
Seja por razões éticas, ambientais ou preocupações com a saúde, o número de pessoas que aderem a uma alimentação vegetariana está a aumentar, e Portugal não é exceção. Segundo a Associação Vegetariana Portuguesa, de 2007 a 2017, o número de vegetarianos no nosso país passou de 30 mil para 120 mil. De acordo com a análise do II Grande Inquérito de Sustentabilidade em Portugal, coordenado por Luísa Schmidt e Mónica Truninger, investigadoras do Instituto de Ciências Sociais (ICS), 50,6% dos participantes manifestaram predisposição para reduzir o consumo de carne assim como adotar uma alimentação mais à base de vegetais (45,1%). Um outro estudo de 2021, chamado ‘The Green Revolution’ e elaborado pela Latern, uma consultora que faz aconselhamento estratégico às empresas, revela que em Portugal, há mais de 1 milhão de pessoas que fazem uma alimentação vegetariana ou tendencialmente vegetariana: 796 mil flexitarianos (quem opta por uma alimentação maioritariamente vegetariana mas que ocasionalmente consome carne e peixe), 180 mi vegetarianos e 43 mil veganos (não comem qualquer produtos de origem animal, nem mesmo mel).
Também o número de espaços de refeições vegetarianos aumentou exponencialmente, sobretudo desde 2016, e atualmente não há restaurante que se preze, até porque o turismo também assim o obriga, que não tenha uma opção vegetariana, coisa rara há 10 anos. E isto terá acontecido porque tem havido uma crescente consciencialização do terrível impacto da pecuária no meio ambiente e dos maus tratos e péssimas condições de vida dos animais cujo destino é a alimentação humana.
São muitos os adolescentes que optam por esta alimentação mais à base de vegetais e livre de qualquer produto animal, sobretudo depois de verem documentários, disponíveis nas plataformas de streaming, como ‘Cowspiracy’ ou ‘Earthlings’, nos quais se expõe a crueldade com que tratam os animais que fazem parte da cadeia alimentar.
Para deixar os pais mais esclarecidos sobre esta opção alimentar e sobre o que fazer se decidirem respeitar a vontade dos filhos e garantir que a alimentação é equilibrada, pedimos à nutricionista, e autora do blog Compassionate Cuisine, Márcia Gonçalves, que nos respondesse a algumas questões básicas sobre alimentação vegetariana.
Os meus filhos querem deixar de comer carne e peixe, como é que se consegue compensar os nutrientes que vão deixar de ingerir?
Dietas vegetarianas, definidas pela restrição do consumo de carne e pescado, têm vindo a tornar-se mais populares e o número de pessoas que aderem tem vindo a crescer, sendo as principais motivações as razões de ordem ética, a saúde ou a preocupação com o ambiente. As dietas vegetarianas incluem uma variedade de alimentos, como cereais, leguminosas (feijão. grão-de-bico, lentilhas, soja e derivados…), oleaginosas (amêndoas, amendoins, nozes…) e sementes, frutas e hortícolas, e podem incluir ou não, ovos e lacticínios. A dieta de um estilo de vida vegan (um padrão alimentar vegetariano estrito), exclui todos os produtos de origem animal.
Embora seja o posicionamento da Academia de Nutrição e Dietética Americana o de que uma dieta vegetariana (incluindo a vegana), desde que bem planeada, é saudável e adequada em todas as fases do ciclo de vida, como no caso de crianças e adolescentes, é compreensível a apreensão dos pais perante um filho que pretenda optar por este padrão alimentar. De facto, implica o correto planeamento da alimentação, e a aquisição de conhecimentos alimentares e nutricionais, para prevenir possíveis défices nutricionais. Pois, como qualquer outro padrão alimentar, as dietas vegetarianas também podem ser inadequadas. Como tal, o apoio do nutricionista é essencial para acompanhar na prática a sua execução e ajudar a ultrapassar os desafios que possam surgir, de forma individualizada e baseada na evidência científica.
