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O termo ‘dupla cidadania’ foi criado pelo psicólogo de adolescentes Carl E. Prickardt (ver www.psychologytoday.com) e retrata esta condição de duplicidade: são pessoas que não sabem o que é um mundo sem net, que não sabem o que é aborrecer-se por não terem um telemóvel nas mãos, que vivem angustiadas com falta de bateria. “Desde que nasceram que vivem entre o mundo das relações interpessoais da ‘realidade’, onde a comunicação é direta, e o vasto universo da Internet onde a comunicação é mediada eletronicamente”, explica Carl Prickhardt (‘The Dual Citizenship of Today’s Adolescents’). “Hoje, para serem funcionais têm de desenvolver competências e ‘cidadania’ em ambos os mundos.”

Empatia precisa-se?
Claro que o ‘problema’ é nosso: eles não têm problema nenhum em conciliar os dois mundos nem veem em que é que isso lhes possa ser prejudicial. Mas muitos pais se perguntam que tipo de pessoa criaram. As respostas? Ainda não chegaram. “Ainda não se sabe bem quais as repercussões deste tipo de hábitos porque os resultados dos estudos são contraditórios”, revela a psicóloga Teresa Paula Marques, a terminar uma tese de doutoramento sobre os jovens e o Facebook.
“Na minha opinião, as consequências não vão ser muito agradáveis, mas passou ainda muito pouco tempo para saber. O Facebook só fez agora 10 anos, a net em geral tem 20, e ainda estamos no ar. Mas o que mais preocupa os investigadores é o impacto que poderá ter ao nível da capacidade de empatia, uma vez que no mundo virtual não há contacto direto com o ser humano, mas sim mediado pela máquina. Para além disso, escolhemos os conteúdos que queremos, o que pode servir para filtrarmos apenas os aspetos mais felizes da vida.”
Também defende que o maior perigo poderá vir não do impacto sobre a forma como os adolescentes pensam, mas do impacto que os ‘gadgets’ já têm no tempo que passam com os outros. “A maior preocupação é que as atividades online estão a ganhar terreno face ao convívio com a família. Ou seja, muitas crianças têm como ama os tablets e a televisão, portanto não há quem discuta com eles os aspetos nocivos do mundo virtual.”

Ecrãs contra a solidão
Claro que, na prática, não há um mundo virtual e um mundo real: são duas facetas da mesma realidade. E o mundo dos adolescentes é, em muitos aspetos, espelho do nosso.
“O facto de as pessoas irem para o Facebook estabelecer relações de amizade ou amor é consequência daquilo que se passa no dia a dia: estamos cada vez mais isolados e distantes uns dos outros”, nota Teresa Paula Marques. “Nos adolescentes isto agrava-se porque somos cada vez mais uma sociedade de filhos únicos. Dantes brincava-se na rua e conhecia-se os vizinhos. Hoje, eles não conhecem ninguém e estão fechados em casa. Portanto, a única maneira de se relacionarem é através de ecrãs. Saem da escola e vão para casa continuar aqueles relacionamentos por computador. Dantes andávamos à tareia, agora eles insultam-se pela net (risos).”
Ou seja: a ‘empatia’ que eles desenvolvem é totalmente diferente. “Os miúdos estão a desenvolver uma ‘empatia virtual’, que os faz aprender a ser bem sucedidos nas redes sociais com o objetivo de obterem mais likes, mas podem estar a perder a capacidade empática para os relacionamentos face-a-face”, nota Teresa Paula. “Para além disso, é sabido que durante a adolescência uma das maiores angústias dos jovens tem a ver com a solidão. O telemóvel e a internet vêm preencher essa necessidade de se sentirem sempre acompanhados, o que os faz cair, por vezes, em excessos.”
Há quem fique muitíssimo nervoso se, por acaso, se vê num sítio sem rede. “Para eles, o telemóvel é uma extensão da própria identidade”, explica a psicóloga. “Tecnicamente não se pode falar em dependência, mas podemos apelidar isto de ‘uso problemático’, que implica ter a necessidade de estar sempre online associada à ansiedade FOMO (Fear of Missing Out), medo de estar a perder alguma coisa, de não estar a par do que os amigos virtuais postaram.”
Que consequências é que isso tem? Das mais irritantes à mais básica: não sabem fazer conversa. “Se entrar num restaurante com dois ou três adolescentes, cada um está mergulhado no seu telemóvel e não falam uns com os outros. Claro que muitos adultos fazem a mesma coisa. Mas se nem sequer falamos uns com os outros, que ligação podemos desenvolver? Nada os une, não há uma gargalhada, e isso é terrível. O problema dos telemóveis é que mais facilmente se consegue escrever uma mensagem politicamente correta, enquanto no cara a cara pode sair-nos qualquer coisa mais bruta. Mas é mais humano!”

