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Foto Pexels/ Alex Green
A Esquizofrenia pode ter um leque polimorfo de sintomatologia; os chamados sintomas psicóticos podem dividir-se em sintomas positivos (porque se acrescentam às características do paciente) e aqui falamos dos sintomas possivelmente mais conhecidos e descritos, como as alucinações (mais frequentemente as auditivas, em que o paciente ouve sons, ruídos ou vozes que não existem) e os delírios (crenças, convicções absolutas e que o doente tem, em factos não verdadeiros para nós, mas absolutamente inquestionáveis, para ele); importa neste ponto clarificar que não se trata de imaginação ou de simulação, o paciente ouve as alucinações como ouve qualquer som verdadeiro e no caso dos delírios, tem certeza absoluta naquilo em que acredita, apesar de muitas vezes lhe ser provada a verdade.
Outro grupo de sintomas, são os sintomas negativos (assim designados porque retiram características ao paciente, como que o dessubstancializam) como a apatia, a diminuição ou perda da vontade e da iniciativa, o embotamento emocional e afetivo.
Os sintomas cognitivos estão também frequentemente presentes e estes pacientes podem ter dificuldades em prestar atenção, em concentrar-se e em conseguir ter rendimento cognitivo. Um curioso facto a este respeito, foi que, quando esta doença se tornou mais conhecida no século XIX, nomes importantes da história da Psiquiatria, como Emil Kraeplin, deram-lhe a designação de Dementia Praecox, por se referir a jovens com níveis de funcionalidade, que à data (ainda sem qualquer tratamento farmacológico) se assemelhavam às de idosos demenciados.
Não posso deixar de sublinhar que se trata de uma doença crónica e, portanto como em tantas outras doenças crónicas, muitas vezes os pacientes também têm sintomas da linha afetiva, como a anedonia, tristeza e até depressão, que sabemos que aumenta a taxa de suicídio; de notar que cerca de 10% dos pacientes com esquizofrenia, infelizmente, suicidam-se.
Trata-se de uma doença multifatorial e, portanto, não é conhecida uma causa etiológica única que desencadeie a Esquizofrenia. Pensa-se que diferentes fatores influenciem de maneira variável o aparecimento e a evolução da doença, como acontece com outras doenças crónicas:
– Fatores genéticos: trata-se de uma das patologias mentais que aparecem mais vezes nas mesmas famílias e, portanto, com transmissibilidade genética ainda não completamente conhecida;
– Fatores ambientais, com destaque para o uso de substâncias ilícitas; sabemos que estes consumos vão alterar sobretudo a dopamina cerebral, facto que em muitas situações funciona como trigger para o despoletar da sintomatologia psicótica. Também é importante dizer que vários estudos comprovam que o consumo de substâncias, particularmente cannabis e alucinogénios, por pacientes com outras psicoses, aumenta a possibilidade de transição destas doenças para esquizofrenia com todas as consequências que daí advêm.
– Em termos biológicos, existem alterações cerebrais e bioquímicas com alteração da funcionalidade de vários neurotransmissores cerebrais, o principal dos quais a dopamina.
A esquizofrenia é, portanto, uma perturbação mental complexa, que afeta cerca de 21 milhões de pessoas em todo o mundo; em Portugal, segundo estudos recentes, existem cerca de 48 mil pessoas doentes, o que representa cerca de 0,6% da população portuguesa com mais de 15 anos.
Muito preocupantes são também os dados que referem que se estima que perto de 8 mil doentes não sejam acompanhados com regularidade; sabemos que um dos mais importantes aspetos de agravamento do prognóstico, é a duração de psicose não tratada, ou seja, é consensual que quanto mais tempo o paciente estiver sem tratamento, mais difícil será a sua recuperação e pior o seu prognóstico, portanto é muito importante a deteção precoce e o início do adequado tratamento.
O diagnóstico desta doença é um diagnóstico clínico, o que significa que se fundamenta na avaliação correta dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente, da forma como se iniciaram e da sua evolução, da sua repercussão na funcionalidade do doente e de vários outros aspetos que os psiquiatras têm em conta. Existem vários exames auxiliares do diagnóstico, sobretudo analíticos e de neuroimagem, que podem ser necessários para exclusão de outros diagnósticos diferenciais.
