Os portugueses estão a levar os seus treinos muito a sério. Modalidades como a corrida ou o trail continuam a crescer em número de participantes e as provas esgotam rapidamente. Contudo, a prática de qualquer atividade física, nomeadamente quando estamos a iniciá-la, pressupõem, além de vontade, disciplina e o equipamento apropriado, uma avaliação e um acompanhamento médico multidisciplinar. Além de permitir uma prática mais segura e adequada à nossa condição física, tem também resultados muito positivos na nossa performance desportiva. Isto porque o adequado acompanhamento e orientação médica são fatores essenciais para um estilo de vida saudável e um bom rendimento.
Qualquer atleta – seja profissional ou amador – precisa de ter em conta algumas regras básicas para que consiga melhorar a sua performance. Mas quais são os fatores que contribuem para a otimização do desempenho desportivo? Quais os os exames médicos que devem ser realizados para a preparação do início da atividade física? O que devemos mudar a nível de alimentação?
Para responder a estas e outras questões sobre o tema de otimização do desempenho desportivo, entrevistámos Luís Moreno, Especialista em Medicina Desportiva na Unidade de Medicina Desportiva e Performance do Hospital CUF Tejo, João Freitas, Cardiologista no Centro do Coração da CUF Porto – Consulta de Cardiologia Desportiva, e Rodrigo Abreu, Nutricionista na Unidade de Medicina Desportiva e Performance do Hospital CUF Tejo
Luís Moreno, Especialista em Medicina Desportiva na Unidade de Medicina Desportiva e Performance do Hospital CUF Tejo
– De 0 a 10, como classificaria os hábitos de atividade física dos portugueses? Podemos falar de uma evolução positiva nos últimos anos?
Dados do último relatório do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física (PNPAF) da Direção Geral de Saúde, de 2021, 54,3% dos portugueses praticaram atividade física considerada apropriada, o que representa mais 8% do que no ano anterior e o dobro do valor apurado em 2016 (27,1%).
Por estes números, e respondendo à sua pergunta, classificaria a atividade física dos portugueses como um 5, de 0 a 10. Mais do que os números atuais, chamo a atenção para a evolução favorável da adesão dos portugueses à prática de atividade física, nos últimos anos.
São dados otimistas, acreditando que esta tendência se mantenha.
É que, segundo o estudo “Designed to Move” realizado por uma parceria que juntou a marca desportiva Nike ao American College of Sports Medicine e ao International Council of Science & Physical Education, pela primeira vez na Humanidade a esperança média de vida das crianças que hoje têm até 10 anos poderá ser cinco anos inferior à dos seus pais, devido exatamente ao sedentarismo e à inatividade física.
– A pandemia teve efeitos nocivos a este nível, mas para muitos foi o ponto de partida para se começarem a ‘mexer’…
Até inícios de 2020, a inatividade física era identificada como a “pandemia do século XXI”, mas a COVID-19 veio assumir, durante este período, esse protagonismo.
Curiosamente, e segundo o relatório mais recente da PNPAF, parece que a pandemia e o tempo de confinamento criou uma maior necessidade, interesse e vontade da prática de atividade física, nomeadamente nas atividades realizadas ao ar livre. Há praticamente o dobro dos portugueses com prática regular de atividade física, do que havia em 2016.
– Que exames e avaliações devem ser feitos previamente ao início de atividade física mais intensa?
As guidelines atuais recomendam que uma pessoa que pretenda iniciar ou retomar a prática de uma atividade física “mais intensa” deve, previamente, consultar um médico especialista na área, nomeadamente de Medicina Desportiva.
Nesta consulta serão valorizados os antecedentes familiares e pessoais, as eventuais queixas atuais, um rigoroso exame físico e os objetivos e expectativas da pessoa na atividade física. É, obviamente, muito diferente uma pessoa querer realizar corridas de ultra-trail do que querer jogar Padel, apesar de ambos serem fisicamente desportos muito exigentes. Tendo isto em mente, deverão ser realizados os exames mais adequados, sendo que os exames para a prevenção da morte súbita serão sempre uma prioridade
– A ‘moda’ da corrida entrou na vida dos portugueses, mas estão estes conscientes de que é necessária uma avaliação prévia da condição física?