Blogues em vez de diários
Posto isto, há quem até já tenha desenvolvido a tese de que a geração dos ‘millenials’ perdeu o romantismo das relações, visto que tudo passou a ser muito mais fugaz e superficial.
“Acho que o Facebook e as redes sociais em geral não são a causa, mas sim a consequência das mudanças sociais”, explica Teresa Paula Marques. “Estas mudanças fizeram com que a relação entre as pessoas se alterasse. O romantismo caiu em desuso, e tanto jovens como adultos têm pouca capacidade para estabelecer verdadeiras relações de apego, e tudo é rapidamente substituível.”
A chave aqui é que, ao que parece, este desapego não é característico dos jovens. Que eles são mais ‘desapegados’ do que os pais foram parece que é apenas um lugar-comum, e nem sequer é verdade. Em ‘Are Millenials Really the Hook-Up Generation?’ (www.scienceofrelationships.com) mostra-se que a geração que tem hoje 20 anos não é mais instável no amor do que os seus pais. Sempre houve casos de uma noite, mas o Facebook e o Tinder não vieram torná-los mais frequentes do que no passado (pelo menos entre os mais jovens).
Portanto, estamos a olhar para o sítio errado e o drama é outro: “De facto, hoje é fácil estabelecer relacionamentos online que podem passar, ou não, para o offline”, nota Teresa Paula Marques. “Por um lado, preenche-se a necessidade de companhia, por outro, há uma maior possibilidade de escolha. Mas o problema das redes sociais é que tudo agora é muito mais público.” Ou seja, é hoje impossível viver o drama do fim de uma relação no fundo do quarto, sozinho com a nossa dor de cotovelo.
“Acabar um namoro hoje continua a ser tão dramático como no ‘nosso tempo’. Mas o problema é que agora toda a gente fica a saber, porque eles decidem pôr isso no Facebook. E tudo assume uma dimensão muito maior. Nós escrevíamos um diário que escondíamos trancado à chave. Eles agora escrevem para que os outros vejam, e se possível têm blogues, não diários. Portanto, as grandes mudanças surgem principalmente ao nível da perceção do que é íntimo e privado.”
Quer dizer que se eu acabar com o João ou com a Maria todos os meus 5 mil amigos sabem? Pois. E se isso pode, como nota Teresa Paula, provocar fenómenos de censura coletiva, a verdade é que é assim que se funciona hoje. E quem nunca tiver postado um ‘It’s complicated’ no sítio das relações que atire o primeiro like.

É possível controlar o tempo que passam online?
Bem, possível é: parece é ser irrealista e não interessar de facto a ninguém. “É difícil mas não é impossível controlar o tempo de exposição a ecrãs”, nota Teresa Paula Marques. “Já aconteceu o mesmo quando surgiu a televisão. O problema é que os pais não estão atentos a esta questão e, uma vez que os filhos permanecem quietos quando estão ligados, a eles até lhes dá um certo jeito, portanto não impõem regras.”

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