Relações tóxicas: quando o amor sobrevive de migalhas

De acordo com o dicionário de língua portuguesa, a palavra amor define-se como sendo o “sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração”. Atente-se que ao definir-se o amor, fala-se de proteção. Ou seja, de segurança. Contudo, nem todas as relações amorosas pautam por essa segurança, nem pela tranquilidade de se poder ser exatamente quem se é.

Quando há algum tipo de medo associado ao outro, ou à inconstância dos seus comportamentos e reações, dificilmente se vive uma relação saudável e plena. O mais provável é que esteja numa relação tóxica e, apesar dos seus sinais serem subtis, eles existem e magoam, deixando marcas que se prolongam indefinidamente no tempo.

Há, na verdade, várias red flags que estão sempre lá e que passam, invariavelmente, por algum tipo de manipulação ou de assimetria na relação. Quando se sente que o amor do outro vem com condições, dando a sensação de que nunca se está à altura ou de que nunca se é suficiente; quando se percebe que há um desequilíbrio gritante em que prevalece apenas uma opinião, uma vontade, um querer; quando a tensão é constante, os ciúmes normais e os períodos de desprezo (o chamado “tratamento de silêncio”) também; quando há controlo, imposições, inflexibilidade… Tudo isto são características típicas de uma relação tóxica, que retira a auto-estima e o amor-próprio, e que dá a sensação de um caminho sem retorno.

Esta sensação de não merecimento de mais, de algo melhor, que vai sendo amplificada quanto maior for a toxicidade da relação, alia-se a algo que acontece no nosso cérebro. O psicólogo Frederic Skinner levou a cabo uma experiência com ratos, colocando-os numa gaiola que continha uma alavanca. Primeiro, estudou a reação dos animais com estímulos contínuos, ou seja, numa primeira fase, quando os ratos carregavam na alavanca, saía uma bola de comida. Rapidamente aprenderam isso. Depois, carregavam, mas já não obtinham comida. Aqui, perdiam o interesse e não voltavam a carregar na alavanca.

Mas como seria a reação dos animais se, ao carregarem na alavanca, a comida caísse de forma aleatória? Frederic Skinner julgava que os ratos iam deixar de carregar, perder o interesse, mas o resultado foi precisamente o oposto: ficaram obcecados e passaram a pressionar a alavanca sistematicamente. Tornou-se numa espécie de vício que os levou a deixarem de comer e de dormir.

“Deves aprender a sair da mesa quando o amor deixa de ser servido”

Ora, o circuito de recompensa do cérebro tem como objetivo reforçar comportamentos para a nossa sobrevivência, sendo também ativado quando recebemos sinais externos de aprovação e de validação. Com a recompensa e o prazer que dela advém, o nosso cérebro liberta dopamina e serotonina. Quando o estímulo é constante, isto é, quando o prazer é previsível, o cérebro cria habituação e vai libertando menos destas duas substâncias. Mas quando há inconsistência, o nosso comportamento assemelha-se ao dos ratos deste estudo.

Assim sendo, perante a privação de um amor pleno e constante, perante as intermitências de uma aparente estabilidade, o cérebro vai precisando de doses mais fortes destes estímulos, de forma totalmente progressiva. Neste processo, a oxitocina, que é a hormona do amor e da vinculação, é inibida, havendo um desequilíbrio entre ela e a dopamina. É nesta fase que começa a obsessão. Este desequilíbrio hormonal pode, na verdade, levar a pessoa que sofre com a toxicidade da relação a tentar mantê-la a todo o custo, mesmo perante situações que a deixam desconfortável ou que, noutras circunstâncias, não aceitaria.

É este ciclo que torna difícil para os envolvidos perceberem que estão dentro de um relacionamento pouco respeitoso e totalmente tóxico. Para se conseguir sair de uma relação assim – e para que não se volte a entrar noutra – é essencial trabalhar o autoconhecimento, a auto-estima, a comunicação e a assertividade. É, também, fundamental perceber a ferida emocional que leva alguém a aceitar menos do que aquilo que merece. De acordo com vários psicólogos, o gatilho é, por norma, um laço afetivo inseguro na infância, que faz com que se procure nos outros aquilo que não se recebeu.

Fortalecer-se a si, conhecer-se profundamente, praticar o amor-próprio e ter noção clara dos seus limites são passos muito importantes que a vão conduzir num caminho mais seguro e harmonioso. Para isso, deve-se procurar ajuda especializada, ter uma rede de apoio, não se isolar e ter sempre presente que o amor não se vive com condições e que deve sempre acrescentar e não retirar.

