
E de repente só se ouve falar nas ‘injeções milagrosas’ que emagrecem. Nos meios de comunicação social, nacionais e internacionais, nas redes sociais, fala-se e escreve-se sobre um novo tipo de medicamentos que as celebridades (e não só) andam a tomar para perder meia dúzia de quilos. Tanta parece ser a euforia que até já houve rupturas de stock nas farmácias, deixando diabéticos (que precisam deste medicamento para sobreviver), desesperados, nas listas de espera. Fomos tentar perceber, junto de Selma Souto – Médica Especialista em Endocrinologia e Nutrição; vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; autora e coautora de livros na área da Obesidade e Diabetes – que medicamentos são estes que estão ‘na moda’, a quem se destinam verdadeiramente, quem pode ou não pode tomar, os riscos associados e os efeitos secundários.

O que são medicamentos como o Ozempic® e Wegovy®, que tantas pessoas andam a tomare que parecem estar ‘na moda’?
O Ozempic® e o Wegovy® são o mesmo medicamento, isto é, o semaglutido, porém cada um em doses diferentes. O Ozempic® é o semaglutido numa dose até 1,0mg por semana e tem indicação para tratamento de pessoas com diabetes tipo 2. No caso do Wegovy®, o semaglutido 2,4mg tem indicação para tratamento de pessoas com obesidade ou pré-obesidade com complicações associadas.
Mas, infelizmente, o Wegovy®, não se encontra ainda disponível em Portugal.*
(* Esta entrevista foi realizada um mês antes da data em que este medicamento terá chegado às farmácias portuguesas em abril de 2025.)
Existe algum protocolo médico específico para os prescrever, quais são os critérios para considerarum paciente apto para a sua toma?
O Ozempic® está indicado para o tratamento de pessoas com diabetes mellitus tipo 2 e está comparticipado exclusivamente para pessoas com diabetes tipo 2 e Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 35kg/m2 à data do início da terapêutica. O índice de massa corporal calcula-se pela seguinte fórmula: Peso (kg) /Altura (m)2.Quanto aos medicamentos antiobesidade, estes podem ser prescritos a pessoas que vivem com obesidade, i.e., IMC superior ou igual a 30 ou pré-obesidade com IMC superior ou igual a 27 com comorbilidades associadas.Até à data, existem em Portugal quatro medicamentos aprovados pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) para tratamento da Obesidade, dois de administração oral, nomeadamente o orlistato (Xenical®) e a associação de naltrexona e bupropion de libertação prolongada (Mysimba®), e dois de administração injectável, nomeadamente o liraglutido 3,0 (Saxenda®) e a tirzepatida (Mounjaro®). Nenhum destes medicamentos para tratamento da Obesidade ou Pré-obesidade é comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde.
Podem ser tomados por pessoas que não têm diabetes, apenas para perda de peso?
O Ozempic® não pode ser prescrito com comparticipação a pessoas sem diabetes. Para pessoas com obesidade sem diabetes existem, como referi anteriormente, outros medicamentos aprovados e disponíveis em Portugal.
São medicamentos postos à venda no mercado recentemente?
O semaglutido pertence a uma classe de medicamentos designada análogos do GLP1 e é um dos mais recentes desta classe. Porém, já existem análogos do GLP1 há mais de uma década para tratamento da diabetes tipo 2.
Qual o efeito no organismo?
Em pessoas com ou sem diabetes, os medicamentos desta classe atuam a nível do hipotálamo, particularmente nos núcleos que controlam a ingestão alimentar, reduzindo a fome e aumentando a sensação de saciedade. Para além disso, causam uma sensação de enfartamento após as refeições. Atuam ainda no metabolismo da glicose de uma forma glucose-dependente, isto é, reduzindo a glicemia (i.e. o açúcar no sangue) sem risco de hipoglicemias (i.e. baixas de açúcar), sendo por isso seguros sob o ponto de vista de risco de hipoglicemias em pessoas com ou sem diabetes.
Que efeitos secundários têm estes medicamentos?
Os mais frequentes são efeitos gastrointestinais, nomeadamente náuseas e vómitos, mas que são geralmente transitórios.
Existem contraindicações importantes?
Os medicamentos desta classe devem ser utilizados apenas sob prescrição e acompanhamento médico e prescritos por médicos com experiência na gestão da obesidade e/ou da diabetes tipo 2.
Há algumas precauções a ter em conta quando se prescrevem estes fármacos, sendo necessária uma avaliação clínica e analítica prévia para garantir a ausência de contraindicações à sua utilização. Não devem ser usados em casos de insuficiência renal ou hepática graves, e em casos de carcinoma medular da tiróide ou neoplasias endócrinas múltiplas, e é ainda necessária precaução em doentes com antecedentes de pancreatite.
Porque estão a ser usados de forma tão generalizada para emagrecer?
A obesidade é uma doença crónica, complexa, multifactorial e que exige um acompanhamento crónico e personalizado por um médico com experiência na gestão da doença. Está associada a mais de 200 outras doenças, pelo que tratar esta doença não é apenas uma gestão de peso e muito menos uma questão estética. A utilização de medicamentos para perda de peso só deve ser utilizada com um IMC superior ou igual a 30 ou pré-obesidade com IMC superior ou igual a 27 com comorbilidades associadas. Portanto, a utilização desta classe de fármacos para fins estéticos e não por uma questão de saúde não deve ser efetuada!
As pessoas – que não são diabéticas e tomamessa classe de fármacos – perdem peso mesmosem reeducação alimentar?
Com a utilização de medicamentos que atuam nos centros do apetite e da saciedade, o doente ingere menos calorias e perde peso. Por outro lado, se o doente ingerir refeições ricas em gorduras pode aumentar os efeitos gastrointestinais do fármaco, o que leva a que a pessoa evite a ingestão de gorduras. A verdade é que com a toma destes fármacos torna-se mais fácil a adesão a um plano alimentar mais saudável, que é importante que a pessoa com excesso de peso ou obesidade o cumpra a longo prazo.No entanto, gostava de realçar que qualquer pessoa, independente do seu IMC ou composição corporal, deve ter hábitos alimentares saudáveis e fazer exercício físico regular. Numa pessoa com excesso de peso estas medidas de estilo de vida são ainda mais importantes, muitas vezes também pelas comorbilidades associadas.
O que acontece se a pessoa (não diabética)deixa de tomar este tipo de medicamento?
A medicação para o tratamento da obesidade resulta enquanto o doente a toma. Com a suspensão do tratamento, o mais provável é que se verifique o reganho do peso perdido.Podemos comparar, por exemplo, ao tratamento da hipertensão arterial, o doente que toma a medicação tem a tensão arterial controlada, se a suspender, a tensão arterial sobe.
Mudanças no estilo de vida podem ser tão eficazes como a toma destes medicamentos?
Não. Na maioria dos casos, as medidas de estilo de vida são ineficazes a longo prazo e os doentes acabam por ter reganho de peso. Temos exemplos bem conhecidos disso, por exemplo, do programa Biggest Loser em que os doentes tiveram reganho de peso após o período de intervenção.