No que se refere ao tratamento, não podemos esquecer que o primeiro fármaco com propriedades antipsicóticas surgiu somente em 1940-50 e representou um marco na história da Psiquiatria. Desde então, surgiram muitos outros fármacos antipsicóticos que têm vindo a traçar um processo evolutivo, desde os mais antigos, geralmente com mais efeitos secundários, até aos mais recentes, com muito menos efeitos indesejáveis, muito melhor tolerabilidade e que atuam também sobre os sintomas negativos, contribuindo muito para a facilitação do regresso à vida ativa e funcional destes pacientes.
A prática clínica e os estudos científicos demonstram-nos diariamente que as recaídas são mais prováveis quando os medicamentos antipsicóticos são interrompidos ou tomados irregularmente e aqui os fármacos injetáveis de longa duração têm um papel muito relevante ao garantir o cumprimento do plano terapêutico prescrito, potenciando a estabilidade clínica. Falamos de fármacos antipsicóticos, de administração intramuscular com periodicidade quinzenal, mensal e trimestral (em breve também disponível na administração semestral); estas características ganham ainda mais relevância quando recordamos que se trata de uma patologia crónica com necessidade de tratamento continuado, logo a toma diária de medicação por via oral torna-se um rápido motivo de descontinuação e de recaída; a administração intramuscular de medicação com tais periodicidades, facilita muito a vida dos pacientes e dos familiares.
Sabemos que estes pacientes sofrem diariamente de um grande estigma, de várias proveniências e que, de várias maneiras, acaba por dificultar em grande parte a sua recuperação. É uma doença com grande impacto nas suas vidas, podendo afetar de forma profunda o seu estilo de vida e a sua imagem social; os sintomas negativos são os principais responsáveis pelas dificuldades nas relações sociais e dificultam muito a reintegração familiar, social e laboral.
Estudos recentes realizados em Portugal estimam que a Esquizofrenia tenha um impacto económico indireto na ordem dos 340 milhões de euros e custos diretos avaliados em 96 milhões de euros/ano; sabemos ainda que cerca de 80% dos pacientes não têm emprego e destes, 70% dependem financeiramente de pais e familiares. Quanto menor a adesão à terapêutica, menor a capacidade de recuperação do doente e maiores estes custos.
Erradamente, para a maioria da população, a expressão “doente mental” descreve pessoas violentas, descontroladas e imprevisíveis, que devem ser mantidas longe do convívio social; ao mesmo tempo, a Organização Mundial de Saúde mostra que mais de 450 milhões de pessoas sofrem de problemas mentais; conclusão: muitas pessoas sofrem caladas, por medo ou vergonha de procurar ajuda.
As doenças mentais devem ser encaradas do mesmo modo que as outras doenças: requerem cuidados e tratamentos, que quando prestados, fazem esperar um nível de recuperação que permita reingressar na vida familiar e social, permitindo que as vidas destas pessoas sigam cursos tão normais e produtivos quanto possível.
As taxas de sucesso no tratamento de muitas doenças mentais são superiores às de algumas condições médicas e estas pessoas podem e devem ter uma vida ativa e integrada. O processo de recovery centra-se agora em ajudar os pacientes a viver e a participar em pleno nas suas comunidades, com as limitações induzidas pela doença.
Nunca existiu tanta informação sobre as doenças e seus tratamentos como atualmente; a eficácia dos tratamentos tem aumentado significativamente, bem como os serviços que procuram ajudar na integração das pessoas com doença mental na sociedade; são ainda claramente insuficientes em relação às reais necessidades dos nossos pacientes.
É muito importante garantir queas pessoas com Esquizofrenia cumpram o tratamento, de forma apoder interagir familiar e socialmente, manter o seu emprego e ter um nível de funcionalidade o melhor possível. A sociedade em geral tem ainda muito para evoluir, aumentando a sua abertura e a sua contribuição para a integração destes pacientes no mundo laboral.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.