Quando pensamos em inflamação, imaginamos, geralmente, um ferimento local, com a área em redor avermelhada, inchada e dorida. Pode ser resultado de um arranhão, corte, queda, pancada, entorse… Esta é a forma aguda de uma inflamação, em que o nosso sistema imunitário reage de imediato aumento o fluxo sanguíneo para a zona afetada de modo a impedir a entrada e proliferação de vírus, bactérias e outro micróbios nocivos ao nosso organismo que podem dar origem a uma infeção. “A inflamação é a reação natural de defesa do seu corpo. Já todos teríamos morrido sem uma reação saudável e equilibrada”, escreve Will Cole, especialista americano em medicina funcional e integrativa, no seu livro ‘A solução para a Inflamação’. “Os problemas começam quando a inflamação se torna descontrolada ou desproporcionada para o problema, não desaparece e se mantém a um nível baixo durante um período logo, e aí estamos perante inflamação crónica”… e um dos fatores que mais promove a inflamação é o nosso estilo de vida, com especial foco para a alimentação, se esta não for a mais saudável e adequada para nós. Will Cole defende que “todos temos essencialmente as mesmas características gerais, os mesmos apêndices externos e órgãos internos, os mesmos processos básicos a decorrer no nosso interior. Os nossos corações batem. O sangue corre pelas veias e artérias. Os músculos contraem-se e distendem-se. Os ossos sustentam-nos. No entanto, as oscilações subtis da bioquímica de cada corpo são exclusivas a cada indivíduo”. O que nos fundo quer dizer é que somos todos iguais mas todos diferentes, que somos únicos em determinados aspetos bioquímicos, e que o que desencadeia um processo inflamatório numa pessoa pode não desencadear noutra. “O seu corpo está vivo devido a uma bioquímica fantástica. É percorrido por uma vastidão de 95.000km de vasos sanguíneos e produz 25 milhões de novas células a cada segundo. Existem mais ligações intrincadas no seu cérebro do que estrelas na galáxia. Durante várias eras, ao longo dos tempos e da experiência humana ninguém teve uma confluência única de genes, bioquímica e beleza como a sua, até você aparecer.”
Bioquímica única
Diz este autor que estamos na era da inflamação, e se olharmos para os números não deixam de ser assustadores: de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2022, cerca de 44% da população com mais de 16 anos tem uma doença crónica ou um problema de saúde prolongado (sendo as mulheres mais afetadas que os homens); as doenças cardiovasculares representam um terço das mortes em Portugal e, segundo o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, só o enfarte do miocárdio mata, em média, 12 pessoas por dia; a maioria da população não sabe o seu valor de colesterol nem os da tensão arterial, dois factores essenciais na prevenção das doenças cardiovasculares; 5% dos portugueses (cerca de 500 mil) são afetados por uma doença autoimune (em que o nosso sistema imunitário ataca as células do nosso corpo, vendo-as como ‘inimigas’); um milhão de portugueses vive com diabetes e 40% não sabe que têm diabetes tipo 2 (que tem origem em mau estilo de vida); o cancro é a segunda maior causa de morte em todo o mundo. “Os problemas de saúde mental estão a aumentar, assim como as doenças cerebrais como o Alzheimer. Todos estes problemas de saúde são inflamatórios. A medicina moderna trouxe-nos avanços maravilhosos” mas, segundo o autor, há problemas que têm de ser ‘atacados’ na raiz e não apenas com o medicamento, que por vezes vai remediando (passo o trocadilho) a situação.
Lembro-me muitas vezes do que o médico Michael Greger, também americano, escreveu no seu livro ‘Como não morrer’: se batermos incessantemente com o joelho no canto de uma mesa, até fazermos uma ferida, e se formos ao médico e ele nos receitar um medicamento para a sarar mas não deixarmos de bater com a joelho, o medicamento não tem grande efeito. O exemplo parece parvo mas fica na cabeça pela sua simplicidade e evidência. É verdade que nem todas as doenças são causadas pela alimentação ou estilo de vida, mas a verdade é que a ciência tem vindo a demonstrar que muitas o são ou, pelo menos, que estes dois fatores têm uma grande influência e impacto a longo prazo.
