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A menopausa é um projeto de renovação do cérebro, em que este está num estado de recalibragem, reestruturação, como uma máquina que antes se movia a gasolina e agora está a ser transformada para usar eletricidade. E como todas as mudanças, precisam de tempo. É mais ou menos assim que Lisa Mosconi – investigadora italo-americana, professora de neurociências na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e autora do livro ‘The Menopause Brain’ (à letra, cérebro na menopausa) – sumariza esta fase da vida das mulheres. Convenhamos que é uma perspetiva bem mais otimista comparada com as desgraças que se costumam contar quando este tema vem à baila. Sim, os sintomas são muito perturbadores para a maioria das mulheres, mesmo terríveis e incapacitantes para algumas, mas sublinhe-se que há luz ao fundo do túnel: não é para sempre, há quem passe por isto com um pequeno incómodo e, sobretudo, existem formas de minimizar os efeitos negativos. Tendo isto em mente, o sol voltará a brilhar para todas nós.
Vamos dar um lamiré na parte da ciência que está por trás daquilo que a autora chama de cérebro na menopausa e depois passaremos aos conselhos práticos.

O polivalente estrogénio
“A maior parte das pessoas sabe que a menopausa marca o fim do ciclo menstrual e reprodutor das mulheres, mas não que este fim de ciclo vai além do simples facto dos ovários fecharem a loja, e tem efeitos para lá da fertilidade”, escreve Lisa Mosconi no seu livro.
A neurocientista, que estuda o cérebro humano há mais de 20 anos, garante que não há diferença de género nos cérebros, ou seja, quando os investigadores têm à sua frente PET scans de cérebros, é-lhes impossível perceber se estes são de homens ou mulheres. O que os sofisticados exames de imagem permitiram descobrir foi que, a partir de certa idade, os exames ao cérebro feminino começavam a mostrar níveis mais baixos de energia e que isso coincidia com a perimenopausa [que a cientista designa como a fase em que o ciclo menstrual começa a apresentar irregularidades e os sintomas hormonais e clínicos da menopausa começam a surgir]. “Há muito esta ideia errada que o cérebro é uma espécie de caixa negra, independente, mas na verdade ele está em constante interação com o nosso corpo e interage com o sistema reprodutor através das hormonas. Sabemos hoje que o estrogénio, que é produzido nos ovários, é fundamental na produção de energia no cérebro.” Ao haver uma diminuição dessa hormona na perimenopausa, isso vai ter impacto no cérebro e dar origem a vários sintomas neurológicos: como não consegue ativar corretamente o hipotálamo (que regula a temperatura do corpo) dão-se os afrontamentos; quando o estrogénio não ativa corretamente o tronco encefálico temos problemas de sono e fadiga; depois temos problemas de memória, lapsos, brain fog (confusão mental), falta de concentração, mudanças de humor e diminuição da libido quando esta hormona recua noutras regiões do cérebro como o hipocampo e a amígdala. “Durante anos, as mulheres iam ao médico relatar todos estes sintomas e eram ignoradas ou ouviam da boca dos clínicos ‘isso é da sua cabeça’, mal eles sabiam que essa frase até era verdadeira, mas não da forma como davam a entender. Não, não era da nossa imaginação, nem estavam a ficar malucas. Há agora uma designação para isso: cérebro na menopausa.”

Doenças + femininas
Apesar de não haver diferenças físicas nos cérebros de mulheres e homens, há diferenças hormonais, a nível químico e energético, que têm impacto na saúde. E antes que os machistas da praxe comecem já a esfregar as mãozinhas, convém saber que “estas diferenças não têm qualquer impacto na inteligência ou no comportamento. A capacidade cognitiva e o desempenho das mulheres mantêm-se, o que essa baixa de energia significa é que estamos mais cansadas mas continuamos com a mesma acuidade e perspicácia.” As diferenças são importantes no que à saúde do cérebro diz respeito porque estudos revelam que há várias doenças que são predominantemente femininas. As mulheres têm duas vezes mais probabilidade que os homens de lhes ser diagnosticada depressão, ansiedade ou doença de Alzheimer; é três vezes mais provável que as mulheres venham a sofrer de doenças autoimunes, incluindo esclerose múltipla (que afeta o cérebro); é quatro vezes mais provável que sofram de dores de cabeça e enxaquecas. Mas atenção, relembra Lisa Mosconi, a menopausa não é nenhuma doença e não causa diretamente nenhuma das doenças referidas acima. No entanto, as alterações hormonais que dela advêm podem afetar vários órgãos, incluindo o cérebro, por isso é fundamental haver uma supervisão de forma a minimizar potenciais doenças, com especial foco para uma que continua a ser um desafio para a Ciência: a doença de Alzheimer. “A redução de estrogénio pode levar à formação de placas amilóides. Vimos em vários tipos de exames ao cérebro que os homens de meia-idade não têm praticamente nenhumas, mas em relação às mulheres há um aumento de 20% no período que vai do fim da pré menopausa à pós-menopausa. Quero deixar claro que nem todas as mulheres desenvolvem placas e que estas são um fator de risco, não um diagnóstico, por isso nem todas as mulheres com placas amilóides desenvolvem demência. É preciso sublinhar também que os sintomas clínicos de doença de Alzheimer dão-se muitos anos, senão décadas, depois da formação de placas amilóides. E esta é uma informação importantíssima para as mulheres, porque nos dá uma linha de tempo importante para travar a evolução”, alerta Lisa Mosconi.

