Se já ficou encavacada quando o seu filho resolveu perguntar, no meio do jantar de Natal da família, ‘ó mãe, o que é um orgasmo’ ou ‘se os meninos também têm o período como as meninas’, sabe que falar de sexo com crianças e adolescentes não é tarefa fácil.
Há muito que temas ligados à sexualidade, das diferenças entre meninos e meninas à contraceção, são abordados ao longo da escolaridade básica. Mas desde o ano letivo 2009/2010, a Lei 60/2009 vem estabelecer a obrigatoriedade do ensino de educação sexual nas escolas, a começar logo no primeiro ciclo e até ao fim do secundário e, sempre que possível, numa abordagem multidisciplinar. "A Educação Sexual (ES) faz parte de uma área mais vasta que é o Projeto de Educação para a Saúde, que tem quatro vertentes: sexualidade, educação para os consumos perigosos [álcool e drogas], violência e o corpo/alimentação", explica Duarte Vilar, diretor executivo da Associação para o Planeamento da Família.
O que vai ser ensinado
Célia Nobre é professora de Ciências Naturais e coordenadora do programa de Educação Sexual para o 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, numa escola de Quarteira, e explica-nos o que vai ser ensinado, por ciclos de ensino:
• "Para o primeiro ciclo, onde está articulada com a disciplina de Estudo do Meio, aconselham-se conteúdos como a noção do corpo e a sua harmonia com a Natureza, as diferenças entre rapazes e raparigas e noção de família. Faz-se também já uma abordagem à proteção do corpo e noção de limites, de modo a conseguirem dizer não a aproximações inapropriadas por parte de adultos – no final do 4.º ano já devem ter a noção e saberem que devem dar conhecimento disto à família ou professor.
• "No segundo ciclo fala-se do conceito de puberdade, nas transformações biológicas e emocionais, dos carateres sexuais secundários (que serão depois aprofundados no terceiro ciclo). Começam a abordar-se conceitos como sexualidade e género, diversidade e tolerância, valores.
• "No 3.º ciclo, recomenda-se que se continue a falar de valores, identidade de género, fala-se de afetos, maturidade emocional, capacidade de lidar com frustrações, faz-se uma primeira abordagem à dimensão ética da sexualidade. Aborda-se a prevenção do abuso físico e sexual, fala-se sobre comportamentos sexuais de risco, violência no namoro e sobre a capacidade de dizer não às pressões emocionais e sexuais. Há também uma primeira abordagem ao ciclo menstrual e às infeções sexualmente transmissíveis (IST), com algum relevo para o VIH/sida, e métodos de prevenção, que são dados mais a fundo no 9.º ano, em Ciências. Este é o ano em que se fala de maternidade, gravidez na adolescência e se abordam as taxas de interrupção voluntária da gravidez, mas também as sequelas que isso traz.
"Para o primeiro e segundo ciclos, aconselham um número de horas nunca inferior a seis, espalhadas pelo ano letivo; no segundo ciclo, 12 horas ao longo do ano", continua a professora. "Não há imposição de alturas certas durante o ano letivo. Tudo isto tem de ser gerido consoante a turma, a sua maturidade, os conhecimentos que já têm."
Material para discórdia
Contém amostras dos principais métodos contracetivos e um modelo em esferovite de um pénis, para demonstrar a aplicação do preservativo: o kit de contraceção do programa de educação sexual, produzido pela APF, costuma ser usado nas aulas de Ciências do 9.º ano e tem sido um dos alvos das críticas das associações de pais contra a obrigatoriedade da ES. É apenas um dos quatro kits, divididos pelos três ciclos de ensino básico mais secundário, produzidos por aquela associação, e que se destinam a professores e profissionais de saúde, os únicos a quem cabe apresentá-los e interpretá-los. Duarte Vilar esclarece: "São feitos com a flexibilidade que permite aos professores escolher os materiais e atividades que estão mais adaptados aos alunos que têm à frente. Num ano vendemos cerca de dois mil às escolas."
Célia Nobre já avisou os pais da sua direção de turma que vai usá-lo. "Até agora não tive qualquer problema com qualquer pai. Sou professora de Ciências há 16 anos e sempre ensinei os métodos contracetivos no 9.º ano, como parte do programa. Sempre tive amostras de contracetivos e expliquei as suas vantagens e desvantagens. Só não tínhamos um pénis de esferovite para demonstrar a aplicação do preservativo, mas cheguei a usar bananas ou o polegar."