No seu livro, Will Cole pretende ajudar cada leitor a tentar descobrir os alimentos que possam estar na origem do mal-estar e inflamação e aqueles que possam estimular o bem estar e dar energia, porque “todos os alimentos que ingerimos transmitem instruções à nossa bioquímica. Cada refeição, cada dentada que damos na comida, influencia de forma constante e dinâmica o modo como nos sentimos. Como é único, não existem regras fixas e definitivas que revelem uma lista universal de bons e maus alimentos. Os que funcionam bem para os outros, podem não ser adequados para si e para a sua bioquímica única.” Ou seja, em si o pão não tem qualquer efeito e noutra pessoa pode causar-lhe inchaço abdominal, enquanto que a sua amiga pode comer um quadrado de chocolate negro à vontade e em si este maravilhoso doce pode provocar-lhe enxaquecas.
Dieta da eliminação
“Que o alimento seja o teu remédio e o remédio o teu alimento”, terá dito Hipócrates há mais de 2000 anos. É claro que a medicina evolui imenso desde essa altura – já não se acha que as sanguessugas e as pastas de ervas com excrementos animal cura alguma coisa – mas o pai da medicina tinha ali alguma razão quando apontava para a alimentação como uma espécie de farmácia. Hoje em dia é nesse sentido que a Ciência tem ido, pelo menos dado relevo à sua importância basilar na condição geral. Para a medicina funcional, de acordo com o especialista americano, não existem alimentos neutros, “nenhuma refeição é como a Suíça (…) os alimentos que o aproximam ou afastam da saúde podem, no seu caso, ser totalmente diferentes dos de outra pessoa. Como poderá saber que alimentos e hábitos de estilo de vida estão a fomentar a sua saúde ou a piorar os seus sintomas, contribuindo para uma resistência à perda de peso e falta de energia ou a causar-lhe dores? Através de uma dieta de eliminação.” É claro que à partida deve eliminar todos os alimentos que são processados, aqueles cuja lista de ingredientes é mais longa que o nosso braço e nem sabemos que raio significam. Uma forma simples de fazer a escolha? Siga o conselho de Michael Pollan, um dos mais conhecidos autores e ativistas da alimentação saudável, que é ‘Não coma nada que a sua avó não reconheceria como comida’.
Risque do seu menu
Após um questionário sobre os sintomas, que está dividido com vários graus de intensidade e categorias, o especialista divide os leitores em três grupos: os que não têm inflamação, os que têm alguma inflamação que afeta o bem-estar e os que já têm um problema de saúde. Para estes últimos, a dieta de eliminação é muito mais restrita, tem de ser obrigatoriamente seguida por um profissional de saúde. Então o que é recomendado é que em 4 dias se elimine 4 tipos de alimentos.
1.º dia – Todos os cereais: trigo, cevada, centeio, arroz, quinoa, milho etc.
(Pode cozinhar com farinha de coco, de amêndoa, banana-pão, araruta, de mandioca ou tapioca)
2.º dia – Laticínios: leite, manteiga, gelados, iogurte, queijo, nata (de vaca, ovelha ou cabra).
(Procure as alternativas vegetais, leite de coco, amêndoa, semente de cânhamo)
3.º dia – Todos os adoçantes: açúcar branco e amarelo, xarope de milho, frutose, xarope de ácer e de agave, mel, açúcar de coco, stevia.
(Adoce com fruta, batata doce ou inhame, coco, canela ou anis).
4.º dia – Óleos: milho, soja, canola, girassol, grainha de uva.
(Pode usar azeite extravirgem, óleo de abacate extravirgem, óleo de coco).
Chegada ao final do quarto dia de eliminação, agora tem de manter a sua alimentação livre destes ingredientes durante, pelo menos, quatro semanas. Temos hábitos tão enraizados que é melhor mentalizar-se que pode não ser fácil. De antemão esvazie os armários lá de casa de todas as tentações e procure receitas para todas as refeições. Obriga a alguma organização a priori mas torna a sua vida muito mais fácil durante este mês.
Abolir e reintegrar
Depois de manter todos estes alimentos fora da sua dieta durante 4 semanas, a ideia é depois tempo de os reintroduzir, um a um, tomar nota de como se sente durante os três dias em que o ingere. É claro que deve só reintroduzir aqueles que são saudáveis, aproveite este ‘jejum’ seletivo para fazer uma reeducação alimentar e selecionar aqueles que devem voltar ao seu menu.
