Maria Bárbara terminou ontem à noite um namoro de doze anos. E doze anos, como lhe recorda o abandonado noivo, não são doze dias. Além disso, Maria Bárbara terminou o namoro sem ter tido a coragem de o fazer olhos nos olhos, "e isso não te posso perdoar nunca!". Ao que parece, Maria Bárbara terminou o namoro por carta, imagine-se!, "onde é que já se viu, Maria Bárbara", queixa-se ele, "ainda por cima agora que já ninguém escreve cartas a ninguém! Pelo menos era o que tu estavas sempre a dizer, tu nunca me escreveste uma carta de amor, Maria Bárbara! Só esta agora, porquê, Maria Bárbara? Tens-me raiva?", quer ele saber, e evidentemente quer saber coisas muito mais importantes do que isso. "Tens outro, Maria Bárbara?, diz-me, tens outro?", porque se Maria Bárbara tiver outro ele promete que desaparece, que nunca mais lhe fala, que não insiste, mas quer ouvir isso da sua própria voz, "diz-me, Maria Bárbara, porque tem de haver outro, não se acaba assim uma relação de tantos anos se não houver outro, apesar do que tu dizes nesta maldita carta", e repete que nem lhe quer mal por isso, no coração ninguém manda, só quer saber a verdade, toda a verdade, com a verdade ele afirma saber lidar, com a mentira é que não. "Até porque tínhamos jurado dizer sempre a verdade um ao outro, não te lembras, Maria Bárbara?, e eu nunca te menti, nunca". Mas as juras são sempre falíveis e efémeras, ele já devia saber mas pelos vistos não sabe e, por mais voltas que dê não lhe sai da cabeça que ela tem outro, "há quanto tempo, Maria Bárbara? Vá, confessa, há quanto tempo é que tu me enganas?, se calhar até o conheço, se calhar até já o vi contigo, não? Se calhar é um daqueles muitos amigos que tu me apresentavas e eu, lorpa, engolia tudo. A minha irmã é que tinha razão: muitos amiguinhos tem a Maria Bárbara!, dizia-me ela muita vez, com aquele sorriso trocista ao canto da boca que tanto me irrita. E eu sempre a desculpar-te, sempre a defender-te, Maria Bárbara, e se calhar vai-se a ver ela é que estava certa em desconfiar".
Se calhar. Ele até já está arrependido de se ter zangado com ela uma vez, "e olha que estive para aí uma semana sem lhe falar, Maria Bárbara. Porquê? Ainda perguntas? Porque era parvo, Maria Bárbara, porque acreditava em ti e na jura que tínhamos feito: a verdade, sempre a verdade. Porque não suportava que falassem mal de ti. Porque para mim, Maria Bárbara, tu eras a perfeição na terra".
Mas perfeição é coisa que não existe em lado nenhum, também isso ele já devia saber, mas pelos vistos não sabe, por isso tudo lhe parece tão absurdo, "sobretudo a carta, Maria Bárbara!, não podias ter-me dito tudo cara a cara?".
E lá volta tudo ao princípio, santo Deus!, a carta, Maria Bárbara, tens outro, Maria Bárbara, desde quando, Maria Bárbara, é alguém que eu conheça, Maria Bárbara…
… E são três da manhã, Maria Bárbara, e nós todos aqui no prédio gostaríamos de poder dormir, Maria Bárbara, mas o homem, que pelos vistos abandonaste depois de um namoro de doze anos, há horas que se passeia para cima e para baixo aqui na nossa rua, aos berros no telemóvel, e nós já sabemos a tua história toda, Maria Bárbara, e não foi lá muito bonito teres-te despedido por carta, mas pronto, isso é lá com vocês, porque nós, Maria Bárbara, nós estamos todos inocentes e só queríamos poder adormecer em paz. Para a próxima vez
que acabares namoro, Maria Bárbara, acaba a horas decentes. Ou certifica-te que o homem que vais deixar tem a bateria do telemóvel descarregada.