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O que é a criminologia?
É uma ciência social que estuda o crime, os criminosos e as suas motivações. Estudamos os vários tipos de crime, de que modo é que a sociedade reage, e os efeitos do nas vítimas, tentando descobrir padrões e referências que permitam criar teorias e soluções para ajudar os legisladores, a polícia e outros profissionais a prevenir e a combater o crime.
Como funciona na prática?
No terreno, as pessoas que lidam de forma diária com estas situações contactam a Escola de Criminologia para produzirmos estudos que lhes interessam. Por exemplo, fomos contactados pela Comissão Para a Cidadania e a Igualdade de Género, para estudarmos os efeitos das chamadas medidas de teleassistência no apoio a vítimas de violência doméstica, mas também pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses para estudarmos a forma como os tribunais aplicam as penas aos crimes de violência doméstica e às agressões sexuais. Também estudamos crimes ambientais a pedido da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e já fomos contactados pela PSP também, entre muitas outras entidades. O crime provoca muitas emoções e o que estas entidades querem são propostas de soluções não com base na emoção do momento mas na racionalidade, nos factos, naquilo que se sabe com evidência científica.
Porque é que os crimes nos interessam tanto?
Há autores que dizem que todos os seres humanos nascem com propensão para a transgressão e para o desvio, mas para funcionarmos em sociedade temos de aprender a seguir regras. Mas também há quem diga que, para se dar um crime, é preciso sempre uma motivação, quer seja emocional quer seja económica, assim como uma oportunidade. E depois existem fatores de risco como o consumo de certas substâncias, situações de exclusão, padrões de comportamento anteriores, que podem aumentar a probabilidade de alguém vir a cometer um crime. Portanto, na verdade existem situações em que todos nós nos sentiríamos potencialmente tentados a cometer algum tipo de crime, mas nem toda a gente o faz. Mas não nos podemos esquecer que os crimes são muito diferentes entre si…
Portugal continua a ser dos países mais seguros do mundo?
Verdade. Mas neste momento assistimos a um aumento, por exemplo, do registo da cibercriminalidade. Claro que este tipo de crimes não são os que mais aparecem nas séries e nos filmes, onde se fala dos crimes mais violentos, que nos chocam mais, pelos quais as pessoas têm mais curiosidade. Os crimes de sangue são os que causam mais impacto, medo e alerta, mas não são os mais frequentes. São fáceis de identificar e muito ligados aos nossos medos ancestrais: o medo da agressão, da morte, do sofrimento. Claro que eles acontecem, com consequências tremendas para as vítimas e para os seus familiares. Mas não são os mais comuns.
Fale-me um bocadinho sobre serial killers…
Temos muito o fantasma do ‘serial killer’ mas esquecemo-nos de que o maior serial killer hoje é a poluição. É o fator que causa mais mortes prematuras no mundo. Mas nós, enquanto sociedade, parecemos obcecados com psicopatas e assassinos em série porque gostamos de pensar ‘nós não somos assim’ e as séries desumanizam estas pessoas. Mas a verdade é que as pessoas comuns cometem crimes, ainda que com graus muitíssimos diferentes de gravidade. Mas acho que também tem havido uma alteração de sensibilidade em Portugal, porque a sociedade evolui e há valores que mudam. Por exemplo, ainda no tempo dos nossos avós, a violência doméstica não era crime e agora é, porque percebemos que o lar nem sempre é um sítio seguro e já não toleramos esse tipo de agressão.
Atualmente tem-se apostado muito também na prevenção…
Sim. Por exemplo, nas escolas já se fazem várias ações de sensibilização das crianças e jovens. Quando se vai à escola falar sobre bullying ou sobre violência no namoro, isso também tem como objetivo tentar prevenir comportamentos graves no futuro.
Qual foi o crime que mais a chocou?
Eu não me debruço sobre crimes violentos, tenho-me especializado mais em crimes económicos e ambientais. Mas mesmo nestes casos, há crimes muito chocantes. Lembro-me de um caso que aconteceu nos anos 70, nos Estados Unidos e que ficou para a História. A Ford lançou um modelo de carro, chamado Pinto, que teve muito sucesso mas explodia quando havia um impacto na traseira. Depois verificou-se que a marca sabia deste problema mas manteve os carros em circulação. Claro que muita gente morreu e ficou ferida. Mas a Ford tinha feito as contas e ficava-lhes mais barato pagar as indemnizações às vítimas do que retirar o carro do mercado. Isto é chocante, principalmente quando vindo de empresas e feito de forma tão fria. Também me interesso pelos crimes ambientais. Um tipo de crime ambiental são por exemplo os incêndios quando há fogo posto, que têm impacto não apenas nas pessoas que sofrem mas também na natureza, e este impacto prolonga-se em comunidades às vezes durante gerações. O ‘greenwashing’ agora também está muito na moda, por razões puramente económicas.
O que é que estudar os outros nos ensina sobre nós próprios?
Boa pergunta. Acho que nos mostra que pertencemos todos à mesma natureza humana. Podemos ter cores de pele diferentes, géneros diferentes, histórias familiares diferentes, mas pertencemos todos à mesma experiência que é sermos humanos, com dúvidas, com medos, com erros, mas também com capacidade de mudança.”