Idades e fases
No seu livro, a neurocientista Lisa Mosconi sintetizou as fases de todo o processo da menopausa.
Pré Menopausa: desde a puberdade até ao último período menstrual regular, que pode acontecer aos 35-45 anos.
Perimenopausa: dos 35-45 anos (desde o último período regular) aos 46-55 anos +1 ano sem um único período menstrual. É nesta etapa que os sintomas surgem.
Pós-Menopausa: entrou nesta fase depois de estar um ano inteiro sem menstruar. Nesta altura, os sintomas diminuem de intensidade até desaparecerem.

O impacto de uma vida saudável
Perante este cenário desagradável, uma questão impõe-se: como é que podemos minimizar o impacto na saúde do nosso cérebro e reduzir ao máximo possível de sintomas? A resposta mais imediata será através da Terapia Hormonal de Substituição, mas para isso terá de falar com a sua médica de família para saber se é adequado ao seu caso. “Ainda que a THS possa reduzir bastante os afrontamentos, não há evidência científica que mostre que previne a formação das placas de Alzheimer”, alerta a neurocientista, pelo que há outros comportamentos que pode adotar, em conjunto com a THS ou não, que terão grande impacto na qualidade de vida, irão melhorar a saúde do seu cérebro e reduzir a sintomatologia. E sim, estamos a falar em mudanças no seu estilo de vida, “porque os alimentos que comemos, a quantidade exercício físico que fazemos, as horas que dormimos, a forma como gerimos o stresse no dia a dia, tudo isto tem um grande impacto nas nossas hormonas, para o melhor ou para o pior”, revela Lisa Mosconi. É verdade que quanto mais cedo investir numa mudança de estilo de vida saudável melhor, mas vale sempre a pena mudar, em qualquer idade, mesmo!

Mexa-se!
Praticar exercício físico é bom para a saúde em qualquer idade, mas durante a perimenopausa então ainda mais. “Há evidência que o exercício pode despoletar alterações hormonais que reduzem diretamente o número e a severidade dos afrontamentos, melhora o humor, a qualidade do sono, reforça o desempenho cognitivo, a memória e dá energia. Há mulheres que durante esta fase desenvolvem síndrome metabólica, resistência à insulina, e esta situação pode ser revertida através do exercício. A atividade física melhora os níveis de ansiedade e sintomas depressivos, diminui o risco de doenças cardiovasculares, é uma ótima forma de aliviar o stresse e conseguir controlar o peso. O seu corpo é inundado por endorfinas, os nossos analgésicos naturais, e serotonina, mais conhecida como hormona da felicidade. Não precisa de ginásio, faça caminhadas, ande de bicicleta, suba escadas. Um estudo que seguiu cerca de 200 mulheres na meia-idade durante décadas, revelou que as aquelas que praticavam exercício físico regularmente tinham cerca de 30% menos risco de vir a desenvolver demência do que as mulheres que eram sedentárias. Como especialista em demência, posso assegurar que uma redução de 30% é algo extraordinário, até agora nenhum medicamento conseguiu chegar sequer perto disso.”