A corrida é, felizmente, uma “moda” que parece que veio para ficar. Acredito que a pandemia veio alimentar ainda mais este desejo da corrida e o contacto com a natureza.
Fruto das inúmeras provas, grupos de treino, treinadores, artigos de opinião, das próprias redes sociais e até a idade dos praticantes ser cada vez mais elevada, há realmente uma maior tomada de consciência de que é necessária uma avaliação médica prévia e muitas vezes um acompanhamento médico regular, dado que as horas de treino semanais que muitos destes atletas recreativos fazem são admiráveis, pelo que o acompanhamento médico poderá ser essencial para ajudar a prevenir lesões bem como aumentar o rendimento.
– O acompanhamento na área do desporto deve ser multidisciplinar. Desse ponto de vista, que áreas deve abarcar?
O segredo do sucesso desportivo é claramente o acompanhamento multidisciplinar. A integração de diversas áreas, que dependendo dos casos podem ir desde o Treinador, ao Fisiologista, ao Médico de Medicina Desportiva, ao Fisioterapeuta, ao Nutricionista, ao Psicólogo que se complementam e interagem para ajudar o atleta a atingir os seus objetivos é, hoje em dia, a chave do sucesso.
– Que riscos podem ser controlados através de um bom e regular acompanhamento na área da medicina do desporto?
Cada modalidade desportiva tem especificidades diferentes, o que pode levar a patologias diferentes. É importante também pensar que o desporto não tem um lado apenas competitivo, podendo ser recreativo, e até terapêutico, uma vez que, o exercício clínico tem um papel fundamental na prevenção e tratamento de inúmeras patologias crónicas.
Mas, de uma forma geral, um acompanhamento na área da medicina do desporto pode ajudar, através da prescrição de exercício clínico, a prevenir e controlar inúmeras patologias crónicas, na prevenção da morte súbita, controlo patologias médicas que podem condicionar o desempenho (ex: Asma induzida pelo Esforço; Anemia ferropénica), no tratamento e prevenção de lesões musculoesqueléticas e até no controlo do treino.
João Freitas, Cardiologista no Centro do Coração da CUF Porto – Consulta de Cardiologia Desportiva
– É comum começar-se a prática de exercício físico de forma quase ‘autodidata’. Subestimamos a importância de um acompanhamento profissional, nomeadamente quando se começa uma prática desportiva?
Sim, subestimamos com frequência. A atividade física de rotina está confirmadamente associada à melhoria da saúde em geral (física, bem-estar psíquica e social) e à redução de eventos cardiovasculares adversos e mortalidade por todas as causas. Existe, contudo, um risco não negligenciável aumentado de possíveis eventos cardiovasculares adversos sobretudo associado a atividades físicas vigorosas, especialmente para atletas master (aqueles com mais de 35 anos) envolvidos em desporto recreacional intenso e competitivo de alto nível.
Uma sessão de exercício intenso, em indivíduos fisicamente inativos, pode aumentar temporariamente o risco de eventos cardiovasculares potencialmente fatais, como enfarte do miocárdio, arritmias e morte cardíaca súbita. Por isso, recomenda-se, principalmente às pessoas com mais de 35 anos, consultar um médico antes de iniciar a prática de desporto.
É importante destacar que, apesar da existência destes riscos, existe evidência clara de que ao longo da vida são marcadamente reduzidos em indivíduos ativos.
– Quais os exames cardiológicos que devem ser realizados?
No atleta master de 35 anos ou mais, a principal causa de morte cardíaca súbita é a doença aterosclerótica, enquanto no atleta com menos de 35 anos, as anormalidades cardiovasculares hereditárias (genéticas) são predominantemente as responsáveis.