De forma sumária e geral (não substituindo o acompanhamento individual), ao evitar a carne e o pescado, deve: assegurar um aporte energético adequado; incluir uma variedade de alimentos, como cereais, leguminosas, frutos oleaginosas e sementes, fruta e hortícolas; selecionar as gorduras vegetais, consumindo ácidos gordos ômega-3 de fontes de origem vegetal como as sementes de linhaça, as sementes de chia, e as nozes; e, por fim, incluir boas fontes de proteína, cálcio, ferro e zinco, e assegurar níveis adequados tanto de vitamina B12 e D (através da ingestão de alimentos fortificados e/ou suplementos).
Que alimentos vão ter de passar a constar na minha lista de compras?
Em maior quantidade, as leguminosas (se possível, de forma variada) – pois farão parte da maioria das refeições principais! Também os cereais (aveia, arroz, massa, pão…), o azeite como gordura de eleição, os hortofrutícolas da época, frutos secos, e sementes, como as de linhaça… Ou seja, uma alimentação vegetariana não é sinónimo de compras mais caras nem de ingredientes desconhecidos. Para quem gostar, também poderá optar por alimentos fornecedores de proteína como os derivados da soja (tofu, tempeh, proteína texturizada), seitan… E, conforme a restrição alimentar, também poderão ser necessárias bebidas vegetais (fortificadas em cálcio).
Quais as quantidades semanais de proteína vegetal é aconselhável?
É difícil estimar pois é muito variável e dependente da idade, sexo e nível de atividade física… Mas, para ter uma referência genérica e não individualizada, o VegPlate Junior recomenda a inclusão diária de no mínimo 3 porções de alimentos que sejam fontes de proteína (dos 10 aos 17 anos), o que equivale a: 90g de leguminosas cozidas, 80g de tofu ou tempeh, 30g de soja texturizada, 1 chávena (250 mL) de bebida de soja (ou leite), ou 1 ovo (no caso dos ovolactovegetarianos).
Não vão ter fome?
Se for bem planeado, e a dieta tiver um aporte energético adequado, e incluir alimentos mais densos do ponto de vista energético (ou seja, num menor volume de alimento, consumir mais energia, sem descurar da densidade nutricional claro) como é o caso dos frutos secos, leguminosas, entre outros… Não, não terão fome!
Têm de tomar suplementos para compensar, por exemplo, a vitamina B12?
Os vegetarianos e veganos devem ingerir alimentos fortificados e/ou suplementos para assegurar a adequação nutricional de vitamina B12. O padrão alimentar ovolactovegetariano pode fornecer esta vitamina através dos ovos e lacticínios; contudo, a ingestão destes alimentos poderá ser insuficiente. Os alimentos fortificados em vitamina B12 incluem bebidas vegetais, levedura nutricional, alternativas vegetarianas a carne e cereais de pequeno‑almoço. Quanto à suplementação, para a manutenção de níveis adequados, é recomendado por alguns autores a toma de um suplemento diário de 50 µg de vitamina B12 (25 µg para crianças dos 4 aos 10 anos), mas idealmente deve ser prescrita e ajustada por um nutricionista ou médico.
Não querem beber leite, se se trocar por leites vegetais não vão ter falta de cálcio?
Embora em alguns estudos a ingestão de cálcio em veganos seja, por vezes, insuficiente, existe uma variedade de alimentos de origem vegetal que fornecem cálcio, de boa biodisponibilidade, e estes incluem vegetais de cor verde escura como a couve‑galega, couve‑portuguesa e brócolos, alimentos fortificados como o tofu, bebidas vegetais, entre outros. Ou seja, deve optar por bebidas vegetais fortificadas em cálcio (confirmar na declaração nutricional do produto). Neste tipo de produtos, deve procurar que não tenham adição de açúcar.
A falta de proteína animal não vai fazer com que se sintam mais cansados?
