Acontece com mais regularidade do que julga: adultos aparentemente calmos, cuja vida profissional e pessoal ocorre sem grandes problemas, decidem fazer terapia na sequência de uma fase mais difícil e descobrem que, afinal, carregam traumas da sua infância. “Mas os meus pais deram o seu melhor e eu fui uma criança feliz” – dizem-me em consulta, porém a nossa mente é bem mais complexa do que isso.Terapia para os mais novos? Sim, mas e quando os pais são o problema?
A Psicologia não engana: tudo começa na infância. Se quer realmente entender quem é e perceber o seu temperamento e formas de agir, é provável que essas respostas estejam na criança que foi. Traquinas ou calmas, tímidas ou sociais, as crianças que fomos determinaram os adultos em que nos tornámos, mas sabia que na grande maioria dos casos trazemos assuntos dessa fase ainda por resolver por causa dos nossos pais?
É importante entender que as figuras do pai e da mãe são as primeiras às quais a criança cria vínculo (e isto acontece muito antes de começar a falar ou a andar), daí a influência dos progenitores ser imensa na formação da personalidade e do ser pessoa. O cérebro da criança não está preparado para filtrar e resolver o seu meio envolvente e é daí que nascem as chamadas crenças limitantes que trazemos para a vida adulta e que podem resultar em medos, inseguranças, baixa auto-estima, ansiedade, entre outros problemas.
Muitas vezes o ambiente familiar pode não ser o mais saudável – como, por exemplo, casos de violência ou alcoolismo em casa e na presença dos mais novos – mas os traumas que trazemos para a idade adulta nem sempre têm raízes tão óbvias.
Sendo que as crianças são altamente influenciáveis pelo meio envolvente, há pequenos gestos por parte dos pais que não são os mais corretos (ainda que estes não tenham consciência) podendo revelar uma reprodução das suas histórias: não respeitar o espaço pessoal e a privacidade dos mais novos, assistir a programas televisivos violentos e colocar demasiadas expectativas nos filhos (muitas vezes irrealistas) são alguns exemplos disso mesmo. Também a proteção excessiva e a incapacidade de falar sobre os problemas de forma clara pode tornar-se num problema futuro ao nível de autonomia.
O que muitos pais sentem como “proteção” ou “amor” é, em alguns casos, incapacidade na comunicação com os mais novos e dificuldades em gerir emoções e conflitos. Desta forma, e tendo em conta que aprender a lidar com as próprias emoções é fundamental desde cedo, é provável que se esteja a educar um futuro adulto pouco resiliente, com poucas competências emocionais, dificuldade em exprimir o que sente e sem eficácia para gerir conflitos e stress. Conversar com os mais novos sobre os desafios da vida – adaptando a comunicação à idade – é garantir que estes tornar-se-ão adultos com inteligência emocional.
É comum as crianças trazerem em consulta desafios que podem vir a desencadear traumas na vida adulta mas deixe-me tranquilizá-lo: se procurar apoio durante uma idade precoce é possível inverter a situação ou melhorá-la substancialmente. Intervir em momentos em que os mais novos estão mais agitados, irritados ou reativos, muitas vezes não querendo comer ou dormir, é também fundamental para melhorar a situação.
É importante consciencializar-se de que, muitas vezes, são os pais o motivo da terapia das nossas crianças, por isso deixo-lhe este conselho: não perpetue comportamentos negativos que tiveram consigo nem repita padrões da sua própria infância. Analise e aceite a sua própria história – com todas as suas alegrias e falhas – e não se esqueça que o papel do pai e da mãe não tem de ser padronizado: nem todos agimos ou sentimos da mesma forma. Terapia para os mais novos? Claro que sim, mas não meta de lado a sua própria história.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.