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As crianças já não brincam da mesma forma que os seus pais. A afirmação não é original, mas resulta de um estudo feito por dois psicólogos americanos, que falaram com milhares de mães do mundo inteiro e chegaram a esta conclusão que estão cada vez mais preocupadas com a infância dos seus filhos, mas sentem-se cada vez mais impotentes para grandes transformações. Quer fosse na Tailândia ou na Turquia, no Brasil ou nos Estados Unidos, as mães dizem sempre a mesma coisa: brincar é a chave para o bem-estar físico das crianças, mas elas têm cada vez menos tempo, oportunidade e sítio para o fazer… As mães portuguesas também foram entrevistadas, e estão ainda mais preocupadas que as outras com as transformações que afectam a vida dos mais novos. Reconhecem que as crianças precisavam de brincar mais na rua, sim, mas onde? E com que tempo?
Para discutir todos estes assuntos, falámos com o casal Dorothy e Jerome Singer, autor do estudo, que veio a Portugal a convite da marca Skip, e nos explicou, afinal, por que é que as mães de todo o mundo pensam de maneira igual.
Voltem ao faz-de-conta
“O que mais nos espantou nas mães portuguesas foi a importância que dão a actividades criativas, como desenhar ou pintar”, começa por notar Dorothy Singer. “Este estudo não explica por que é que isso acontece, apenas nos diz que é assim. Mas talvez tenha que ver com o peso que têm nas famílias portuguesas a escola e as actividades académicas.”
Ou talvez seja porque é uma forma de as ter caladas e sossegadas? Dorothy ri. “Não digo que não. Mas nos outros países a televisão é que tem maior peso na vida delas.”
A presença maciça da televisão como a forma principal de ocupar o tempo é uma preocupação cada vez maior, principalmente porque as alternativas são poucas. Enfim, as crianças portuguesas ainda brincam e desenham, mas no mundo inteiro tudo o que elas fazem é passar o dia agarradas ao ecrã.
E qual é o mal? “O problema com a televisão é que não dá para a criança ‘actuar’”, explica Jerome Singer. “É unívoca, não ensina a criança a treinar vários papéis e personagens. Isso também acontece nos jogos de computador mais agressivos, onde não aprendem a distinção entre fantasia e realidade.”
Dorothy lembra que os computadores e a internet não são necessariamente perversos: há jogos como os Sims que são uma espécie de faz-de-conta virtual e são benéficos para os mais pequenos. Mas preocupa-a que a televisão tenha tanto peso na vida deles. E preocupa-a acima de tudo o gradual desaparecimento da imaginação.
“É urgente retomar as brincadeiras de faz-de-conta”, lembra Jerome. “Um dado interessante é que as crianças que brincam frequentemente ao faz-de-conta são as menos agressivas. Por exemplo, dantes brincava-se aos índios e cobóis, e andavam atrás uns dos outros aos tiros: mas sabiam que aquilo era a fingir. E quanto mais brincavam, mais percebiam a diferença entre fingimento e realidade, mais percebiam que podiam fazer aquilo num contexto de brincadeira, mas não podiam, por exemplo, bater a um amigo. Hoje essa distinção entre fantasia e realidade, com a mania do politicamente correcto, está a perder-se.”
Contem-lhes histórias
O curioso é que as mães têm consciência de todas estas transformações. “Preocupam-se com a falta de socialização das crianças”, nota Dorothy. “Se passam o dia em frente da televisão, não aprendem nada: não aprendem a ser flexíveis, a partilhar, a dar-se com os outros. Tornam-se mais isoladas, gordas e sedentárias. As mães também se preocupam com o facto de as crianças estarem a crescer mais rapidamente. Toda a sociedade está mais sofisticada, e elas estão expostas a todo o tipo de estímulos. Portanto, esta erosão da infância é uma preocupação realista.”
Surge aqui um conflito materno universal: as mães queixam-se de ter pouco tempo para os filhos, mas sobrecarregam-nos com actividades que muitas vezes são demais. O que fazer? Os psicólogos apresentam soluções simples: eles pedem aos pais que limitem as actividades das crianças e que lhes dêem dez minutos do seu tempo. Não se pode dizer que seja pedir muito… “Fizemos isso aqui há uns tempos com um grupo de pais e os resultados foram espantosos”, conta Dorothy. “Ao princípio, diziam todos que não conseguiam brincar, estavam muito cansados. Depois, os dez minutos passaram a 20 e 30: perceberam que estavam a divertir-se! Eu dizia-lhes: ‘Fechem os olhos e pensem: quais eram os jogos de que mais gostavam em pequeninos? Que histórias vos contavam?’”
“Quando dizemos aos pais ‘brinquem com as crianças’, o que queremos realmente dizer é ‘falem com as crianças’, acrescenta Jerome. “Isso é o mais importante. Falem com elas, contem-lhes histórias, quer sejam contos de fadas quer sejam coisas que vos aconteceram em pequeninos, que elas adoram.”
Vamos brincar ao ar livre!
Outra coisa essencial: encontrem espaços ao ar livre onde elas possam brincar. Tudo bem que, se calhar, já não podem andar na rua o dia todo aos pontapés nas latas, mas não haverá um parque perto de casa onde se possa dar uns chutos numa bola? “As crianças precisam de experienciar as coisas em primeira mão, precisam de viver o mundo sem que as mães as sufoquem”, lembra Jerome. Obviamente, é legítimo que as pessoas estejam preocupadas com a segurança das crianças. Mas o curioso é que essa preocupação existe mesmo em locais tradicionalmente pouco perigosos, como Portugal.
“Aproveitem a disponibilidade dos avós”, sugere Dorothy. “Criem uma rede de apoio com amigos, que se podem revezar para levar as crianças ao parque. Façam pressão junto dos políticos para criarem mais jardins. Temos que fazer uma revolução na brincadeira.”