“Há poucas coisas mais incompreendidas neste mundo do que as mulheres, as hormonas e a alimentação”, escreve Sara Gottfried – investigadora e médica norte-americana, formada nas universidades de Harvard e MIT, e especialista no estudo das hormonas – no seu livro ‘Women, Food and Hormones’ (ainda não publicado em Portugal). “Tenho visto, de forma repetida, no meu consultório, mulheres que se sentem extremamente cansadas, irritadas, esgotadas e a lamentarem-se do peso em excesso que acumularam, mesmo esforçando-se por comer de forma saudável e fazendo exercício. Frequentemente, estes problemas começam quando as mulheres atingem os 35 anos. Sentem maior dificuldade em manter um peso saudável e os quilinhos que acumulam nas férias ou nas épocas festivas não se vão embora, mesmo quando impõem uma dieta e exercício mais rigoroso que antes as fazia voltar ao peso normal. Frustradas, também, por verem que as dietas que funcionam com os seus amigos e colegas do sexo masculino não funcionam com elas, ficam surpreendidas quando lhes digo que o segredo não está só nas calorias ingeridas, nem nas horas no ginásio, mas sobretudo na importância em aprender a linguagem das hormonas. É com esta aprendizagem que ficamos a saber do que precisamos para funcionar bem, porque só assim conseguimos melhorar o nosso metabolismo, perder a gordura a mais e manter um peso saudável, ao mesmo tempo que conseguimos resolver sintomas desagradáveis e nefastos como fadiga, mau humor frequente, insónias e um sistema imunitário fraco.”
As hormonas comandam a vida
O nosso metabolismo é a soma de todas as reações químicas que ocorrem no corpo, inclusive as das hormonas, já que são elas que influenciam o que sentimos, o nosso comportamento, a massa muscular, energia e, sim, quão rápido ou devagar queimamos calorias.
Pense nas suas hormonas como os instrumentos de uma orquestra e no cérebro como o maestro. “Quando o maestro está forte e bem nutrido, as hormonas mantêm-se equilibradas, a música é maravilhosa e as suas estratégias habituais para perder peso resultam. Mas o maestro é vulnerável, uma alimentação desequilibrada e desadequada, ingestão de bebidas alcoólicas em excesso e muito stresse afetam a sua performance e, por consequência, a dos seus instrumentos. Atualmente, o que se sabe é que as mulheres, comparativamente aos homens, têm mais flutuações hormonais: temos períodos menstruais, engravidamos, temos o pós-parto e a menopausa. ‘Só’ isso faz com que possamos ter maiores níveis de ansiedade, depressão e insónia.” Há evidência científica comprovada de que dormir menos de 6h por noite durante um longo período de tempo está relacionado com o aumento da gordura visceral abdominal, resistência à insulina, hipertensão, valores elevados de açúcar no sangue e aumento da probabilidade de vir a sofrer de doenças cardiovasculares. Ora quem tem filhos e/ou um emprego cujo horário normal não chega para todas as tarefas exigidas, sabe bem o que é dormir pouco e mal. Mesmo conhecendo as consequências da má higiene do sono, é muito difícil alterar certos hábitos, ainda que devêssemos fazer das tripas coração para mudar este mau hábito.
“Os problemas hormonais femininos podem começar logo entre os 20-30 anos (sobretudo envolvendo a testosterona, a tiroideia e a insulina), mas é sobretudo a partir dos 35 anos, na perimenopausa e menopausa, que eles se fazem mais sentir. É nesta altura da vida das mulheres que se verifica uma diminuição do estrogéneo, uma hormona que está presente em muitas funções celulares. Sabia que a diminuição dos seus níveis vai, por exemplo, aumentar o apetite, a voracidade e a ingestão de alimentos? Consequência? Claro, mais quilos.”
Infelizmente, o défice hormonal causado pela perimenopausa e menopausa não se fica pela diminuição de estrogéneo, há mais hormonas afetadas, a seguir o mesmo caminho descendente, e referimos sobretudo três delas: a testosterona (que está relacionada com um metabolismo forte, desejo sexual elevado e é uma aliada no ganho de massa muscular e na queima de gordura); a hormona de crescimento (que estimula a regeneração celular, dá-nos energia e também ajuda a queimar gordura e a ganhar massa muscular); e a insulina (que regula a quantidade de glicose na circulação sanguínea, mas que se houver um excesso de consumo de hidratos de carbono simples pode dar origem a algo chamado ‘resistência à insulina’, condição precursora da pré-diabetes).”
