Descobri a arte de Laura através de um ‘olha lá esta conta de Instagram’ e foi paixão à primeira vista. O tema ambientalista de @_bolbo, os tons, o traço imperfeito, as frases inspiradoras, conquistaram-me. Estávamos a meio do confinamento, se calhar estava a precisar de ver coisas bonitas e inspiradoras, se calhar estávamos todos, porque foi durante este período que Laura viu aumentar os seguidores. Quisemos conhecer a mulher e a artista por detrás dos pincéis, tintas e tesouras da @_bolbo.
Opção B
Laura tem 43 anos, 3 filhos e mora perto de Torres Vedras, numa aldeia perdida no campo que a inspira todos os dias e lhe dá a calma que precisa para criar. Hoje está como quer, rodeada pelos que ama, com tempo para os ouvir e para se dedicar à sua arte, algo que durante anos ficou em lume brando. Assume-se como artista a 100%, mas nem sempre foi assim. Laura nasceu em Lisboa, em 1979, filha de pai moçambicano e mãe com raízes na zona Oeste, curiosamente na zona onde hoje reside. “Cresci numa casa feliz, a minha mãe trabalhava em casa, a tomar conta dos filhos, o meu pai é pintor e escultor de formação e foi professor de História da Arte. Lembro-me de ir ao ateliê do meu pai roubar-lhe materiais para experimentar, íamos muito a exposições e quando viajámos os museus eram paragem obrigatória.” Mas apesar de crescer rodeada de arte e de aos 18 anos ter feito a sua primeira exposição de pintura a aguarela, chegou a altura de escolher um curso e foi para… Psicologia. “Os meus pais não queriam que eu fosse para Artes. Naquela altura, os artistas eram vistos como bon vivants, fantasiosos, e embora esta descrição não correspondesse à realidade que eu conhecia, porque o meu pai não era nada assim, senti-me obrigada a seguir outro caminho. No segundo ano do curso estive quase a desistir, porque tanto colegas como professores viam que o que me movia era a Arte, mas concluí o curso porque escolhi a área de desporto, algo de que também gostava muito até porque cheguei a ser atleta do Sporting.”
Período de viragem
Apesar de ter tentado trabalhar em Psicologia do Desporto, havia pouca oferta e Laura resolveu fazer algo diferente, mais ligado ao marketing e comunicação de empresas. Como tinha jeito para desenhar, era sempre a ela que pediam para fazer o design dos projetos, e voltou a criar. “Eu bem tentava fugir à arte, mas ela veio sempre ter comigo.”
Tinha 23 anos quando conheceu o marido e 26 quando teve a primeira filha, Inês, hoje com 16. Como o marido e ela tinham o sonho de viver no campo, foram para uma casa perto do sítio onde moram hoje, mas as viagens longas e constantes para Lisboa tornavam o seu quotidiano numa correria muito cansativa. A casa era pequena e fria e no ano em que Inês nasceu até nevou em Torres Vedras, “cheguei a enfiá-la dentro da minha camisola por causa do frio e da humidade. Foi terrível! Entretanto, o trabalho continuava em Lisboa e cheguei a pedir à minha mãe para ficar com a bebé enquanto eu ia trabalhar, mas senti-me muito mal porque não estava a conseguir um equilíbrio entre o meu lado profissional e o ser mãe. Decidimos voltar à cidade. Agora morávamos mais perto do trabalho e eu ia de comboio para Lisboa, só que tinha de levar também a minha filha à creche. Apesar das distâncias serem mais curtas, a correria continuava, era o desespero para sair às 18h, apanhar o comboio e chegar à escola antes de fechar. Era de partir o coração vê-la triste, porque muitas vezes era a última e já estava muito escuro. É o que acontece a tanta gente, não mata mas mói”. Entretanto Laura volta a engravidar e tem a segunda filha, a Rita, hoje com 11 anos. Era feliz, tinha um trabalho, ou melhor, às vezes tinha 2 ou 3 ao mesmo tempo, duas filhas lindas, só que o cansaço começou a acumular-se e “comecei a ter sinais de burn out. O meu estilo de vida estava a pôr-me doente. Fui parar ao Santa Maria com sinais de exaustão física e mental, mas melhorei depois, só que entretanto fiquei com mononucleose, o que me debilitou mais. Começou com uma dor de garganta que não passava, mesmo depois de vários antibióticos, e só quando já não conseguia falar e estava com dificuldades respiratórias é que decidiram fazer mais análises e descobriram o que eu tinha”. Este período, em que foi obrigada a parar, fê-la tomar uma decisão. “Aos 30 anos dei o meu grito do Ipiranga e deixei de fugir de mim. Literalmente parei e pensei ‘quem é a Laura? O que fazia a Laura feliz em criança e agora?’ E via-me sempre a desenhar, pintar… Estava na altura de assumir esse lado a 100% para ser feliz.”
“Tive de parar e pensar ‘quem é a Laura? O que me fazia feliz em criança e agora?’ E via-me sempre a pintar. Estava na altura de me dedicar 100% à arte!”