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

Moda: Mensagem Recebida

Moda: Mensagem Recebida

Entre luzes e sombras: 7 livros que iluminam o passado (e o futuro)

Entre luzes e sombras: 7 livros que iluminam o passado (e o futuro)

Salão do Móvel: design e inovação em Milão

Salão do Móvel: design e inovação em Milão

Dyson Car+Boat em teste: Aspirador de mão potente para as limpezas de primavera

Dyson Car+Boat em teste: Aspirador de mão potente para as limpezas de primavera

Caras conhecidas à procura de um verão com estilo

Caras conhecidas à procura de um verão com estilo

Filha transgénero de Naomi Watts e Liev Schreiber desfila pela primeira vez em Paris

Filha transgénero de Naomi Watts e Liev Schreiber desfila pela primeira vez em Paris

Olo: Nova cor é tão rara que apenas cinco pessoas a viram

Olo: Nova cor é tão rara que apenas cinco pessoas a viram

Vencedores do passatempo 'Super Charlie'

Vencedores do passatempo 'Super Charlie'

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Que histórias nos contam os painéis de Almada nas gares marítimas?

Que histórias nos contam os painéis de Almada nas gares marítimas?

Um ecrã para o futuro

Um ecrã para o futuro

Fármaco para atrasar défice cognitivo em doentes com Alzheimer com luz verde na UE mas

Fármaco para atrasar défice cognitivo em doentes com Alzheimer com luz verde na UE mas "sob condições restritas"

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Passatempo: ganha convites duplos para a antestreia de 'Super Charlie'

Passatempo: ganha convites duplos para a antestreia de 'Super Charlie'

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Diz

Diz "obrigado" ao ChatGPT? Boa educação dos utilizadores custa dezenas de milhões de dólares à OpenAI

No filme

No filme "Marcello Mio", Chiara Mastroianni transforma-se no seu pai

CARAS Decoração: Cromática, uma coleção desenhada por Pedro Almodóvar

CARAS Decoração: Cromática, uma coleção desenhada por Pedro Almodóvar

Duolingo vai lançar um curso de... xadrez

Duolingo vai lançar um curso de... xadrez

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Relatório: Empresas podem perder até 25% das receitas devido às alterações climáticas - mas também há dinheiro a ganhar

Relatório: Empresas podem perder até 25% das receitas devido às alterações climáticas - mas também há dinheiro a ganhar

Exposição em Paris: ‘Lisboa não sejas francesa’

Exposição em Paris: ‘Lisboa não sejas francesa’

Todas as fotografias do casamento de Daniela e Márcio

Todas as fotografias do casamento de Daniela e Márcio

Um olhar incontornável ao papel das comunidades

Um olhar incontornável ao papel das comunidades

26 consequências surpreendentes do aquecimento global

26 consequências surpreendentes do aquecimento global

Moda: Mensagem Recebida

Moda: Mensagem Recebida

Niu KQi 100P em teste: Sofisticação a bom preço

Niu KQi 100P em teste: Sofisticação a bom preço

45 anos de Jornal de Letras

45 anos de Jornal de Letras

Um viva aos curiosos! David Fonseca na capa da PRIMA

Um viva aos curiosos! David Fonseca na capa da PRIMA

Indústria espacial: Quando o céu já não é o limite para Portugal

Indústria espacial: Quando o céu já não é o limite para Portugal

Matérias-primas: quatro portugueses entre os 47 projetos estratégicos da UE

Matérias-primas: quatro portugueses entre os 47 projetos estratégicos da UE

Alexandra de Hannover: “A minha mãe é muito corajosa. É um pilar para todos nós”

Alexandra de Hannover: “A minha mãe é muito corajosa. É um pilar para todos nós”

Entrevista a Gil Brito, vencedor de 'Got Talent Portugal'

Entrevista a Gil Brito, vencedor de 'Got Talent Portugal'

Receita de Bolo de família com leite condensado, por Cátia Goarmon

Receita de Bolo de família com leite condensado, por Cátia Goarmon

Hyundai Inster: novo elétrico 'compacto por fora e grande por dentro'

Hyundai Inster: novo elétrico 'compacto por fora e grande por dentro'

Iberdrola BP Pulse promete ter 600 carregadores ultrarrápidos em Portugal até ao final deste ano

Iberdrola BP Pulse promete ter 600 carregadores ultrarrápidos em Portugal até ao final deste ano

Tarifar, retaliar, tarifar... A história (muito antiga) das guerras comerciais

Tarifar, retaliar, tarifar... A história (muito antiga) das guerras comerciais

Arnaldo Antunes - Canções do fim do (novo) mundo

Arnaldo Antunes - Canções do fim do (novo) mundo

As imagens das cenas de sexo lésbico de Margarida Corceiro na TVI

As imagens das cenas de sexo lésbico de Margarida Corceiro na TVI

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

As imagens da terceira cirurgia plástica de Fanny Rodrigues

As imagens da terceira cirurgia plástica de Fanny Rodrigues

OMS anuncia acordo histórico sobre pandemias, com EUA de fora das negociações

OMS anuncia acordo histórico sobre pandemias, com EUA de fora das negociações

CARAS Decoração: 20 estantes e prateleiras para deixar a casa organizada

CARAS Decoração: 20 estantes e prateleiras para deixar a casa organizada

Cerimónias fúnebres de Nuno Guerreiro começam hoje

Cerimónias fúnebres de Nuno Guerreiro começam hoje

Artrite reumatoide: tudo o que precisa de saber sobre esta doença

Artrite reumatoide: tudo o que precisa de saber sobre esta doença