Somos cerca de 50% da população mundial, o que corresponde a 3,9 mil milhões de mulheres em todo o mundo. É tão certo que vamos todas ter de passar pela menopausa um dia, como eu estar aqui a escrever estas palavras. E no entanto não se fala praticamente nada sobre esta fase da vida das mulheres, como se fosse tabu, não existisse, e quando lá se faz algumas referências têm todas conotações negativas: fim de vida, envelhecimento, incapacidade para ter filhos, ou seja, estamos acabadas. Maria Gonçalves tem hoje 52 anos, mas aos 43 começou a ter sinais de perimenopausa quando isso nem lhe passava pela cabeça. “Para mim, era algo que acontecia lá para os 50 e tal anos e era uma coisa passageira, como se fosse uma mosca chata que tivéssemos de enxotar. Nunca foi tema que me preocupasse porque não me lembro de alguma vez a minha mãe, tias, amigas, falarem disso, nunca. Lembro-me da primeira vez que tive um ‘sintoma’, porque aconteceu a meio de uma reunião de trabalho. Eu não tomava a pílula mas era certinha e andava sempre prevenida com pensos e tampões atrás. Estava um colega meu a apresentar um relatório, quando começo a sentir que preciso de ir à casa de banho. Tinha-me vindo o período muito antes do que estava à espera. Pensei que me tinha trocado nas datas e mais nada. Só que o período foi tão abundante que usei todo o meu stock em poucas horas e por um triz não sujei a roupa e a cadeira de trabalho. Lembro-me bem do pânico que senti por causa disso. Nos meses seguintes, os ciclos foram muito erráticos, comecei a notar que a memória me falhava às vezes, e comecei a sentir muita ansiedade às vezes por coisas parvas. Nessa altura fui à ginecologista e contei as minhas preocupações com os períodos enlouquecidos. A médica falou-me em perimenopausa porque tudo aquilo ‘estranho’ que eu tinha sentido era sinal disso mesmo, parecia que tinha sido decalcado a papel químico dos livros de saúde. Fiquei em choque quando soube que os primeiros sinais de menopausa acontecem por volta dos 45 anos, mas há quem os tenha mais cedo, como eu. E a médica ia falando e a minha cabeça rodava: ‘como é que nunca tinha ouvido falar em perimenopausa? Não sou uma pessoa ignorante, como não percebi que era isto? Por que não falamos da menopausa como de puberdade ou gravidez?’ Senti-me enganada, revoltada, mas também aliviada, porque pelo menos havia uma explicação biológica, não estava a ficar com demência.”
Menopausa Divertida
Divertida?! O que tem isto de divertido, podem pensar, mas Cristina Mesquita de Oliveira, profissional da indústria farmacêutica, fundadora do grupo de Facebook ‘Movimento Menopausa Divertida Portugal’ e da página no Instagram com o mesmo nome, garante-nos que é. “O grupo da Menopausa Divertida deu os primeiros passos a 18 de outubro de 2019, o Dia da Menopausa. Andei esse ano a pensar no que me tinha acontecido até descobrir que estava na menopausa e achei que era uma injustiça muito grande e que não fazia sentido as outras mulheres passarem por isto, neste stresse por causa de uma coisa tão natural na nossa vida. O objetivo de constituir um grupo no Facebook era reproduzir aquilo que fazíamos em miúdas, em que falávamos com amigas sobre o período, em que legitimamos aquilo que estamos a sentir com pessoas da nossa faixa etária e que estão a passar pelo mesmo que nós. Procurei na net se havia algo parecido e encontrei grupos a falar de menopausa em Inglaterra, Espanha, França, Brasil, mas em Portugal nada. É importante que seja em português, a nossa educação, cultura e vivências são diferentes das mulheres que vivem nesses países. Criei o grupo e tive de lhe dar um nome. Queria contrariar a forma de estar típica portuguesa que é a da vida desgraçada, do fado, da saudade. Pensei em divertida e assim ficou. Fui passando a palavra e hoje temos mais de 25 mil participantes nas duas redes sociais. Cada vez que uma mulher adere e pergunta como é que a menopausa pode ser divertida, respondo sempre ‘espera até estarmos juntas e vais ver como vai ser divertido’. E a realidade é mesmo essa, de diversão. Partilhamos experiências pessoais, o que resultou connosco, damos conselhos e confortamo-nos, e tentamos minimizar os sinais, brincamos com os calores que não chamamos de afrontamentos, um nome horroroso, isso é para os pobres de espírito, preferimos hot flashes, é mais chique [risos], até fica bem numa vernissage. E não temos lapsos de memória ou confusão mental, temos brain fog, que é muito mais giro e nem toda a gente sabe o que é [risos]. Brincar com as coisas acaba por lhe tirar o peso de cima, aquele tormento, a desgraceira, aquela ideia, completamente errada, sublinho, de que estamos na reta final da vida.”