Mas a utilização pedagógica deste e outros kits não é totalmente pacífica. No passado ano letivo, a associação de pais do Colégio de Santa Maria, em Lisboa, endereçou uma queixa ao Ministério da Educação sobre o conteúdo de um kit do segundo ciclo destinado a crianças dos 9 aos 12 anos. Segundo o comunicado citado pelo ‘Correio da Manhã’, os pais consideraram que os materiais "incentivam a masturbação, promovem a promiscuidade e as práticas homossexuais". A queixa diz respeito a passagens de livros onde se fala de masturbação e se refere que as experiências com pessoas do mesmo sexo "são normais nesta fase e não significam que mais tarde se venha a ser homossexual". Para Duarte Vilar, acusações deste tipo feitas aos livros "têm um aspeto censório perigoso na sociedade. As escolas sempre puderam comprar os materiais que quisessem para abastecer os centros de recursos e bibliotecas, sem nunca haver, por parte de nenhum grupo exterior, o direito de se oporem".
"O meu filho não!"
A exposição ‘Sexo… e então?’, para crianças dos nove aos 14 anos e patente no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, também está a ser alvo de duras críticas por parte de associações de pais. Na exposição, os mais novos ficam a saber como o preservativo ajuda a proteger o contágio do HIV, aprendem a reconhecer e dizer não a toques impróprios por parte de adultos, mas também podem ver exemplos de posições sexuais e alterações no corpo humano provocadas pela excitação sexual.
Mas a principal voz de oposição ao programa de Educação Sexual nas escolas vem da Plataforma Resistência Nacional, que conta com cerca de 800 pais. Recusam a obrigatoriedade do ensino de Educação Sexual, que definem, num comunicado de 9 de abril deste ano, como uma "intolerável intromissão do estado na esfera de autonomia das famílias. Nós amamos. Nós criamos. Nós pagamos. Nós educamos. O estado não ama, não cria, não paga e não vai educar. Os nossos filhos não serão cobaias de experiências demenciais". Reivindicam que os filhos possam faltar a estas aulas com o seu consentimento e, no seu site,
www.plataforma-rn.org, disponibilizam o modelo de uma carta que outros pais contra podem preencher e entregar na escola dos seus filhos. Duarte Vilar contesta a eficácia desta medida: "As escolas organizam o ensino da Educação Sexual no programa normal das diversas disciplinas. Não estou a ver como é que os encarregados de educação vão descobrir que naquele dia específico, às tantas horas, vai ser dada uma aula de Educação Sexual, de modo a justificarem as faltas dos filhos. Estão a cortar um direito, que está na lei, que não é dos pais e, sim, das crianças e jovens."
Para Célia Nobre, alguns pais têm uma ideia errada sobre o ensino da ES. "Não lhes é dito qual é a idade certa para terem relações sexuais. Não temos que lhes transmitir aquilo com que concordamos ou não; temos que ser completamente isentos no que transmitimos." Duarte Vilar também desdramatiza a polémica: "Não temos conhecimento de nenhuma escola com associação de pais que tenha dificultado a implementação da Educação Sexual. Aliás, qualquer uma das confederações de associações de pais é largamente favorável ao programa de ES. Um estudo feito pela Deco, com mais de três mil pessoas, concluiu que não só a esmagadora maioria dos pais era a favor, como achava que deveria existir uma disciplina de Educação Sexual."
Guerra aos mitos e tabUs
Seria de esperar que hoje, com informação à distância de um clique, os jovens tivessem mais conhecimentos do que a geração dos seus pais relativamente à sexualidade. Célia Nobre sabe que esse dia ainda vem longe. "Ainda há muitos tabus, muitas comparações, as opiniões dos colegas têm muito peso. Muitas raparigas chegam à adolescência sem saber por que é que têm menstruação; sabem que ela vai aparecer, mas não sabem o significado nem os riscos que correm. Além disso, notamos que raparigas e rapazes de 12 e 13 anos têm uma noção totalmente deturpada de sexo. O conceito de relação sexual está a deixar de ser associado ao afeto e é completamente banalizado. Agora fala-
-se mais do assunto, mas continua a marginalização da homossexualidade. Ser gay continua a ser um insulto entre jovens." Razões para uma intervenção pedagógica, em que a sexualidade ganhe dimensão afetiva e ética, garante a professora. Mas, até agora, os frutos têm sido muito satisfatórios. "Os meus alunos têm uma recetividade ótima à Educação Sexual. Fizemos uma peça de teatro onde abordámos o namoro e a pressão para a primeira relação sexual e atividades relacionadas com a prevenção do HIV/sida. Levei-lhes um livro com depoimentos de seropositivos de todas as idades, que analisámos… e deixou-os pensativos." O conhecimento e prevenção sobre IST é outra vantagem deste programa, para o diretor da APF: "É fundamental para a prevenção de um risco muito real de contágio do HIV/sida, mas também do Papiloma Vírus Humano, das hepatites e outras IST menos graves, mas que, quando não tratadas, podem dar complicações, como a tricomoníase. É muito importante que os jovens adquiram uma cultura preventiva e de saúde que lhes permitam ter atitudes saudáveis na altura certa, mesmo que ainda não tenham atividade sexual."
** Este artigo foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico **
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