Mas nem todas as hormonas diminuem nesta fase. O cortisol, por exemplo, tem tendência para aumentar, devido ao impacto que sintomas como os afrontamentos, brain fog, suores noturnos e má qualidade do sono têm na vida da mulher. É uma hormona que está ligada à resposta ao stresse, mas também tem implicações no sistema imunitário e ‘trabalha’ com a insulina no controle da glicose. Mais stresse, logo mais cortisol e quando este aumento é de longa duração – stresse crónico – verifica-se uma maior tendência para acumular gordura na barriga… uma vez mais. Esta tendência para o ganho de gordura abdominal tem dois problemas: não só é mais perigosa para a saúde (porque está a envolver órgãos vitais), como a gordura nesta zona tem 4 vezes mais receptores de cortisol, e isso significa que quanto mais stresse sente mais gordura fica cativada naquela parte do corpo, daí ser muito importante contrariar esta dessintonia hormonal, para acabar com o círculo vicioso. Um mal nunca vem só. Mas, então, o que posso comer para combater o défice hormonal?
Os bons, os maus e os vilões
Vamos primeiro identificar os maus da fita. Com tanta informação a circular, é muito fácil ficarmos confusas com o que é considerado uma alimentação saudável. Nos anos 80, a gordura foi considerada o inimigo número um da saúde, e depois, como as coisas não correram bem – os níveis de obesidade aumentaram bastante mesmo as pessoas tendo acesso aos produtos light e low fat –, diabolizaram-se os hidratos de carbono. Em seguida veio a obsessão do jejum, era o Santo Graal da perda de peso, e já não importava que alimentos comíamos mas a que horas é que eram ingeridos. Afinal, no que ficamos?“É normal que as pessoas se sintam esmagadas com o excesso de informação, muitas vezes contraditória. No entanto, acho que todos já percebemos o que NÃO devemos comer, até porque a ligação entre consumo de alimentos processados, aumento de peso e baixa imunidade está mais do que solidamente comprovada cientificamente.” Então, porque não fazemos uma alimentação saudável? A resposta está longe de ser simples.
A nossa alimentação transformou-se radicalmente com a industrialização e nas últimas décadas os alimentos processados foram dominando o que comemos ao longo do dia. Se tiver paciência e tempo para uma visita a vários estabelecimentos onde se vendem produtos alimentares – comece pelo mercado municipal, depois um minimercado, supermercado e hipermercado – vai ver que as prateleiras que mais aumentam são as dos alimentos processados. Porém, para nos alimentarmos de forma saudável, basta ir ao mercado municipal para comprar vegetais, fruta, leguminosas, frutos secos e sementes e proteína de origem vegetal e animal. Porque não aderimos a uma dieta mais saudável num estalar de dedos?
O vício dos produtos açucarados
São muitos os entraves. O primeiro é que são ricos em gorduras más e hidratos carbonos simples, o que os torna muito viciantes, logo, se não houver um plano cuidado na sua redução, corremos o risco de estar sempre a cair em tentação. Depois, a nossa vida é pautada por elevados níveis de stresse e os nossos maus hábitos – dormir poucas horas é um deles – fazem com que andemos mais cansados e isso leva a que o organismo procure açúcares simples para ganhar energia depressa. Para dificultar ainda mais o nosso ‘divórcio’ dos açúcares simples, temos as hormonas, que, como vimos atrás, estão envolvidas neste processo de aumento de peso, retenção de líquidos, voracidade, quantidade de gordura armazenada, e sobretudo onde é armazenada.
Protocolo Gottfried
Para conseguir ultrapassar todos estes entraves e obstáculos e dar início a uma alimentação que promova a saúde e equilíbrio hormonal, a médica americana sugere que adote aquilo a que chama Protocolo Gottfried, que não é mais do que um programa de restrição alimentar que dura quatro semanas (28 dias), durante as quais, numa primeira fase, se promove uma “desintoxicação do organismo para libertar as toxinas (químicos sintéticos, metais pesados e desreguladores endócrinos ‘armazenados’ no tecido adiposo, que podem interferir no sistema hormonal e fazem com que se acumule gordura em excesso) e perda de gordura. Seguem-se 21 dias de restrição alimentar e, depois, uma fase de transição, de duração variável, já que depende do peso que cada mulher tem em excesso e pretende perder”.