Mudança de mentalidades
Os primeiros sinais de menopausa, ou melhor, da perimenopausa (peri vem do grego e significa ‘à volta de’), começam a fazer-se sentir, por norma, pelos 45 anos, e podem durar 10 anos. Só depois de a mulher estar um ano sem períodos menstruais é que está em menopausa. A partir daí estará em pós-menopausa. Dos 45 anos aos 83, que é a esperança média de vida das mulheres portuguesas, vão 38 anos – muitos deles a trabalhar ativamente – e como é possível estarmos todo este tempo em final de linha, como nos querem convencer?
“A sociedade olha para a mulher em menopausa como uma mulher que já não tem serventia. Mas a mulher em menopausa no século XXI é muito diferente da que era no século passado. Temos de acabar com aquela ideia de que a menopausa é um bicho de 7 cabeças que nos condena a ser gordas, irritadas e cheias de calor. Nós mulheres em menopausa deste século somos giras, trabalhamos e temos muita vida pela frente, sonhos por concretizar e direito a uma vida pessoal e íntima. Temos mesmo de arrumar isto nas nossas cabeças, juntas, e eu vejo isso acontecer no dia a dia no nosso grupo. A mulher hoje trabalha até aos 67 anos, ou seja, um terço da nossa vida profissional é passada em menopausa, como podem dizer que estamos na reta final? É para travar estas ideias-feitas, estes preconceitos, e dar mais apoio à mulher nesta fase que estamos a preparar a constituição da associação portuguesa de menopausa, Vidas, para andar para a frente com propostas de legislação laboral que proteja as mulheres em menopausa como na gravidez, coisas simples que já se estão a fazer no Reino Unido, como poder sair mais cedo para ir ao médico, poder trabalhar em casa por causa dos hot flashes ou porque os períodos são muito abundantes e não se sentem à vontade numa reunião presencial… são assuntos de que muitas se acanham de falar, com medo de sofrer represálias também. Para que esta fase seja encarada com transparência e honestidade, não como um problema, nem da parte da mulher nem da entidade patronal, de modo a que tudo corra bem para ambas as partes, é preciso mais conhecimento e legislação”, remata Cristina Mesquita Oliveira.
Não somos só nós
Esta forma de falar em surdina, en passant, meio escondida e envergonhada da menopausa não é exclusiva do nosso país ou do sul da Europa. Mariella Frostrup, uma conhecida jornalista e apresentadora britânica, há uns anos decidiu propor à BBC fazer um documentário sobre a menopausa. ‘Não’ foi a resposta que ouviu durante 3 anos, ninguém quer ouvir falar dessas coisas das mulheres, não há público, isso é da esfera privada, bla bla, as desculpas foram-se sucedendo até a persistente Mariella receber o tão esperado ‘vai em frente’. Depois de ‘A Verdade sobre… a menopausa’ ter ido para o ar, Mariella não podia dar um passo na rua sem ser abordada por uma mulher a agradecer ter feito o programa. Também na Suécia, sim esse país nórdico onde há a maior igualdade entre homens e mulheres, não se fala sobre menopausa o suficiente, pelo menos é o que a jornalista Katarina Wilk sentiu quando começou com os sinais de perimenopausa e não fazia ideia do que era. Foi essa a razão que a levou a escrever o livro ‘Perimenopower’, a contar a sua história pessoal, que é também uma espécie de guia para que esta fase mais desconhecida da vida das mulheres seja menos perturbadora.