Se a alimentação for bem planeada e assegurar o aporte necessário de proteína e todos os aminoácidos essenciais (e dos restantes nutrientes acima mencionados) não afetará o desempenho físico.
É evidente que uma adequada ingestão proteica é essencial para o normal funcionamento dos músculos. Mas, as necessidades proteicas podem ser atendidas numa alimentação vegetariana/vegana. Passo a explicar: as fontes de proteína vegetal apresentam todos os aminoácidos nutricionalmente essenciais, mas, a quantidade de um ou dois aminoácidos poderá ser mais baixa. Os cereais, por exemplo, apresentam um conteúdo menor em lisina, um aminoácido essencial. Um ajuste nas escolhas alimentares favorecendo um maior consumo de leguminosas e a inclusão de alimentos a base de soja poderão assegurar uma ingestão adequada deste aminoácido.
Os alimentos que fornecem proteína numa alimentação vegetariana incluem as leguminosas, produtos à base de soja (bebida de soja, alternativas de soja ao iogurte, proteína texturizada, tofu e tempeh), frutos gordos, sementes, ovos e lacticínios (num padrão alimentar ovolactovegetariano).
Como saber se não ficam com alguma carência alimentar?
A criança ou o adolescente vegetariano/vegano deve ser acompanhado por profissionais de saúde, de forma a verificar que o seu crescimento e estado nutricional estão assegurados.
Como posso tornar as refeições vegetarianas com mais sabor?
Recorrendo a especiarias e ervas aromáticas para dar sabor… Um exemplo mais prático seria fazer um estufado de feijão com colorau/pimentão-doce, cominhos e louro numa base de refogado saborosa com muita cebola, alho, tomate…
E, também, para quem não tem muita prática na cozinha, atualmente existe um número infindável de páginas nas redes sociais e blogs dedicados a esta temática, com receitas de estufados, saladas, sandes, hambúrgueres, massas, todo o tipo de preparações e comidas de conforto, vegetarianos, para quem procura inovador e dar mais sabor aos seus pratos.
Como saber que especiarias combinam com as leguminosas ou como temperar tofu para ficar mais saboroso?O tofu tem um sabor relativamente neutro, mas é uma opção bastante versátil. Pode começar-se por fazer uma boa marinada para dar mais sabor ao tofu. Depois de marinar, pode ser adicionado a estufados, salteados, pode ser assado e até grelhado, adquirindo uma cor dourada, faces crocantes e um interior macio com o sabor dos condimentos que juntou à marinada!
Pode dar-me exemplos de pequenos-almoços e snacks nutritivos que não contenham nenhum produto animal?
Alguns exemplos de lanches incluem: pão de centeio ou integral com húmus de grão-de-bico; pão com manteiga de amendoim (sem adição de gorduras e/ou açúcar); papas de aveia ou cereais não-açucarados com bebida de soja e uma peça de fruta; um punhado de frutos gordos (amêndoas/amendoins…) com 1 “iogurte” de soja.
O que devem evitar ou cuidados se deve ter em atenção em relação a este tipo de alimentação?
Para além das recomendações da primeira questão, deixo alguns cuidados adicionais:
- Evitar-se restrições alimentares desnecessárias (que poderão por em causa o aporte energético e proteico), e a monotonia alimentar.
- Tendo em conta a oferta alimentar dirigida às crianças e atenção, é essencial ter em atenção a ingestão de açúcar. A ingestão de açúcares livres (todos os açúcares de adição e naturalmente presentes, por exemplo, no mel, nos xaropes e nos sumos de fruta) deve ser reduzida a menos de 10% da ingestão energética total diária, sendo que a redução para uma ingestão inferior a 5% confere benefícios adicionais. Dado que muitos produtos processados dirigidos a vegetarianos também contêm sal em excesso, recomenda‑se a leitura dos rótulos.
- Consumir uma variedade de hortofrutícolas e assegurar a inclusão de fruta ou vegetais ricos em vitamina C em todas as refeições para potenciar a absorção de ferro e zinco.