Feito isso, deve começar por ser uma pequena quantidade no primeiro dia, e aumentar ligeiramente no segundo e terceiro dias. Ao fim de duas horas já terá ideia se teve algum efeito nocivo ou incomodativo. Só depois passa ao próximo alimento. No fundo, é como fazer a introdução alimentar de um recém nascido. É bastante útil manter um diário onde vai registando aquilo que come e como se está a sentir. Até para depois poder falar com o profissional de saúde – seja nutricionista ou médico de família – que deve ser informado desta sua ‘empreitada’.
Sintomas reveladores
Há vários indícios quase silenciosos – como costumamos dizer, não matam mas moem – de que algo não está bem consigo e que podem ser sinal de inflamação. Além dos óbvios, colesterol alto, hipertensão, diabetes… temos a falta de concentração e de memória, ansiedade, a nível cerebral. Em relação ao aparelho digestivo: obstipação, diarreia, dores de estômago, distensão abdominal e azia. Quanto os nossos ‘filtros’ – rins, fígado, vesícula biliar e sistema linfático – não conseguem processar com eficiência e dão origem a mal-estar corporal, erupção cutânea, dores e inchaço nas pernas e braços, aumento de peso repentino, glicose em jejum elevada. Se a tireoide e as suprarrenais são afetadas causam queda de cabelo, pele seca e unhas frágeis, oscilações de humor, falta de libido e menstruação irregular. Dor e rigidez articular, fibromialgia, a nível muscular.
Diferenças: Alergias, intolerâncias e sensibilidades alimentares
Às vezes aparece tudo misturado e ficamos confusas mas convém distinguir estes conceitos porque são muito diferentes entre si.
Alergias alimentares: “envolvem o sistema imunitário e constituem a reação mais imediata e potencialmente grave. Os sintomas de uma reação alérgica podem incluir erupções cutâneas, comichão, urticária, inchaço e até anafilaxia que é a dilatação das vias respiratórias que pode ser fatal.” É um caso médico sério, grave, pelo que tem MESMO de ser acompanhada por um especialista. (Tanto o livro como este artigo não é para si, já está noutro patamar).
Intolerância alimentar: “ao contrário das alergias, as intolerâncias não envolvem diretamente o sistema imunitário mas ocorrem quando o seu corpo é incapaz de digerir determinados alimentos (como os laticínios), ou quando o seu aparelho digestivo se torna irritado por causa deles. Normalmente resulta de carências de enzimas.”
Sensibilidade alimentar: “à semelhança das alergias, são ativadas pelo sistema imunitário, mas podem resultar numa reação mais tardia. Pode ser capaz de digerir uma pequena porção do alimento sem problemas, mas ingeri-lo em grandes quantidades ou todos os dias poderá aumentar gradualmente a inflamação, ao ponto da sua saúde começar a ser prejudicada.
Sintomas de intolerância e sensibilidade alimentar: distensão abdominal, enxaquecas, nariz a pingar, dificuldade de concentração, dores nas articulações ou músculos, fadiga, ansiedade, comichão, erupções cutâneas, sintomas gripais, dores de estômago, síndrome do cólon irritável.
Estilo de vida inflamatório
Não se resume ao nosso menu. Tem a ver com o tipo de vida que levamos. Já está mais que provado que o stresse mina a nossa saúde, é altamente inflamatório, que passamos demasiado tempo sentados ao computador ou a ver televisão ou a olhar para qualquer outro ecrã. O que podemos fazer em relação a isso? Fazer mais exercício físico, desligar (conscientemente) do trabalho – não é à toa que existem movimentos como o quiet quitting – passear mais sobretudo em áreas verdejantes (sim, também há estudos que comprovam que as pessoas recuperam das suas doenças se estiverem por perto jardins e arvoredo, e que têm estilo de vida mais saudáveis se viverem em locais onde se possa andar a pé em espaços verdes). Há também mais médicos de família que prescrevem caminhadas e convívio social, porque o sedentarismo e a solidão são também conduzem a estados inflamatórios. Vá passear o seu animal de estimação, inscreva-se numa corrida solidária, pegue numa bicicleta comunitária e dê um giro, diga mais vezes bom dia aos vizinhos, muito provavelmente vai receber a cortesia de volta. São pequenas coisas que enchem os dias de energia positiva. Lembre-se (ou escreva, um diário pode ser muito catártico) das coisas boas que lhe aconteceram durante o dia, ver o lado mais positivo da vida também é anti inflamatório.