Menopausa = sexualidade zero
É impossível falar deste tema sem me lembrar do juiz português que, em 2014, ao pronunciar-se sobre o caso de uma mulher que devido a um erro médico ficou incontinente e com quase total incapacidade para ter relações sexuais, lhe diminuiu para metade a indemnização por a queixosa ter “50 anos e dois filhos, uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens”. Arrepiante, é o mínimo que se pode dizer desta justificação, faria o mesmo a um homem nas mesmas circunstâncias? A sexualidade feminina depois da menopausa também é um assunto não falado.
“Os temas-tabu em torno da sexualidade e do corpo não se esgotam na menopausa. A menstruação, a masturbação feminina ou o orgasmo são exemplos de silêncio e invisibilidade. Temas associados ao universo feminino são remetidos para a esfera do privado, dos assuntos menores que não têm lugar nas arenas públicas de intervenção e reflexão. E depois associa-se a menopausa a envelhecimento, e esta ligação é particularmente prejudicial às mulheres na esfera laboral. O corpo produtivo é um corpo jovem, forte, saudável, sem doença crónica ou deficiência. Nesta lógica capacitista (que sobrevaloriza os chamados ‘corpos capazes’) e idadista (que sobrevaloriza os corpos jovens), qualquer sinal de envelhecimento é desencorajado e isso penaliza duplamente as mulheres. Um exemplo que cruza desigualdade, discriminação em relação à idade e sexismo em meio laboral são os cabelos grisalhos: todos os dias vemos peritos, decisores políticos e apresentadores televisivos com cabelos grisalhos; muito raramente vemos mulheres de cabelos grisalhos nas mesmas posições. Enquanto não reconhecermos o envelhecimento como um processo natural que se manifesta através do nosso corpo de maneiras diversas, sem que isso represente uma ameaça, continuaremos a fazer de conta, contribuindo ativamente para a desinformação e um silêncio que oprime. Os silêncios agravam problemas, nunca criam soluções”, diz-nos Ana Cristina Santos, doutorada em Estudos de Género, investigadora principal do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra. Vamos acabar com o silêncio?
O que elas disseram sobre a menopausa
Michele Obama
“Estava pronta para sair do helicóptero Marine One para participar num evento quando, de repente, senti que alguém tinha ligado um forno no máximo e eu estava a derreter. Pensei, ‘que loucura, não consigo, não consigo fazer isto’. Barack não perdeu a calma, como estava habituado a trabalhar com mulheres na menopausa, disse para aumentarem o ar condicionado.”
Kristin Scott Thomas
“Adorei quando a minha personagem em ‘Fleabag’ diz exatamente o que senti: ‘Temos dor em cada ciclo por anos e anos e o que acontece quando, finalmente, fazemos as pazes com esse processo? A menopausa. E é a coisa mais maravilhosa do mundo. Sim, o pavimento pélvico desmorona-se, ficas com um calor de m**** , mas depois somos livres.
É horrível, mas é magnífico.”
Kim Cattrall
“Foi ótimo interpretar Samantha de ‘Sexo e a Cidade’ a passar por todos os tipos de mudanças e desafios relacionados com a menopausa, de uma forma franca e honesta. Isso inspirou-me a ser aberta em relação aos meus sentimentos sobre esse processo na vida real. Milhões de mulheres passam por isso, faz parte da natureza, mas pode ser muito confuso e fazer-nos sentir isoladas.”
Whoopi Goldberg
“Como é que podem manter um homem com uma ereção durante 19h e ainda não inventaram nada para nos refrescar durante um afrontamento? Como é que isto é possível?”