Quando uma inflamação nas cordas vocais deixou a tradutora de conferências Ana Bela Cabral sem voz durante um mês, os medicamentos convencionais não conseguiam resolver o problema. “A voz é a minha ferramenta de trabalho. Se estiver afónica não posso trabalhar.” Essa perspetiva fez com que procurasse a ajuda da medicina homeopática, e em pouco tempo viu-se restabelecida.
Ana Bela já tinha tomado contacto com esta terapia alternativa quando, algum tempo antes, a filha começou a ter problemas respiratórios frequentes e a pediatra anunciou que, provavelmente, a criança desenvolveria asma. “Fiquei muito assustada, já que se trata de uma doença crónica que reduz a qualidade de vida. Uma amiga aconselhou-me a visitar um homeopata.” A visita e o tratamento posterior mudaram radicalmente o prognóstico da doença. “Hoje a minha filha é completamente saudável, não tem problemas respiratórios.”
A tradutora faz parte de um grupo ainda restrito de portugueses que confia na homeopatia. “Nasci e cresci em França; se calhar aderi mais depressa à ideia porque lá há uma maior cultura de divulgação da homeopatia.”
A CURA QUE NASCE DO MAL
Mas, afinal, como atua esta terapêutica? A ideia tem quase 2400 anos e nasceu com o grego Hipócrates: o semelhante cura o semelhante. Ou seja, aquilo que provoca a doença ou sintoma também deve ser capaz de o tratar. Pegando nesta premissa, há 200 anos o médico alemão Samuel Hahnneman disse ao mundo que, se fossem usadas doses extremamente pequenas de substâncias animais, vegetais ou minerais capazes de provocar os mesmos sintomas observados em algumas doenças, podia tratá-los de forma segura. Chamou a isto Lei da Similitude, um dos dois princípios que são a base da homeopatia moderna. A intenção é reforçar a capacidade do sistema imunitário para combater as agressões externas.
O outro princípio, a Lei das Doses Infinitesimais, determina que os medicamentos homeopáticos não sejam tóxicos, por serem feitos com quantidades infinitamente pequenas dos princípios ativos, diluídos em água ou álcool, até deixarem de ser agressores para o organismo. E são, justamente, a toxicidade e efeitos secundários dos medicamentos tradicionais (ou alopáticos) que levam muitos pacientes a aderir à alternativa homeopática.
Mas esta não é uma terapêutica livre de polémica. Os céticos dizem que as substâncias são tão diluídas e as quantidades tão pequenas que não fazem efeito e comparam ahomeopatia a um placebo. E até há alguns estudos científicos que apontam nesse sentido. Tantos como aqueles que provam a eficácia desta terapia alternativa.
JUNTAR DOIS MUNDOS
Em Portugal, qualquer médico pode receitar medicamentos homeopáticos e integrar a esta técnica na sua prática clínica quotidiana – a homeopatia está regulamentada no nosso país desde 2006. Mas Portugal não é um dos seus territórios mais férteis, tem muito mais expressão em países como a França e a Alemanha.
Marisol Anselmo, pediatra no Hospital do Barlavento (Faro), está convencida dos benefícios homeopáticos e integra-a na sua prática clínica há dois anos, depois dela própria ter testado os seus efeitos. “Tive uma surdez aguda, uma situação bastante rara provocada por um vírus. Apesar de não me ter curado apenas a homeopatia, posso dizer que ajudou bastante no processo. Até aí só prescrevia medicamentos alopáticos. A classe médica ainda é um pouco descrente. Há pouca formação. Na universidade temos noções de homeopatia, mas é uma abordagem muito superficial.”
Os especialistas indicam-na como tratamento para alergias (rinite alérgica, por exemplo), doenças e pequenas infeções do aparelho respiratório, como amigdalites, otites, gripes e constipações, rouquidão ou laringites. Mas também é usada em problemas crónicos, como asma, enxaquecas e reumatismo, e problemas psicológicos relacionados com stresse e ansiedade.
“Para mim é uma terapia complementar”, diz Michèle Boiron, diretora dos Laboratórios Boiron, uma das maiores farmacêuticas homeopáticas europeias. “Deve ser usada para tratar as pequenas coisas que envenenam a nossa vida mas que não são graves.” Defende que a medicina tradicional e homeopática podem complementar-se. “Há casos em que no mesmo dia podem usar-se medicamentos alopáticos e homeopáticos. Sabe-se que os anti-histamínicos provocam sono. Para uma rinite alérgica, durante o dia o paciente pode usar um medicamento homeopático, enquanto à noite toma um alopático.” Outro dos campos onde a terapia está a entrar com sucesso, diz, é a oncológica. “Claro que a homeopatia não trata o cancro. Mas é usada para minorar os efeitos secundários tóxicos da quimioterapia, evitando que muitos pacientes desistam do tratamento.”
“É EFICAZ NAS CRIANÇAS”
Outra das grandes vantagens da homeopatia, segundo Michèle Boiron, é o seu potencial de prevenção de doenças, por ajudar a reforçar o sistema imunitário. Medicamentos homeopáticos como o oscillococinum são usados para prevenir problemas comuns no inverno, como gripes e constipações. A pediatra Marisol Anselmo confirma: “As crianças que fazem esta prevenção, em geral, adoecem menos. Começa a fazer-se no princípio do outono, através de uma toma semanal do medicamento, por um período entre um e três meses.”
Os mais novos reagem bem à homeopatia no tratamento de doenças agudas ligeiras, acrescenta. “Funciona muito bem em doenças virais, como otites, faringites, amigdalites, constipações, algumas bronquiolites ligeiras. Atua com rapidez em quadros relacionados com vírus, que têm uma evolução em cerca de 72 horas. Não serve para medicar situações mais graves, como pneumonias ou bronquiolites mais severas; pode ser um coadjuvante, mas sozinha não funciona.” Não é difícil convencer pais e crianças a usarem medicamentos homeopáticos. “Aderem bem quando explicamos que não são tóxicos e que ajudam o organismo a defender-se. Os miúdos até costumam gostar de os tomar, porque os grânulos são doces. Penso que, na pediatria, faz todo o sentido usar um tratamento não tóxico.”
O grande senão é o facto destes fármacos serem mais caros e não terem comparticipação. “Pode ser um problema para algumas pessoas, mas os pais percebem que acaba por compensar, sobretudo se o medicamento for usado logo no início dos sintomas, travando a evolução da doença, o que vai evitar que a criança seja medicada com antibióticos, fique em casa e que os pais percam dias de trabalho.”
Que forma têm os medicamentos homeopáticos?
Existem medicamentos unitários – compostos apenas por um princípio ativo – e as especialidades, com vários. Os primeiros apresentam-se como pequenos grânulos em tubos- uma dose corresponde a cinco grânulos. As especialidades aparecem sob a forma de comprimidos que se dissolvem na boca. Os medicamentos homeopáticos podem ainda assumir a forma de glóbulos em pequenos tubos (em que o conteúdo é tomado
de uma só vez) ou, apesar de menos comuns, xaropes e pomadas.
São compatíveis com os tradicionais?
Os medicamentos homeopáticos podem ser prescritos isoladamente ou em conjunto com os alopáticos, dependendo do critério do médico.
Posso automedicar-me?
Em casos ligeiros, como tosse ou rouquidão, sob a orientação de um farmacêutico com formação em homeopatia. Mas se os sintomas persistirem, é necessário consultar um médico.
** Este artigo foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico **
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