![78620100.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/4/2019/09/108501678620100.jpg)
Ouvimos a mesma frase quase todos os dias: “Fiquei espantada que o meu filho tivesse feito uma coisa dessas, afinal ele em casa não era nada assim, sempre tão calado, tão bom rapaz…”
É evidente que não é só quando as coisas dão para o torto – ou para evitar que as coisas dêem para o torto – que é importante saber de facto com quem vivemos. É porque conhecer uma criança não é só viver com ela, vesti-la, alimentá-
-la, levá-la à escola, certificar-se de que fez os trabalhos. Até podemos saber que ele gosta de arroz de pato e detesta ervilhas, mas quais são os seus sonhos? De que é que tem medo? O que é que mais gostaria de fazer na vida? O que é que o preocupa? Com o que é que sonha acordado antes de adormecer? Claro que isto não se consegue chegando lá com uma lista e de esferográfica em punho e dizer: então vamos lá – qual é o teu objectivo a atingir este mês? Mas há muitas formas de conhecer uma criança.
Faça o luto da criança ideal
Conhecer uma criança pode ser difícil pelo simples facto de que ela própria está a começar a conhecer-se, e as suas possibilidades de desenvolvimento e mudança são quase infinitas. Mas participar nesse desenvolvimento e nessa transformação diária é o maior desafio para qualquer pai.
“Conhecer uma criança ou um adolescente implica saber as coisas básicas do seu dia-a-dia”, explica a psicóloga Teresa Paula Marques. Isto parece óbvio, mas é uma falha em muitas famílias. “Existem pais que não sabem o nome do melhor amigo do filho, ou a sua cantora preferida. Isto demonstra uma ausência de diálogo e pouca atenção, pois o conhecimento dos gostos, quer se trate de actividades preferidas, quer de ídolos, dizem muito da personalidade.”
Ou seja: podem parecer pormenores sem importância, mas revelam que os pais se preocupam com a sua vida.
Claro que nisto tudo há uma ‘armadilha’ subtil: queremos tanto ver nos nossos filhos uma cópia de nós (em bom, claro) que muitas vezes nos esquecemos de perceber que ali está uma pessoa totalmente diferente. “É difícil evitar essa atitude, embora seja absolutamente necessário”, nota Teresa Paula. “Muitos pais sonham com um filho ideal, ou mesmo com a tal cópia deles próprios. Então, um dos primeiros exercícios que se deve fazer após o nascimento de um filho é exactamente o luto desse ideal e a adaptação à realidade. Aquela criança que ali está tem todo o direito a ser diferente, e é isso que se deve ter presente, para conseguir aceitá-la e amá-la tal e qual é.”
Pois, é bonito de dizer: mas qual é o pai ou mãe dispostos a fazer um ‘luto’ que, aparentemente, vai afastá-lo de um ser com o qual se espera conseguir a maior empatia? O erro é esse: o ‘luto’ da criança sonhada leva a um novo ‘nascimento’: o da criança real. E é essa criança que temos de aprender a amar.
Resista à idade da mudança
Outra armadilha para os pobres pais: quando se chega à adolescência, uma das queixas é: parece que deixámos de conhecê-lo. Mas foi o filho que mudou ou eram os pais que de facto não o conheciam? “A adolescência é (tem de ser) uma idade de mudanças”, lembra Teresa Paula. “O jovem necessita de se autonomizar dos pais, de se tornar um indivíduo separado deles. Neste caminho em direcção à autonomia, muitas vezes o filho mede forças com os pais, e isso significa apenas que se está a situar face a eles, a vincar a sua posição. Mas o jovem continua, basicamente, a ser o mesmo. Não se trata de uma mudança de personalidade, mas sim de uma mudança de atitude que faz parte do desenvolvimento e que passará com o tempo. É normal que os pais reajam com estranheza, porque estavam mais habituados a uma atitude passiva.”
Outra queixa comum é universal: ‘Ai os professores dizem que ele na escola mal se ouve, e cá em casa parece uma matraca.’ Ou vice-versa. Os pais abrem a boca de espanto em frente ao professor que os chamou à escola, e nem sabem o que dizer. Calma: é assim mesmo. “Toda a gente se comporta de maneira diferente, consoante o contexto em que está inserida”, afirma a psicóloga. “E os adolescentes não fogem à regra. Para além disso, há que ter em conta que na escola existe a influência do grupo e pares, que têm um enorme peso (para o bem e para o mal) durante a adolescência.”
Quer dizer, os adolescentes não são ‘educados’ apenas pelos pais: educam-se também uns aos outros. É por isso que a base familiar tem de ser sólida. Ou, então, ele estará por sua conta e risco.
Aprenda a conversar
A adolescência não explode de repente como fogo-de-artifício: ‘prepara-se’ desde a infância, e se assim não for, tornar-se-á bastante mais complicada de viver, para os filhos e para os pais. E prepará-la na direcção do conhecimento daquela pessoa que está consigo requer apenas dois movimentos – o primeiro: ouvir mais e falar menos. O segundo: fazer as perguntas certas. Parece fácil, mas não é. Actualmente, onde ninguém nos ouve, já não estamos habituados a ouvir ninguém, e muito menos os nossos filhos. Quando foi a última vez que nos calámos e deixámos outra pessoa falar? E quando foi que lhes demos espaço para dizer o que lhes ia na alma, sem sermões, nem conselhos? Ainda por cima, se é fácil conversar com as crianças mais pequenas que falam que se desunham, quando chegam à adolescência parecem fazer um pacto de silêncio. Como é que se faz falar alguém perdido nos seus pensamentos? “Os jovens não são anticomunicação, mas na adolescência há necessidade de um afastamento da família, ao mesmo tempo que se assiste à aproximação de um grupo de pares”, explica Teresa Paula. “O que há a fazer é não se demitir do papel de pais, dizerem o que há a dizer, impôrem regras. O jovem, ao contrário do que possa pensar, não deseja que o deixem em paz (embora possa dizê-lo), mas sim que o ajudem a situar-se na vida. Há então que comunicar de forma assertiva.” E crie ocasiões para a conversa. Os adolescentes fecham-se em copas quando sentem que a pessoa vem decidida a conversar. Mas se passarem algum tempo descontraídos juntos, a conversa surge.
As palavras que nunca lhe disse
Vamos ao segundo item: fazer as perguntas certas. Em vez de ‘já fizeste os trabalhos?’ experimente: ‘o que achas que não funciona bem na tua família’? Pois, muitas vezes ouve-se o que não se quer, mas vai-se a tempo de fazer qualquer coisa acerca disso. Ou, então, fuja das perguntas: converse, apenas. Pense: quando estamos a ter uma conversa normal, também não fazemos perguntas a torto e a direito. Portanto, treine a arte da conversa também com os seus filhos. Dito isto, cuidado para não cair no extremo oposto: conhecer quem vive consigo não significa saber tudo sobre a sua vida. É que toda a gente, até as crianças, precisa de segredos, precisa daquela parte da sua vida que não partilha com ninguém, ou que é só para os amigos. Ou seja, conheça-o a partir do que ele quer dar, não em virtude de lhe ter revistado a mochila, vasculhado os bolsos ou lido o diário. “É preciso que o adolescente cresça com a certeza que tem nos pais um apoio incondicional”, resume a psicóloga. “Se o jovem sentir que tem este apoio, irá ter à-vontade para recorrer aos pais se necessitar. Evitam-se então as atitudes inquisitórias que os adolescentes detestam.”