Seja um bom prato
Isso significa ser seletiva. Deve procurar alimentos saudáveis que alimentem o cérebro: neuro nutrição. “Como cientista do cérebro, sei perfeitamente o quanto os alimentos são importantes para a saúde deste órgão. Primeiro porque precisa de determinados nutrientes para funcionar de forma adequada, e depois porque as células no cérebro são, em larga medida, constituídas pelo que comemos. Preocupe-se em encher o seu prato com alimentos ricos em vitaminas, minerais, fibra, hidratos de carbono complexos, proteína magra e gorduras saudáveis. Uma dieta pobre nestes nutrientes, vai piorar os sintomas, acelerar o início da menopausa, e fazer com que se sinta irritada, cansada, esgotada e com confusão mental. Durante a perimenopausa vai perceber que certos alimentos vão despoletar alguns sintomas. Alimentos açucarados fazem-na sentir mais irritadiça e mais cansada; bebidas alcoólicas podem aumentar e intensificar os afrontamentos, alimentos refinados ou com muitos químicos, como conservantes, diminuem o foco e dão cabo do seu humor. A boa notícia é que a tradicional dieta mediterrânica é a mais indicada, e se aumentar o aporte de vegetais, fruta (como damasco seco e melão), cereais integrais, sementes (como sésamo e linhaça) e leguminosas (como o grão) e reduzir a carne vermelha e os laticínios. Verifique os seus níveis de vitamina D, em conjunto com o cálcio é super importante para a saúde dos ossos.
Se tem dificuldade em adormecer, faça uma salada com uns pistachios, o alimento mais rico em melatonina (a hormona que induz o sono), e acrescente cogumelos portobello, lentilhas e uvas (também com bons níveis daquela hormona), e no final delicie-se com um sorvete de morangos ou cerejas (escuras), nem vai ter de contar ovelhas nessa noite”. É claro que tudo quanto seja processado, refrigerantes, refinado, temperos e molhos embalados, pré cozinhados, empacotados só pioram os sintomas e contribuem para o peso.

A evitar: comida picante porque aumenta os afrontamentos, assim como as bebidas alcoólicas, e… o café. Este pode não só aumentar os afrontamentos como tem um impacto negativo no sono. “Se tiver mesmo, mesmo de beber um café, faça-o até ao meio-dia, é que a cafeína leva até 12h a deixar o nosso organismo.”

Um conselho hiper importante? Beber água. “Até uma ligeira desidratação pode levar a tonturas, fadiga, confusão mental à séria em qualquer idade. Manter-se hidratada vai ajudar o nosso corpo a regular as hormonas, a manter a temperatura corporal, diminui os afrontamentos, fundamental para a lubrificação vaginal, reduzir a rigidez articular e manter o cabelo e pele hidratados”.

Gerir o stresse, dormir melhor
São duas coisas absolutamente fundamentais também para a saúde do seu cérebro e para reduzir a sintomatologia. A hormona do stresse, cortisol, funciona em equilíbrio com o estrogénio, quando uma está em cima, a outra está em baixo, e vice versa. Ora quando há diminuição na produção de estrogénio, os níveis de cortisol vão estar elevados! “Isto acontece porque o nosso corpo depende da mesma molécula, pregnenolona, para produzir tanto as hormonas sexuais como as hormonas do stresse, por isso se andar sempre stressada o que vai estar em alta é o cortisol, e esse longo constrangimento de estrogénio vai aumentar a ansiedade, os afrontamentos, e potencialmente sentimentos depressivos”. Quando o stresse passa a crónico agrava ainda mais os sintomas da menopausa – fadiga, falta de concentração e foco, brain fog, dificuldade em lembrar nomes – tudo porque a produção de estrogénio está nos mínimos durante muito tempo. E, como um dominó, o sono é também afetado pelo stresse, dorme menos e mal, o que também vai enfraquecer o seu sistema imunitário. Solução? Encontrar forma de o reduzir, seja através de exercício físico, de ioga, prática que vários estudos revelam ser muito eficaz tanto a relaxar, como a melhorar a qualidade do sono como na redução de afrontamentos, de problemas urinários e vaginais. Lisa Mosconi aconselha também, no seu livro, o mindfulness e a meditação Kirtan Kriya (há exemplos no YouTube), uma prática de 12 minutos diários que inclui um cântico.
Se chegou até aqui, espero que esteja cheia de vontade em seguir as indicações de Lisa Mosconi. É importante não se deixar abater pelo impacto da menopausa. Lembre-se que todas as mulheres passam por isto, não se envergonhe do que sente e cuide de si. Não se esqueça que o cérebro precisa de tempo para se reajustar e que voltar estar a 100%, de bem com a vida não é uma miragem.

The Menopause Brain, Lisa Mosconi, iBooks €12,99

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