Regresso ao campo II
Há 9 anos, Laura e o marido decidiram voltar ao campo. Disseram adeus a Sintra e olá de novo a Torres Vedras. Para dar às filhas alguma estabilidade neste processo de transição, Laura continuou a levá-las para a escola em Lisboa, mas começou a ver o cansaço a acumular-se também na filha Inês, “levantava-se muito cedo e não tinha tempo para os tpc. Andava exausta”. Por esta altura, já tentava arranjar emprego na zona onde vivia ou trabalhar mais a partir de casa, mas sem sucesso. “Algum tempo depois, engravidei e perdi o bebé. Comecei então a negociar com a minha empresa para ficar mais tempo em teletrabalho mas não foi possível e decidi que me vinha embora. Foi a única empresa de onde não saí a bem. Já não aguentava mais e ainda por cima estava grávida novamente. Estar desempregada foi assustador, era menos um ordenado ao fim do mês, dois filhos e um terceiro a caminho, mas tinha o apoio total do meu marido.”
Quando se preparava para ter uma gravidez mais calma, começou a ter dores fortes no cotovelo. Foi a cinco médicos e um ainda chegou a dizer-lhe que era melhor abortar porque de outro modo não poderia tomar os medicamentos para tratar a bursite. Laura recusou e procurou outra forma de aliviar a dor. Optou pela osteopatia e começou a sentir-se melhor, só que após uma das sessões teve um descolamento parcial da placenta que a obrigou a repouso total até ao dia do parto.
O bebé milagre
O dia em que o seu terceiro filho nasceu foi ao mesmo tempo muito feliz e traumático. Laura emociona-se ao relembrar o que se passou. “Comecei a ter contrações muito fortes que foram piorando à medida que o tempo passava. Como a equipa médica que me acompanhava estava no Hospital Amadora-Sintra, quase voámos na autoestrada até lá chegar. Sabia o que eram dores de parto mas aquelas eram muito piores. Cheguei ao hospital às 2h da manhã, estava tudo em silêncio, só se ouviam os meus gritos de dor. O pessoal médico pensou que estava a exagerar, mas no momento da expulsão perceberam que tinha um descolamento total da placenta. O Pedro quando nasce estava… morto, não respirava. Só percebi que qualquer coisa estava mal quando o meu marido, com um ar muito sério, e com a equipa médica ao seu lado, diz ‘o que interessa é que estás bem’. Tentei ver o meu bebé, e o que vi ainda hoje não consigo tirar da cabeça. Eu simplesmente recusei aquela realidade, tinha perdido um bebé antes, o emprego, tinha aguentado as dores horríveis da bursite, não podia agora perder o meu bebé. Lembro-me de ter dado um grito de raiva e revolta, e de repente o bebé fez um grunhido… hoje, é um bebé saudável. Quando fez 18 meses, fui à consulta de neonatologia e o meu pai, que é uma pessoa crente, quis ir comigo. O médico vira-se para nós e pergunta: ‘Acreditam em milagres? O seu filho é um milagre, a medicina não sabe o que aconteceu!’”
“A natureza é muito inspiradora, as pequenas vitórias, a sustentabilidade. Temos de pensar que planeta deixamos aos nossos filhos.”
Nascimento da Bolbo
Com os filhos na escola perto de casa, Laura ficou com tempo para dar asas à imaginação e assim nasceu a marca de ilustração, Bolbo. “Inspirei-me no que via à minha volta, na alegria das pequenas coisas, na Natureza. A Bolbo representa isso mesmo, é um órgão vegetal, redondinho, não pica, e dele nascem coisas boas, positivas.” A marca registada nasceu há cerca de 4 anos, mas publicou a primeira ilustração no Instagram há pouco mais de 3 anos e teve um sucesso inesperado, diz. Seguiram-se outros, e em novembro de 2019 resolve oficializar a página. Desde aí tem sido em crescendo, com os pedidos para projetos que não param de cair na sua mesa. Pedidos para ilustrar com o seu traço, o que a enche de orgulho. “Faço art prints, ilustrações originais em recorte e colagem e a receptividade tem sido muito boa.” Quando começou o confinamento, como não podia enviar trabalhos pelos CTT, procurou uma outra forma de criar e inspirar as pessoas, ajudando-as a ter alguma esperança neste período conturbado. Criou o hashtag #rootforgood, para o qual Laura pega em frases, histórias, testemunhos de pessoas de influência e amigos e cria uma ilustração. Os seguidores multiplicaram-se e a ACTIVA foi ao seu encontro, inspirando-se na sua alegria. “Sou uma otimista pragmática, quando há um problema mantenho uma atitude positiva e procuro sempre uma solução. Já passei por algumas fases menos boas na vida, não sei o que o futuro me reserva, mas se houver uma luz ao fundo do túnel há que lutar sempre com o coração. E é isso que eu também quero que as pessoas sintam quando olham para a minha arte: esperança.”