Para esta especialista americana não há grandes segredos: “Temos de ingerir gordura saudável porque nos deixa satisfeitas e reduz os picos de glicose (açúcar) no sangue, precisamos de proteína em quantidade moderada (não em grande quantidade porque pode ser transformada em açúcar, nem em quantidades muito reduzidas porque assim perdemos músculo)” e quanto aos hidratos de carbono, a médica sublinha: “São muito importantes, não podemos fazer deles o vilão da alimentação até porque são cruciais para o bom funcionamento da tiroide, das glândulas suprarrenais, já para não falar do cérebro, cujo ‘alimento’ preferencial para transformar em energia são os hidratos de carbono.” No entanto, Sara Gottfried chama a atenção para um pormenor de grande importância: é que quando se fala em hidratos de carbono referimo-nos a um “leque enorme de alimentos, que pode ir da abóbora biológica ao pão-de-ló. E não é destes últimos que as nossas hormonas precisam, mas sim dos hidratos que vêm sobretudo dos vegetais (rúcula, acelgas, alfaces, espinafres couve-flor, brócolos espargos, couve bok choy e de bruxelas, pimento, cebola, alho, beringela, pepino, aipo, couve portuguesa, curgete e rabanete), cogumelos (na sua imensa variedade) e, com alguma moderação, da batata-doce, abóbora e fruta.”
CUIDADOS COM A DIETA KETO
A dieta cetogénica (Keto) é um plano alimentar com elevado teor de gorduras e muito baixo de hidratos de carbono, o que obriga o organismo – na ausência da sua fonte preferida de energia, os hidratos de carbono – a metabolizar a gordura para a transformar em energia. Embora seja eficaz a curto prazo, não é isenta de perigos para a saúde: desconhece-se os efeitos negativos a longo prazo, é desaconselhada a quem tem doença hepática, renal (pode aumentar o ácido úrico e probabilidade de pedra no rim), ou metabólica. Pode provocar fadiga, irritabilidade, obstipação, enxaquecas, tonturas, náuseas, carência nutricional.
Preparação, implementação e transição
O plano alimentar que a especialista americana aplica no seu dia a dia e no protocolo Gottfried é a dieta cetogénica, a famosa dieta Keto, mas com algumas alterações basilares, adaptada ao sistema hormonal feminino porque, justifica Gottfried, “a maioria das dietas – e a Keto não é exceção – foram pensadas e ensaiadas para o sexo masculino, por isso, muitas vezes, as mulheres não só não conseguem perder os quilos a mais como até aumentam de peso. As mulheres não são homens com ovários, uma mesma dieta pode ter resultados diferentes em homens e mulheres. Na minha versão da dieta Keto modificada para as mulheres, os hidratos de carbono complexos não são tão reduzidos como na versão original, de modo a equilibrar as nossas hormonas, perdermos os quilos a mais, sentirmo-nos com mais energia, com menos brain fog ou irritabilidade”.
Então, como é que funciona? A ideia é que diariamente ingira um total de 1500 calorias, sendo que os hidratos de carbono devem perfazer cerca de 10% dessas calorias (cerca de 20-25g de hidratos carbonos líquidos), a proteína 20% (50g-75g) e a gordura 70% (entre 60-90g). Na dieta original Keto dá-se luz verde a bacon, por exemplo, mas Gottfried prefere que dê primazia a gorduras mais saudáveis e não processadas, como peixe, abacate, chocolate negro 90%, coco, frutos secos, sementes e azeite.
Para ajudar nas contas, que não são fáceis – é normal não saber quantas calorias têm os alimentos e muito menos fazer a contagem de hidratos de carbono líquidos –, há várias apps que podem ajudar, como a My Fitness Pal, a Daily Carb Pro; a Carb Manager Keto Diet Tracker, entre muitas outras. Por exemplo, ficámos a saber que uma posta de salmão de 120g não tem hidratos de carbono líquidos, mas 150g de morangos já têm 9g e a mesma quantidade de cogumelos apenas 2g.
Assim, o que acontece no Protocolo Gottfried: na semana de Preparação deve beber muita água e limitar a ingestão de hidratos de carbono líquidos a 25g (e suar muito através de exercício cardio e com pesos, numa proporção 1:3, e fazer muito cocó e chichi para desintoxicar… sim, é mesmo isto). Nas três semanas de Implementação do protocolo, deve juntar o jejum intermitente, de preferência começar com 14:10, em que passa 14h em jejum e 10h em que pode comer, e depois passar a 16:8, em que deixa de ingerir alimentos das 18h às 10h da manhã do dia seguinte. Findos os 28 dias do protocolo, se ainda tem mais de 6kg a perder, Gottfried aconselha a manter o jejum intermitente, de outro modo pode prosseguir para a fase de Transição, em que vai aumentando progressivamente os hidratos de carbono líquidos em 5g a cada 3 dias, para ver como se sente e como o seu organismo reage. A ideia não é recomeçar a aumentar de peso, mas sim manter, conhecendo bem o seu corpo e as suas reações.