Perante a necessidade urgente de haver fármacos capazes de chegar ao cérebro e à placenta e inativarem vários tipos diferentes de vírus, em setembro de 2019, um grupo de cientistas liderado por mim, que sou investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, em parceria com investigadores da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, e o parceiro industrial Synovo, com financiamento da Comissão Europeia, uniu-se para fundar um projeto de investigação, a que chamaram NOVIRUSES2BRAIN.
Desde então, a missão sempre tem sido promover a investigação em prol do desenvolvimento de um medicamento único para neutralizar várias espécies de vírus que se podem alojar no sistema nervoso central e fetos (em casos de mulheres grávidas). Neste caso, a neutralização passa por retirar a capacidade de entrar em células, logo tornando-o inofensivo. Poderá vir a ser um medicamento preventivo, que protege contra o desenvolvimento de infeções, ou um medicamento curativo, isto é que inativa vírus que já iniciaram um processo de infeção no corpo.
Tanto o cérebro como os fetos são áreas naturalmente muito protegidas pelo corpo. Essa proteção resulta da capacidade de barrar a entrada à quase totalidade dos compostos que desconhece, incluindo medicamentos, o que dificulta o tratamento de vírus, quando alojados nestes locais. Este é, por isso, um desafio muito difícil, mas muito importante, porque os vírus que se alojam nestes locais podem causar danos irreversíveis. Por exemplo, na América do Sul já ocorreu uma epidemia de vírus Zika que levou ao nascimento de bebés com microcefalia, por exemplo. Outros vírus, como Dengue, Sarampo ou HIV, têm por vezes consequências a nível neurológico. É importante, pois, conseguir um medicamento que confira proteção contra todos estes vírus simultaneamente.
O consórcio que conduz esta investigação procura incidir em vírus que causem danos neurológicos, dentro de um espectro muito alargado, como o sarampo, Zika, Dengue, VIH e, desde 2020, também o SARS-CoV-2.
Porém, estes vírus são subvalorizados pela população, o que é um erro:
- A SIDA persiste como um problema sério, sobretudo em Portugal (comparativamente à Europa comunitária).
- O Sarampo levanta preocupações a nível mundial desde que alguns grupos começaram a optar por não se vacinar.
- Devido às alterações climáticas e à expansão das colónias de um tipo específico de mosquito, denominado mosquito-tigre, para norte, o sul da Europa, incluindo Portugal, está cada vez mais sob ameaça de surtos de Zika, Dengue, Chikungunya e Febre Amarela, entre outros. Sendo estes vírus transmitidos pelo mesmo tipo de mosquito, é possível a coinfeção com vários tipos de vírus e, daí, a importância reforçada de conseguir combater várias espécies de vírus com o mesmo medicamento.
O sucesso deste processo de desenvolvimento de fármacos e posteriores ensaios clínicos pode significar a descoberta de uma opção terapêutica que proteja contra danos neurológicos irreparáveis, incluindo em fetos, em doentes infetados com os vírus mencionados. É esta a bússola que tem orientado o consórcio nos últimos três anos e que continuará a ditar o seu rumo.
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