (e dopamina) e força para continuar.Antes de decidir o que quer aprender, debruce-se sobre o assunto e escreva 3 ou 4 razões como guia. É muito importante que seja algo que escolha por si própria e não o que alguém achou que devia aprender e lhe fazia bem.
Dedicar-lhe todo o seu foco e atenção. Não tem de ser 5h por dia – como vimos anteriormente – mas enquanto está dedicado às novas aprendizagens esqueça tudo à volta. Planeie um horário certo para o fazer (a hora que mais lhe convém e em que está mais alerta) e siga-o religiosamente, sem desculpas, dê uma recompensa a si própria quando isso acontece, vá, por exemplo, fazer uma caminhada e apanhar um pouco de sol, ou dormir uma sesta (para solidificar os novos conhecimentos, e dar uns minutos de folga ao seu cérebro antes de encetar o trabalho seguinte).
Repetir, repetir, persistir, persistir. Convém que estes períodos de novas aprendizagens sejam muito frequentes, sem ser necessariamente longos, e não desistir à primeira frustração. Imagine que as novas ligações neuronais são como um novo atalho que tem de ser bastante usado para ficar com marcas das suas caminhadas no solo. Para haver neuroplasticidade, é preciso tempo e persistência para algo se tornar estrutural. Todas as semanas tente fazer um apanhado geral da sua atividade: certifique-se de que está a seguir o plano original. Se houver ajustes, faça-os sempre, sem problema, para melhor se adequar à sua velocidade de aprendizagem.

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