A característica comum da morte súbita cardíaca em jovens e atletas mais velhos é a ausência de sintomas prévios que possam suspeitar de uma qualquer doença cardiovascular subjacente. Pelo que uma consulta realizada por um Cardiologista ou especialista em Medicina Desportiva é aconselhável. O especialista irá orientar a pessoa na realização de exames de screening – como, por exemplo, desde o simples eletrocardiograma até ao ANGIOTAC coronário – dependendo da idade, tipo de actividade que a pessoa pretende, presença de fatores de risco prévios com história de morte súbita precoce na família, sintomas como síncope, palpitações ou dor torácica sobretudo se associadas ao esforço, bem como fatores de risco cardiovascular que poderão condicionar doença coronária aterosclerótica precoce como a hipertensão, diabetes, dislipidemia e tabagismo.
Alguns dos exames que podem ser realizados passam por eletrocardiograma, ecocardiograma, prova de esforço. Estes exames podem ser diferentes de caso para caso pelo que devem ser sempre prescritos pelo médico que o acompanha.
– E no decorrer da prática? Como deve ser realizado esse acompanhamento médico? Durante a prática se existe nos exames de screening exclusão de doença com potencial para morte súbita em atletas jovens e em masters o acompanhamento deverá ser anual. Se existe doença cardiovascular o atleta terá que ter um acompanhamento mais estreito, trimestral ou semestral, dependendo dos casos, nomeadamente na investigação do aparecimento de sintomas e na realização de testes para despiste de arritmias, isquemia do miocárdio e agravamento da função ventricular cardíaca.
Uma consulta com um especialista fará toda a diferença no intuito da redução do risco numa atividade que por si só leva, a médio e a longo prazo, a benefícios seguros sobre a saúde em geral e cardiovascular em especial. É, por isso, importante procurar aconselhamento junto de um cardiologista ou médico de medicina desportiva em relação à periodicidade com que se deve fazer exercício físico, assim como sobre a duração de cada treino e os tipos de atividade física que se adaptam à condição específica da pessoa.
Rodrigo Abreu, Nutricionista na Unidade de Medicina Desportiva e Performance do Hospital CUF Tejo
– A nutrição desempenha um papel fundamental na atividade física?
Absolutamente! Qualquer pessoa que pratique atividade física deve ter noção do equilíbrio necessário entre o treino, a alimentação e o descanso. A alimentação prepara o corpo para os esforços, melhorando o rendimento no exercício, mas também prevenindo carências que podem originar fadiga ou mesmo lesões. Adicionalmente, uma alimentação adequada recupera o corpo após o esforço realizado, reduzindo o desconforto e aumentando a disponibilidade para continuar a treinar. Assim, quer seja um desportista amador ou profissional, é importante aplicar estratégias nutricionais individualizadas para tirar todo o proveito do treino. Com a ajuda de um nutricionista especializado, é possível otimizar a alimentação de base, assim como definir refeições específicas para os períodos antes, durante e após o esforço.
-Há o risco de substituirmos uma alimentação saudável pelo recurso excessivo aos suplementos e toda a gama de produtos disponíveis atualmente no mercado?
A abordagem “food first” é a mais sensata no uso de suplementos alimentares e significa que se deve começar por aprender a comer, e só depois fazer uso dos suplementos. É preciso ter noção que os suplementos alimentares não são produtos milagrosos, pelo que o maior risco é tomá-los de forma descontextualizada e sem critério, com base em expetativas irreais. Por isso, o uso de suplementos deve ser feito de forma ponderada, sob indicação de um especialista que saiba recomendar a cada pessoa que substâncias faz sentido utilizar, em que quantidades e com timings definidos de ingestão. Até porque, quando falamos de suplementos alimentares, há produtos que podem ser usados para suprimir carências nutricionais, enquanto outros servem para melhorar o rendimento ou manipular a composição corporal.